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sábado, 26 de julho de 2014

PRISÃO DE GITARAMA NO RUANDA - Ser enviado à presídio Central de Gitarama, em Ruanda, é a mesma coisa do que ter um pesadelo acordado. O número de presos supera em 17,5 vezes a capacidade máxima do presídio

Prisão de Gitarama em Ruanda


















































































Ser enviado à presídio Central de Gitarama, em Ruanda, é a mesma coisa do que ter um pesadelo acordado. O número de presos supera em 17,5 vezes a capacidade máxima do presídio. Não há espaço nem comida para todos. Por isso muitos presos recém chegados, ou enfraquecidos acabam sendo servidos como prato principal, em verdadeiros baquetes canibais. Assim, matam a fome e a superlotação em uma tacada só. Ser enviado para a prisão de Gitarama pode ser considerado uma pena de morte, fazendo essa prisão justificar a fama de "Inferno na Terra".


Denunciado repetidas vezes por órgãos internacionais de Direitos Humanos, o presídio Central de Gitarama teve uma única melhoria desde que entrou no radar das Instituições Humanitárias mundo afora que clamavam pela sua interdição: um carregamento de cobertores da Cruz Vermelha Internacional recebeu permissão de ser entregue para os condenados. E isso foi tudo!

A Prisão fica ou sul da cidade de Gitarama, distrito de Muhanga, em uma área remota da cidade, em um terreno cercado com um muro de concreto armado e arame farpado que isola a prisão do restante do mundo. O muro nem é tão alto, e à primeira vista não impediria a fuga de uma pessoa determinada a escapar. O grande problema é que os arredores são cobertos de minas terrestres artesanais. Essa virtual "terra de ninguém" não pode ser atravessada sem o risco de se pisar numa mina carregada com pedaços de metal e vidro moído. Aqueles que tentam atravessar o campo e acabam mutilados tem que voltar por conta própria para a cadeia se quiserem receber alguma assistência. Ninguém em sã consciência se aventura além do perímetro de proteção. Circula entre os guardas de Gitarama o boato de que o mapa com a localização das minas se perdeu faz tempo, e por isso, ninguém arriscaria pisar ali. Há alguns anos, quatro homens tentaram fugir através do mato alto, um deles pisou numa mina, outros dois foram alvejados. O último por milagre conseguiu se arrastar de volta para a prisão onde não deve ter recebido um tratamento muito amistoso.


Ao lado da estrada existe um cemitério com poucas covas identificadas, pertencendo exclusivamente a funcionários e guardas. Os prisioneiros são enterrados em valas sem identificação cobertas de cal virgem para acelerar a decomposição dos restos. Em Gitarama é preciso garantir espaço constantemente para novos corpos, a demanda parece nunca cessar.

Há apenas uma entrada para a prisão, uma estrada de terra com três metros de largura, vigiada por postos de guarda a cada vinte metros. Não há como sair desse presídio infernal a não ser por esse caminho. Qualquer um pisando nessa estrada sem a devida identificação é alvejado sem piedade. Os guardas cumprem seu papel, pois uma das penalidades para funcionários corruptos é ser mandado para dentro da cadeia, tornando-se ele próprio um detento.

Mas não é isso que torna o presídio Central de Gitarama um lugar infernal.

A prisão é formada por dois prédios de quatro andares cada um. Construídos em concreto de cor ocre. Os prédios eram parte de um conjunto habitacional dos anos 1960, erguido por uma empresa multinacional britânica para servir de moradia para seus funcionários. Quando a empresa fechou suas portas, o lugar foi arrendado pelo governo ditatorial a fim de ser transformado em uma Prisão Política. De lá para cá, as coisas não mudaram muito, embora Ruanda já tenha passado por vários governos, todos eles parecem encontrar uma utilidade prática para o local.

Estima-se que as instalações sejam habitadas por quase 7000 homens. Sete mil pessoas contidas em dois prédios de quatro andares cada. A superlotação faz com que os prisioneiros sejam obrigados a se distribuir em cada espaço possível. Espaço é uma das coisas mais valiosas nesse lugar esquecido por Deus. A lotação, para padrões ocidentais deveria ser de no máximo 400 prisioneiros.

