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segunda-feira, 26 de março de 2012



Justiça à portuguesa (2)

Publicado às 00.30

Ao longo dos mais de quatro anos que levo como presidente da Ordem dos Advogados já recebi milhares de cartas das mais variadas pessoas, relatando-me toda a sorte de acontecimentos, a maior parte dos quais puras tragédias pessoais e familiares.
Ultimamente, tenho recebido uma média de quase dez cartas por semana de homens e mulheres de todas as idades e, até, condições sociais, ora relatando-me situações desesperadas, ora acusando as autoridades de atropelos aos seus direitos, mas quase sempre pedindo a minha ajuda para ultrapassar a situação. Através delas vou tomando conhecimento de casos da vida que julgava já não serem possíveis em pleno século XXI num estado de direito democrático.
No início do meu primeiro mandato, quando o seu número era bastante mais reduzido, ainda tentei responder pessoalmente a todas essas missivas, mas pouco tempo depois verifiquei que isso era materialmente impossível, pois muitas delas exigiam estudos que eu não podia fazer ou o conhecimento de elementos de que eu não dispunha. Criei, então, um Gabinete do Cidadão, dependente directamente de mim e dirigido por um vogal do Conselho Geral, que vai procurando dar respostas às questões mais prementes, sobretudo as de ordem jurídica. Há, no entanto, algumas em relação às quais faço questão de ser eu próprio a responder.
É o caso de uma mulher de 53 anos e mãe de dois filhos, o mais velho dos quais foi vítima de um atropelamento, há quase dez anos, sem que até hoje o assunto tenha sido resolvido nos tribunais. Eunice Campos, assim se chama ela, deu-me conta do teor de uma carta que enviou ao Conselho Superior da Magistratura (CSM) onde narra as consequências pessoais e familiares dos atrasos da justiça portuguesa e pede ajuda para as ultrapassar. O teor dessa carta é uma das mais veementes acusações ao mau funcionamento dos nossos tribunais.
Vejamos, então, o que, segundo o seu relato, se tem passado desde aquela madrugada do dia 5 de Dezembro de 2002, quando o seu filho mais velho, então com 20 anos de idade, saía de uma festa académica do Instituto Superior da Maia (ISMAI). Sem que nada o fizesse prever, um automóvel avançou, em contra mão, atropelando vários estudantes, matando um deles e ferindo mais seis, entre os quais o seu filho que ficou deficiente físico para toda a vida.
O autor do atropelamento, um indivíduo a quem, alegadamente, não tinha sido permitida a entrada na festa, foi condenado em cúmulo jurídico a 19 anos de cadeia, mais tarde reduzida, por via de recurso, para 14 anos. Segundo narra Eunice Campos, o crime foi reconstituído duas vezes com a presença de três Juízes, um procurador, cinco advogados, seis estudantes, o autor do atropelamento e um Meco no lugar do estudante morto.
Na parte criminal o processo andou rápido, pois o arguido até já saiu da cadeia, há cerca de dois anos. Porém, no que diz respeito às indemnizações, o processo ainda vai muito longe do seu fim, pois encontra-se no Tribunal da Relação do Porto em fase de recurso de apelação. Depois de aí ser decidido, ainda poderá haver recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e, em alguns casos, até para o Tribunal Constitucional.
Entretanto, as vítimas e os seus familiares aguardam, já lá vão quase dez anos, as compensações financeiras a que têm direito, o que, no caso do filho de Eunice Campos, assume particular acuidade. Ele já sofreu quatro intervenções cirúrgicas, mas nunca mais será a mesma pessoa, pois precisa de medicamentos, material ortopédico diverso, canadianas, talas de compensação, sandálias ortopédicas e joelheiras, além fazer fisioterapia. Para suportar todas essas despesas ao longo de quase uma década, os pais endividaram-se, deixaram de poder pagar os estudos ao filho mais novo e acabaram por se separar, ficando Eunice com o filho a seu cargo.
Hoje, ela corre o risco de ter de vender a casa em que vive, pois os tribunais continuam a «mastigar» o processo. «Eu não aguento mais, física, psicológica e financeiramente», disse Eunice Campos na carta que escreveu ao CSM. Vamos, aguardar a resposta desse órgão de gestão e de disciplina da magistratura judicial.

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