A entrevista do líder do Hamas à BBC
Os melhores trechos da entrevista que Khaled Meshaal, o líder do Hamas, concedeu à BBC
Khaled Meshaal, líder do Hamas (divulgação)
O líder do Hamas, Khaled Meshaal, concedeu uma entrevista exclusiva à BBC no Catar, onde vive. Confira a seguir os principais trechos:
BBC: Por quanto tempo o senhor está preparado para ver esse conflito continuar?
Khaled Meshaal: O sofrimento e a catástrofe humanitária são a essência do Estado de Israel. Nós somos as vítimas. Espero que esse confronto acabe o mais rápido possível. Essa é uma guerra que Netanyahu (Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel) lançou contra Gaza sem qualquer justificativa. Ele usou o argumento dos assentamentos na Cisjordânia e está se vingando de nós. Ele quis se vingar de Gaza e agradar seus oponentes políticos usando para isso o sangue palestino.
BBC: Por quanto tempo o senhor está preparado para ver esse conflito continuar mesmo depois de uma trégua?
Khaled Meshaal: Não rejeitamos nenhuma iniciativa que atenuasse o ataque e o cerco a que somos submetidos. O que nos ofereceram foi um cessar-fogo que, pelo contrário, fortaleceria o bloqueio – e os moradores de Gaza já estão cansados de um isolamento forçado que já dura oito anos. Esse bloqueio injustificável já matou mais do que guerras anteriores.
BBC: O senhor defende o fim do bloqueio a Gaza. Mas uma trégua não seria a melhor opção nesse momento?
Khaled Meshaal: Não. Essa é a posição dos moradores de Gaza, do Hamas, da Jihad Islâmica, da Frente Popular e dos palestinos em geral. Todos estão nos dizendo: “Não aceitem um cessar-fogo”. Queremos que, em primeiro lugar, esse bloqueio seja suspenso. Os bancos mundiais vêm pressionando os bancos palestinos para não enviar dinheiro a Gaza. Os moradores de Gaza estão morrendo. Imagine a Grã-Bretanha – a maior ilha do Atlântico – sendo submetida a cerco semelhante. O que os britânicos fariam?
BBC: O Hamas é acusado pelo governo de Israel de, deliberadamente, colocar em perigo a vida de civis. Qual é a sua opinião sobre isso?
Khaled Meshaal: Os números contam uma história diferente. Você pode usar as estatísticas da forma como quiser. Nós temos mais de 700 mártires. Muitos deles são civis e isso é confirmado por Israel.
BBC: Mas o senhor é acusado de deliberadamente colocar em perigo a vida de palestinos na Faixa de Gaza.
Khaled Meshaal: Quem deve assumir a culpa pelo que está acontecendo? Os ocupantes, os colonos – esse é o terceiro ataque contra Gaza – ou aquele que se defende? Quando a Grã-Bretanha abrigou de Gaulle (o general francês Charles de Gaulle), que, usando a BBC, lançou uma guerra de resistência contra os nazistas de Paris, seria ele o responsável pela morte dos franceses? Ou simplesmente tentou apontar o caminho para liberá-los da ocupação nazista? O que está acontecendo em Gaza é um problema do mundo. Tal como os sul-africanos, os palestinos querem viver sem ocupação, sem assentamentos. É hora de a comunidade internacional colocar um fim à última ocupação na história, a ocupação palestina.
BBC: Mas o Hamas é acusado de deliberadamente colocar em perigo as vidas dos palestinos ao usá-los como escudos humanos.
Khaled Meshaal: Isso é mentira. O Hamas está se defendendo, está sacrificando a sua própria liderança em consideração por seu povo. O único responsável pela morte de palestinos é Israel, que usa (jatos) F16 e armas ocidentais e americanas. Quando o Hamas ou qualquer outro membro do movimento de resistência se defende contra os ocupantes, estão protegendo o seu próprio povo. Permita-me voltar à comparação com de Gaulle. Ao lançar um apelo pela resistência, o general francês queria destruir o seu povo ou proteger os franceses da ocupação nazista? Estamos fazendo o que qualquer um faria se submetido a essa opressão.
BBC: Por que tantos civis estão morrendo? Por que quando o Exército israelense alerta as pessoas para que saiam de casa devido aos ataques, o ministro do interior do Hamas pede que elas fiquem?
Khaled Meshaal: Você quer que a liderança palestina peça às pessoas que abandonem sua terra? Qual governo pediria às pessoas que deixassem suas casas?
BBC: Mas qual direito o Hamas tem sobre os civis de Gaza de modo a orientá-los a não dar ouvidos às advertências de Israel, o que, em última análise, provocará sua morte?
Khaled Meshaal: Os palestinos são os únicos que permanecem firmes à sua própria terra. Nós estamos há 18 dias em guerra e você ouviu falar de algum palestino deixando Gaza? Os palestinos têm o direito de permanecer em sua terra e em suas casas. Você sabe qual é o tipo de alerta que Israel dá às pessoas? Israel nos envia um sinal e três minutos depois manda um F16 destruir nossas casas. Que tipo de advertência é essa? Israel fracassou militarmente em atingir a resistência e agora está atacando civis. Esse é o quadro atual de Gaza.
BBC: O Hamas instou a população de Gaza a proteger suas casas de “peito aberto”. Isso é um ato sensato?