Os detentos se espalham pelos antigos cômodos dos apartamentos com janelas lacradas com grades de ferro. Nos aposentos lotados e escuros o fedor é algo insano. As escadas e corredores estão sempre lotadas de prisioneiros que não ousam sentar ou deitar por temer serem esmagados. Eles podem andar pelo pátio do tamanho de uma quadra defutebol de salão ou pelo telhado, e isso é tudo. Aqueles que tem sorte encontram um espaço nos "dormitórios" onde podem deitar e quem sabe dormir. Mas a lotação é tamanha que mesmo as latrinas (em número de 20!) estão sempre cheias.

A Prisão de Gitarama é simplesmente pequena demais para a quantidade absurda de pessoas ali estocadas. Para se ter uma ideia, a prisão não seria aprovada pela agência reguladora dos direitos dos animais do Reino Unido, responsável por arbitrar regras para os abatedouros naquele país. As instalações seriam consideradas desumanas para o abate de porcos, por exemplo.

Prisioneiros retornando ao presídio após cumprir com atividade externa, com seus trajes penitenciário com de rosa (em Ruanda essa é a cor dos uniformes carcerários). Todos eles são adolescentes ainda, e recem enviados a prisão de Gitarama (note que suas roupas são bem limpas até),  e recebem a chance de prestar serviços nos arredores da própria prisão. Esses serviços são vistos como uma benção, pois esses jovens não precisam passar o dia inteiro dentro do presídio.
Os guardas não entram em Gitarama. Raramente alguém - além dos presos, se aventura no interior da prisão. Provisões, água e alimentos são deixados no portão de entrada uma vez por semana, e cabe aos prisioneiros distribuir entre si esses itens. Uma vez por semana, lixo, barris com excrementos e cadáveres são deixados no mesmo acesso para serem recolhidos. O serviço médico é voluntário, fornecido por médicos e religiosos, mas não há gente suficiente para prestar um tratamento adequado. O governo de Ruanda não se responsabiliza por esses voluntários e de fato, alguns que atravessaram o portão simplesmente desapareceram do outro lado.

Curiosamente, a prisão de Gitarama nunca teve rebeliões que careceram da intermediação da polícia ou autoridades prisionais. Os presos são os responsáveis pela sua própria regulação e ninguém sabe ao certo como eles se organizam. A maioria dos prisioneiros enviados para a prisão, cumpre pena perpétua são assassinos, estupradores, extremistas, ladrões... em comum tem o fato de serem todos da etnia Hutu.

Os Hutus e um dos piores genocídios da história

Os Hutus foram os responsáveis por um dos maiores genocídios da década de 1990, eles massacraram impiedosamente seus oponentes, os Tutsi, nos conflitos étnicos que varreram o país em 1994 e causaram mais de um milhão de mortes em Ruanda. Para promover a barbárie, os hutus que controlavam as forças armadas fomentaram um desejo assassino na população civil, colocando armas nas mãos deles e decretando "morte aos Tutsi". Apesar de contar com o exército, foram as machetes que se tornaram infames nesses horríveis massacres. As machetes, eram usadas como ferramenta de intimidação, de tortura e, é claro, morte. Estima-se que um em cada três hutus, recebeu uma machete de presente do governo com as ordens de usá-las contra os inimigos. Os Hutus usavam essas facas longas e afiadas para mutilar seus inimigos - os termos "manga comprida" e "manga curta", designavam onde o membro seria cortado: na altura do pulso ou do cotovelo. A população de Ruanda até hoje mostra as cicatrizes desses anos de loucura com milhares de desaparecidos, mutilados e traumatizados.


Com o fim da Guerra Civil, governos de transição se revezaram no poder e acordos de paz conseguiram frear as hostilidades. O governo atual de coalizão concordou que as ações dos hutus, considerados crimes contra a humanidade, não poderiam ficar sem punição, por isso instituiu que eles fossem recolhidos em prisões como Gitarama. É inegável que existem clima de revanchismo dos antigos oprimidos contra os opressores, vingança contra os que promoveram uma das maiores vergonhas daquela década.


