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domingo, 22 de abril de 2012


Reportagem

Jean-Luc Mélenchon é fenómeno das eleições presidenciais francesas



Mélenchon juntou uma multidão no seu comício de encerramento da campanha em ParisMélenchon juntou uma multidão no seu comício de encerramento da campanha em Paris (Foto: Alain Jocard/AFP)
 Jean-Luc Mélenchon representa os comunistas e parte da extrema-esquerda. É o fenómeno das eleições presidenciais francesas e quer roubar o terceiro lugar a Marine Le Pen.

O candidato não vai ganhar as eleições, mas é o melhor! Os seus discursos empolgam, mistura a Revolução Francesa com a revolução que podem fazer com as suas mãos. "Vão capitular, acomodando-se, ou vão resistir?", lança Jean-Luc Mélenchon do púlpito, que nem se vê, perdido no meio de um enorme pavilhão do parque de exposições da Porta de Versalhes, em Paris. Olha-se antes para os ecrãs gigantes e a sala responde ritmicamente, com uma referência mítica da história francesa: "Resistência! Resistência!"

O candidato da Frente de Esquerda (FG, na sigla em francês), que representa o seu Partido de Esquerda, o Partido Comunista Francês e outras pequenas formações de extrema-esquerda, tornou-se a surpresa desta campanha para as presidenciais. As sondagens para a primeira volta de domingo já chegaram a dá-lo à frente de Marine Le Pen, da Frente Nacional (FN), de extrema-direita - que ele escolheu como sua principal inimiga e alvo dos insultos mais refinados.

Neste momento, Mélenchon tem entre 13% e 14%, segundo as últimas sondagens, e Le Pen recuperou o embalo, com 16% a 17% das intenções de voto - ameaçando igualar o melhor resultado do seu pai numas eleições presidenciais, obtido em 2002, quando chegou à segunda volta. Por isso, a mensagem para as 30 mil pessoas, segundo o jornal Libération - ou 60 mil, segundo a FG -, que encheram bem o hall 1 do Parque de Exposições foi a de terem um outro voto útil.

Boa acção contra Le Pen

"Se com o vosso voto ajudaram a FG a passar à frente da FN, farão uma boa acção pela França e pela Europa", lançou o candidato. Enche a boca com as palavras e deita-as fora com vigor e ênfase, como um verdadeiro tribuno. É fora de moda e, ao mesmo tempo, empolgante.

Não há como fugir a este homem que se vira de um lado para o outro da sala, de dedo em riste, usando as palavras como uma arma automática e que não poupa Marine Le Pen: "Sopeira das Cruzadas, iéti da política francesa, para quem o problema não é o banqueiro, mas o imigrante!" A rematar: "Digo-o e tenho orgulho em dizê-lo: toda a gente come cuscuz neste país, a integração é um sucesso!"

"A sua força de caricatura" é o que Julia Castanier, uma comunista de 27 anos, casacão vermelho-vivo, destaca quando lhe perguntam qual a qualidade de Mélenchon que destacaria. "Ele tem a capacidade de se impor. É um bom orador, mas claro que as ideias da Frente de Esquerda é que são o mais importante. Mélenchon é uma ferramenta muito útil à FG".

Nota-se a inspiração dos novos populistas latino-americanos - recebeu uma carta de apoio do Presidente Rafael Correa, do Equador, que também pôs em marcha uma revolução cidadã, como a que Mélenchon quer lançar, e o candidato fala na "resistência vitoriosa da Venezuela, Argentina, Bolívia". Se ganhasse as eleições, Mélenchon convocaria uma Assembleia Constituinte - está no seu programa, Humanos antes de Tudo, do qual foram vendidos ou distribuídos 400 mil exemplares.

Mas se Le Pen e Sarkozy são alvos preferenciais da sua verve, "o meu camarada François Hollande", em quem a Frente de Esquerda recomendará o voto na segunda volta das presidenciais, a 6 de Maio, também recebe umas estocadas - Mélechon era socialista, e os dois homens enfrentaram-se algumas vezes. O facto de Hollande ter pegado no tema do aumento do salário mínimo - que Mélenchon aumentaria, por decreto, para 1700 euros (brutos), quando agora ronda os 1400 -, embora de forma algo confusa, é usado por Mélenchon para gozar um pouco com o socialista.

faux-pas de Sarkozy sobre o Banco Central Europeu (BCE), então, serve quase para um número de stand-up: "Perceberam que há problemas com o BCE, ah, que novidade. Ri-qui-qui-qui, o sr. Sarkozy vai ocupar-se disso [a fazer gestos rápidos e pequeninos]. Mas eis que a sr.ª Merkel passa a cabeça pela janela e diz: "O que é isto? Não pode ser." E pronto, pronto, não é nada." O apelo é claro: "Comecem por desembaraçar-se de Nicolas Sarkozy, que não tem futuro nem estratégia política!" "Odeio o Sarkozy, criou uma depressão nacional, toda a gente sofreu com cortes sem sentido e um desinvestimento em áreas fundamentais. A cultura teve cortes completamente estúpidos", diz Judith Davis, uma actriz de 29 anos, comunista há muito tempo e que também já se decidiu por Mélenchon há muito.

Não foi para tirar dúvidas que foi ao comício de encerramento da campanha do tribuno da esquerda mais à esquerda. "Ele faz propostas concretas para um novo sistema económico, para uma verdadeira renovação em França." Hollande, esse arrisca-se a ser a continuação dos últimos 30 anos. "Espero que o equilíbrio de forças que saia das eleições este ano obrigue o PS a fazer uma inclinação à esquerda..."

Brice Morisse, de 30 anos, está noivo da jovem comunista Julia Castanier, funcionária pública. Ele é francês, mas é meio peruano. Em 2007, votou em Sarkozy. "Enganou-me uma vez, não me engana a segunda", diz este chefe de projecto numa empresa de informática. "Vivemos na merda durante os últimos cinco anos, essa é que é a verdade", interrompe Julia. "A saúde custa-nos cada vez mais caro. E o ódio, o racismo, cresceu. E nós, que somos quadros, não podemos mais."

A multidão já só tem uma palavra para Sarkozy: Dégage. Vai-te embora.

Publico

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