As guerras nas familías ricas
Poder, dinheiro, vingança. Desde o caso Sommer à guerra dos Espírito Santo, Portugal tem conhecido, ao longo dos anos, várias contendas entre herdeiros de grandes fortunas. Muitas delas disputadas por familiares desavindos e resolvidas na barra do tribunal ou nos gabinetes de advogados
No mundo dos negócios, a sucessão nem sempre é pacífica. Os especialistas veem nela o maior problema das empresas familiares, muitas das quais nem sequer sobrevivem inteiras à passagem do testemunho geracional. Quando o poder muda de mãos, o cimento que une as famílias pode abrir brechas e partir, dando origem a histórias de guerra e paz entre irmãos como as que aqui lhe contamos, recheadas de episódios de traição, mentira e dinheiro.
O desfecho da herança Sommer, nos anos 70, deixou seguidores: a Norte, os Viola, os Soares e os Caetano; a Sul, os Figueiredo, os Roque e os Queiroz Pereira, estes últimos causadores das ondas de choque que estão a provocar a implosão da família Espírito Santo. Mesmo que olhemos para os bons exemplos dos Azevedo, dos Soares dos Santos ou dos Mello, o futuro não augura nada de bom. Metade das empresas do índice PSI 20 da bolsa de Lisboa são de origem familiar, num País onde 80% do tecido empresarial é dominado por laços de parentesco. À antiga portuguesa...
Foi no final do ano passado que o País assistiu, surpreendido, ao espoletar de uma guerra familiar sem precedentes. Pela primeira vez, ao longo de mais de um século de história, a família Espírito Santo lavava a roupa suja na praça pública. De um lado, o líder incontestado há mais de 20 anos, Ricardo Salgado. Do outro, o seu primo, José Maria Ricciardi, presidente do BESI, o banco de investimento do grupo.
A contenda assumiu tais proporções que os líderes dos cinco ramos da família se viram obrigados a convocar uma reunião de emergência para pôr fim a uma guerra que estava a abalar a imagem e o nome dos Espírito Santo.
Foi uma reunião difícil, mas, no final, a decisão foi unânime: Ricardo Salgado ficaria à frente dos destinos do grupo até ao final do mandato, em 2015, e os primos remetiam-se ao silêncio. Até o próprio pai de José Maria, António Ricciardi votou contra o filho "para garantir a estabilidade" familiar, como o próprio afirmou.
Mas Ricardo Salgado e José Maria Ricciardi eram apenas os rostos de uma horda de familiares divididos há já vários anos, pelas mais variadas razões. Primeiro, foram os casos polémicos que envolveram o nome Espírito Santo, como o Portucale - abate ilegal de sobreiros -, o Mensalão - aquele que foi considerado o maior escândalo de corrupção no Brasil entre políticos e empresários -, o Monte Branco, um processo que envolveu crimes de branqueamento de capitais e fraude fiscal, entre outros.
Mas não era apenas o nome que estava em causa. Para muitos era também a carteira, pois o Banco Espírito Santo, a joia da coroa da família, tinha deixado de distribuir dividendos entre os seus acionistas, nos anos logo após a crise financeira de 2008. Foram muitos os elementos do clã que ficaram, de um momento para o outro, sem receber os rendimentos a que se tinham habituado ao longo de anos a fio.
Mas o problema tornou-se ainda mais grave, quando o GES começou a pedir dinheiro à família, fazendo vários aumentos de capital. Um esforço que muitos não conseguiram acompanhar, o que os levou a perder poder e posição no grupo
Quando começa a guerra, José Maria Ricciardi esclarece que não dá o seu voto de confiança a Ricardo Salgado "por razões que se dispensa de revelar". Passados vários meses, a interpretação dos factos leva a crer que uma parte da família estava já a par das graves dificuldades financeiras que o Grupo atravessava. Logo nessa altura, o Banco de Portugal ordena uma auditoria às contas da Espírito Santo International, uma holding sediada no Luxemburgo que controla os ativos da família. Nessa investigação, é detetado um buraco de 1,2 mil milhões de euros nas contas. Era apenas a ponta do iceberg. Uma grande parte da dívida estava a ser passada para outras empresas, nomeadamente clientes de bancos na Suíça e até do BES, bem como investidores institucionais, como a Portugal Telecom. Perante os factos, o banco central obriga o GES a constituir provisões para garantir que os clientes do BES não sairiam lesados desta operação e afasta todos os elementos da família dos órgãos de gestão do banco, processo que leva Vítor Bento para a liderança do BES.
Mais uma vez, José Maria Ricciardi descarta-se das atividades do primo, vendendo todas as ações do BES e renunciando a todos os cargos que ocupava nas empresas do grupo, à exceção da presidência do BESI.
O pacto de tréguas na família, decidido no Conselho Superior do GES, está a ser respeitado, mas poderá não ser suficiente para evitar novos episódios, na guerra aberta dentro daquela que já foi a família mais poderosa de Portugal.
Ler mais: http://visao.sapo.pt/as-guerras-nas-familias-ricas=f790845#ixzz38Z1z0KG0
Sem comentários:
Enviar um comentário