Cavaco, depois de Salazar
Como Salazar fez, inspirado pelos ventos da ascensão europeia dos fascismos, a camuflagem da luta de classes através da criação do inimigo interno, fazem agora os teóricos, os agentes e os governantes deste capitalismo contemporâneo. As insuficiências e os limites históricos do capitalismo estão cada vez mais expostas, surgem com cada vez mais força, fruto das contradições intrínsecas do sistema, a cada novo dia, a cada novo pobre, a cada nova guerra, a cada nova morte. A incapacidade de o Capitalismo garantir a própria sustentabilidade do seu crescimento, a sua relação com a natureza e os recursos finitos é agravada pela cada vez mais acentuada incapacidade de gerir o seu próprio funcionamento assente na acumulação permanente e crescente. Os mecanismos de criação de falsa riqueza, de desvalorização constante do Trabalho e de incremento do papel da finança e da especulação apresentam limitações até para o próprio capitalismo, na medida em que se abatem sobre os povos que sustentam a própria acumulação. Para que o sistema capitalista mantenha o apoio popular, ou pelo menos a passividade permissiva das massas trabalhadoras e das camadas intermédias da população, a instrumentalização ideológica e cultural revela-se indispensável componente do arsenal de manipulação. Em Portugal, o fascismo económico já praticamente consolidado, busca agora criar as condições para a reconstituição do fascismo político e cultural. De todos os órgãos de soberania se anunciam sinais claros dos verdadeiros anseios da direita e dos grupos monopolistas. Desde PSD e CDS, depois de aberto o caminho pelo Governo de Sócrates, e com a participação activa e empenhada da Presidência da República, todos convergem na preparação do caldo de cultura de massas que seja suficientemente permissivo para o recrudescimento das tendências fascistas e particularmente permissivo para com o fim da democracia e a instauração de uma ditadura fascista. O capital não pode dar-se ao luxo de que um povo ouse construir o seu futuro por mão própria e, o sonho velho da grande burguesia tem apenas a ganhar com a fascização do estado no seu todo. O fim da participação popular, local, regional e nacional, a imposição de uma cultura de estado favorável à acção e acumulação privadas, à exploração, a elevação de uma moral como desígnio colectivo natural. A direita e a burguesia desde há muito fazem um discurso fascizante, ainda que tímido. A degradação da estabilidade do estado capitalista e o agravamento das condições de vida do povo, o aumento do potencial revolucionário das massas tem, no entanto, gerado a necessidade de afirmar o discurso anti-comunista e de acelerar a gestação do fascismo latente, mas do qual a direita portuguesa, em momento algum, se dissociou. Os problemas do país, na linguagem da direita, residem no facto de existir quem se recuse a acatar e aceitar a situação. As divisões entre a nação (baseadas no conceito burguês de estado-nação) são as que resultam da acção dos comunistas e democratas. A unidade nacional é entendida como a aceitação da ordem fascista, a aceitação da exploração e a rejeição de todas as formas de protesto, associadas directamente a actos de desagregação da unidade nacional. É a linguagem do fascismo puro. É o que marca o discurso de Cavaco Silva na sessão comemorativa do 25 de Abril, tida na Assembleia da República no próprio dia. Além da parolice e o grau incomensurável de "provincianismo bacoco", é o que fica. E é preocupante que nesta data particular, as garras deles se afiem tanto e ousem louvar provocatoriamente o fascismo no dia em que se comemora a sua derrota pelo povo português.
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