Maria pede um café duplo, em chávena escaldada. Bebe devagar. Ainda é cedo.
Enquanto espera…delicia-se com a bebida. O sabor e o aroma inebriante ajudam a passar o tempo.

Para que o prazer seja total, para que aconteça a simbiose, é preciso saboreá-lo, silenciosamente, recolhido sobre o acto, de modo a que o gozo perdure, absolutamente, tanto quanto possível.
Este modo de desfrutar é mais comum acontecer às mulheres, pela sua particular afectividade, pela sua sensibilidade natural, pela sua inteligência e porque valorizam tanto a alegria das palavras como o valor do silêncio.
Sentada e só, de olhos fechados, idealiza o percurso em falta e desenha, mentalmente, uma linha recta na hipotética abóboda celeste, como se de uma estrada se tratasse, e pensa: – “Bem… já não falta muito.”
O avião está atrasado em mais de duas horas, assinala o ecrã das chegadas.
Há muitos meses que não está com o marido, por motivos profissionais. É uma vida nova que foi preciso reaprender a viver, na lonjura da sua ausência. Aprendeu a preencher os dias vazios e solitários com as memórias dos bons momentos que passaram juntos e que de novo está para acontecer.
Se Angola fosse mais perto… quem sabe… os encontros podiam ser mais regulares. Mas assim… não é possível.
Mas a cada regresso, o prazer é maior… e corre de braços abertos para que o abraço seja forte e igual ao seu amor, porque é livre, porque é querido, porque é fiel.
São momentos iguais a este que, de quando em vez, tornam os dias venturosos… acredita.
Volta o olhar, sem se dar conta, quase instintivamente, para o painel electrónico e antevê, com satisfação, que o encontro está por um fio.
É tempo de guardar, no seu secreto refúgio, as horas de desânimo e de tristeza que a atormentaram nos últimos dias, com maior intensidade.
Não quer, de todo, deixar transparecer o que lhe vai na alma.
Apesar da melhoria económica, toda a sua vida deixou de fazer qualquer sentido desde que o marido partiu. É uma vida sem “brilho, sem luz e sem arder, como o que o fogo-fátuo encerra”, ou seja, é aparência de brilho (vida exterior), mas sem luz interior (vida interior).
Quem vive assim, não vive. Sobrevive!
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