Mesmo assim, as condições da Prisão de Gitarama são aterrorizantes.

Segundo profissionais da entidade "Médicos sem Fronteira" (MSF), os prisioneiros sobrevivem por no máximo 8 meses no interior da instituição. Um em oito, morrem antes de completar 5 meses no lugar. Não obstante ele continua a receber prisioneiros enviados de outras prisões que comportam hutus envolvidos nos massacres. Voluntários fizeram um levantamento das condições gerais: inúmeros internos sofriam de traumas, incluindo tímpanos estourados e mordidas causadas por outros presos, enquanto um número alarmante sofria de apodrecimento dos pés em função da maioria ficar de pés descalço nas condições insalubres do piso. Muitos perderam os dedos, os pés ou as pernas para a gangrena. A septicemia colore os homens, os membros se tornam negros como piche, os corpos cinzentos e as faces assumem um tom amarelo fantasmagórico.

É impossível não fazer uma comparação entre a situação vivida no presídio central de Gitarama com os campos de extermínio nazistas. O objetivo é exatamente o mesmo: a morte mediante um sofrimento terrível.

"O fedor digno de uma jaula de leão misturado a esgoto e murmúrios dementes não é capaz de preparar o visitante para a realidade da prisão", escreveu um médico alemão que trabalha no MSF e teve acesso ao interior da prisão de Gitarama. "O ondulante mar de rostos e corpos magros semi-nus, colocados quase amontoados uns sobre os outros no chão ou de encontro às paredes causa uma sensação constante de claustrofobia. Não há quase como andar, não sem esbarrar ou pisar nos outros. Não há como ter certeza se as pessoas ao lado estão vivas ou mortas, muitas delas ficam doentes do dia para a noite, sofrendo de disenteria e desidratação".

O próprio ar é um recurso escasso, inúmeros homens morreram sufocados, incapazes de respirar. "Se uma epidemia atingir a Prisão nem quero imaginar os efeitos", comentou Veronique Troyes, membro de uma Comissão da Cruz Vermelha Internacional que inspecionou a prisão em setembro passado. 

Canibalismo na Prisão

Mas o terror desse Inferno na Terra parece não conhece limites. Para tornar ainda mais amedrontador os pesadelos causados por esse lugar infame, observadores internacionais revelaram um aspecto ainda mais medonho presente no presidio de Gitarama: Canibalismo.

O canibalismo esteve presente durante a guerra civil inciada em 1994, não seria diferente no presídio infernal de Gitarama. Sabe-se que a prática era comum em algumas tribos africanas, mas nos dias de hoje não há como não se comover e se revoltar com tal ato. Durante a guerra civil existem relatos de uma menina que viu seu pai ser assassinado, e foi obrigada pelo assassino a comer os dedos recém amputados do próprio pai.

A prisão possui duas áreas que servem como cozinhas improvisadas na qual os prisioneiros preparam suas refeições em tambores de metal cheios de óleo. A fumaça se espalha pelo complexo, impregnando e se misturando com os outros odores indescritíveis. Os internos tem direito a apenas uma refeição ao dia e muitos precisam enfrentar seus colegas de prisão e lutar para obter algum sustento. Os mais fortes, é claro, controlam a divisão e os mais fracos não recebem nada. Em meio ao total desespero causado pela inanição, alguns prisioneiros acabam rompendo com um dos tabus mais antigos da humanidade e se alimentam de seus colegas.

"É uma dura verdade" relatou Veronique, "Canibalismo está presente na Prisão de Gitarama, praticado com conhecimento de guardas e autoridades. Os prisioneiros tem uma espécie de loteria na qual as vítimas são escolhidas ao acaso, estes desaparecem sem deixar vestígios. Ouvi alguns relatos tétricos sobre essa prática".

Apesar da pressão de instituições internacionais, a Prisão de Gitarama continua recebendo prisioneiros e ao que tudo indica assim continuará por muito tempo. 


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