Khaled Meshaal: É assim que as famílias palestinas vivem. Os palestinos estão em sua própria terra. Um palestino construiu sua casa com o suor do seu próprio dinheiro. Os israelenses esperam que ele saia dela sem mais nem menos? O Hamas não dá ordens às pessoas que permanecem dentro de suas casas. O Hamas encoraja as pessoas a não ceder à pressão de Israel e mostra a cada palestino sua perseverança. Vá a Gaza e você vai ver pessoas em hospitais. Veja as áreas destruídas. As vítimas não devem ser culpadas. A culpa deve recair sobre Israel, que cometeu esse massacre. Já são mais de 700 mortos do lado palestino. Muitos deles são civis. Enquanto isso, o Hamas se concentra em matar soldados israelenses. Essa é a diferença ética entre a resistência palestina e o ataque israelense.
BBC: Não há dúvida de que Israel tem um aparato militar muito superior ao do Hamas. Mas o Hamas lança foguetes indiscriminadamente contra Israel. Israel não teria o direito de se defender?
Khaled Meshaal: E o povo palestino cuja terra é ocupada por Israel e que está repleta de assentamentos? Não temos direito de nos defender? Por que só Israel tem o direito de se defender? O invasor é o opressor. Israel tem um Exército gigante. Metade da população palestina vive sob ocupação e outra metade em diáspora. Nosso povo tem o direito de se defender, mas o mundo está sendo hipócrita e a favor de Israel. O mundo nos diz que devemos abraçar a democracia. Por que o mundo não respeita a democracia na Palestina quando o Hamas venceu as eleições?
BBC: Quanto mais vidas terão de ser perdidas até o Hamas aceitar as tropas israelenses em Gaza?
Khaled Meshaal: Cada vida de um palestino é importante para nós. Cada gota de sangue também. São os nossos filhos. São os filhos de Israel. A ocupação é um crime, a ofensiva é um crime, o bloqueio é um crime e todos contradizem a lei internacional. O único que pode parar com o banho de sangue palestino deve interromper a ocupação e o bloqueio de Gaza.
BBC: O que é preciso para o Hamas aceitar um cessar-fogo?
Khaled Meshaal: Nós queremos um cessar-fogo assim que possível. Mas isso tem de ser concomitante à suspensão do bloqueio contra Gaza. Essa é a demanda do povo. Eu faço um apelo à ONU, aos Estados Unidos e ao Reino Unido que vão a Gaza e perguntem à população o que ela quer. Eu posso garantir que essa será a resposta do povo de Gaza.
BBC: Percebo que o senhor está absolutamente determinado a não retornar ao status quo. Mas não é verdade que o Hamas em muitos sentidos está mais fraco hoje do que esteve por muito tempo? Vocês perderam aliados importantes, como o governo da Irmandade Muçulmana no Egito, ou o Irã, que não está mais tão próximo a vocês como antes. Vocês enfrentam graves problemas financeiros, não conseguem nem pagar os salários dos funcionários públicos em Gaza. O Hamas está numa posição muito fraca agora.
Khaled Meshaal: Mas não vamos nos render. Sim, o Hamas está passando por um período difícil. Mas este é um perigo que Netanyahu calculou mal – de achar que o Hamas foi enfraquecido pelo bloqueio. E então ele ficou surpreso em ver que a população de Gaza e o Hamas estão mais fortes. As circunstâncias difíceis não nos levam à rendição. O Hamas não luta somente para ter aliados. Lutamos porque temos uma causa.
BBC: Mas dizer que não importa e que vocês simplesmente vão continuar a resistir parece quase suicida.
Khaled Meshaal: Quando você se aferra ao seu direito está cometendo suicídio? Nós somos submetidos à vontade de Israel. Todos os povos do mundo lutaram batalhas desiguais. Os vietnamitas. Ou na África do Sul. Os franceses enfrentaram os nazistas, e foram vitoriosos. Eles lutaram por seus princípios de liberdade e dignidade. As pessoas não lutam somente porque a balança de poder está a seu favor. O poder está sempre com o ocupante. Mas o povo vence.
BBC: O senhor ligou a violência às consequências do assassinato de três adolescentes israelenses na Cisjordânia. O senhor está preparado para reconhecer que os assassinatos foram uma ação do Hamas?
Khaled Meshaal: Não tenho nenhuma informação sobre quem fez isso. Até agora. Israel acha mais fácil acusar o Hamas, mas a questão é: eles estavam vivendo em sua terra? A terra na Cisjordânia é ocupada, de acordo com a lei internacional. Então o palestino que está se defendendo dos colonos armados é acusado de assassinato. Vamos falar sobre as circunstâncias.
BBC: Qual é a estratégia do Hamas? É somente recorrer à violência e acreditar que no fim esses instrumentos podem dar o que vocês chamam de liberação? Vocês realmente acreditam nisso?
Khaled Meshaal: Temos um objetivo e temos os meios de alcançar isso. O objetivo é o direito à autodeterminação, a colocar um fim à ocupação israelense, aos assentamentos judaicos e à agressão. Temos três escolhas. Nós preferimos a escolha pacífica. Somos forçados a recorrer à via militar. Por anos o povo palestino vem tentando a solução pacífica e não obtiveram nada da comunidade internacional. Se tivermos uma chance de resolver a situação pacificamente, sem violência e sem armas, o faremos. Mas somos forçados a lutar contra a ocupação de Israel.
BBC: O senhor está falando sobre uma visão de longo prazo. Quando o senhor acha que o atual conflito em Gaza vai terminar?
Khaled Meshaal: Se Deus quiser, espero que termine hoje à noite ou amanhã, mas como palestino gostaria que isso terminasse o mais rápido possível. Gostaria de dizer aos moradores de Gaza que eles avançaram politicamente. Mas deixe o presidente Obama e eu e Abbas e toda a liderança ajudá-los a colocar um fim na agressão, e então a comunidade internacional terá cumprido seu papel ético e humanitário.
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