Espanha cumpre no dia 29 de Março um dia de greve geral, que é convocada sob o lema "Querem Acabar com Tudo, com os Direitos Laborais e Sociais". Declara-se contra “a reforma que elimina direitos históricos dos trabalhadores e a política de retenções que envolve o desmantelamento dos serviços públicos” – lá como cá.
Uma semana após a greve geral portuguesa, os sindicatos espanhóis avançam com a mesma forma de luta, apontando contra as profundas alterações nas relações laborais que ali se perspectivam e que tem muito em comum com as soluções impostas aos portugueses. Há pontos comuns entre as duas situações, mas também há diferenças.
Os pontos comuns.
A crise da dívida soberana e as condições (taxas de juros) de acesso ao re-financiamento aproximam Espanha do grupo de que Grécia, Irlanda e Portugal fazem já parte – o dos países intervencionados e com a sua soberania condicionada.
A ligação da crise da dívida soberana ao problema dos deficits dos Estados nacionais, conduziu à imposição de uma cartilha ideológica que vê a solução na fragilização dos vínculos laborais de milhões de trabalhadores e no embaratecimento do factor trabalho. A par da retracção ou abandono da prestação de importantes serviços públicos pelo Estado. Em Espanha, como em Portugal.
Aos governos socialistas que iniciaram, em ambos os países, o ciclo da austeridade e da desregulação das relações laborais, sucederam-se, com um intervalo de poucos meses, governos de direita legitimados por sufrágios eleitorais – ambos com maioria absoluta, embora no caso português assente numa (facilmente conseguida) coligação pós-eleitoral.
A superestrutura do sindicalismo de ambos os lados da fronteira estrutura-se em torno de duas grandes centrais sindicais com orientações políticas similares. Em Espanha é Confederação Sindical CCOO (Comisiones Obreras), tradicionalmente próxima do PCE/Izquierda Unida, e a UGT (Unión General de Trabajadores), de influência socialista.
huelga general espanhola foi convocada por ambas as centrais sindicais, tal como por cá o foi a greve geral de Novembro passado.
As diferenças.
A Espanha não está sob “resgate” financeiro internacional – porventura por a sua economia ser de uma dimensão incomportável para o sistema europeu -, mas o seu Governo, também acossado pela pressão de diminuir o deficit, decidiu aplicar um conjunto de medidas na área laboral que se aproxima das condições impostas pela troika em Portugal – e de que já aqui se deu eco.
A taxa de desemprego espanhola é historicamente superior à portuguesa, apesar de essa diferença já ter sido mais significativa no passado – actualmente Portugal aproxima-se rapidamente dos 15% enquanto Espanha atingia os 22,85% em finais de 2011.
O “resgate” acordado pelo Governo Português com a troika foi subscrito com o acordo do PS, PSD e CDS. Ao invés, a oposição socialista em Espanha não está manietada por um compromisso dessa natureza, podendo facilmente subscrever as posições da central que lhe é próxima… Mesmo que também lá tivesse também sido o PSOE a iniciar o processo quando estava no Governo
Mas o facto é que CCOO e a UGT espanholas continuam unidas numa frente sindical, mantendo uma coesão que repete a huelga general que já haviam promovido em 29 de Setembro de 2010.
Por cá, a UGT foi atraída para a assinatura de um acordo muito lesivo para vastos sectores do trabalho assalariado, resultado amargo dos compromissos subscritos pelos seus camaradas do Partido Socialista. Facto que deixou a CGTP sozinha no terreno, com o que isso tem de bom e de mau: uma UGT que se demite claramente da sua função de defesa dos seus filiados, empurrando o protagonismo da luta social organizada para uma CGTP facilmente identificada aos sectores políticos que recusaram o memorando de entendimento com atroika, isto é, o PCP e o BE.
Resultados?
Os resultados da greve geral promovida por cá, desta vez só pela CGTP, foram os que se viram – impacto significativo nos sectores com forte e tradicional penetração sindical, bem como na generalidade da administração pública. Uma demonstração que envolveu muitos milhares de trabalhadores.
Mas, em boa verdade e pese o acentuar das dificuldades nas condições de vida dos portugueses, a adesão não foi expressiva – como se requeria – e não traduziu a insatisfação que grassa na sociedade portuguesa. O potencial de zanga e descontentamento não teve certamente tradução na adesão registada e o seu impacto político e mediático foi limitado.
Fraquezas de uma luta
O estabelecimento de um clima de “inevitabilidade” da austeridade, ancorado num sentimento de uma certa auto-punição – “andámos a viver acima das nossas posses”, como tem sido repetido à exaustão – tem sido a chave para manter os portugueses afastados da contestação social. Porventura a par da percepção dos escassos resultados práticos dos protestos gregos.
A maioria dos que não aderiram à greve geral fizeram-no por opção própria, certamente em torno de três grandes eixos de razões: 1) não concordarem, 2) entenderem não ter eficácia como forma de luta, 3) absoluta necessidade do rendimento perdido. Mas teremos também que admitir que possam ter sido muitos os que não a fizeram por temer retaliações que a fragilizaçao dos vínculos laborais propicia.
A diversidade social do mundo assalariado hoje existente e a multiplicação de vínculos precários que prolifera, deve fazer repensar o instituto da greve geral. E que seja mesmo ponderada a sua exequibilidade em muitos sectores. A utilização do termo “geral” cria um conjunto de expectativas que dificilmente pode ser cumprido – todos sabemos isso.
Também o facto de a frente sindical portuguesa se apresentar dispersa não abona em favor de uma luta que requer a maior amplitude de consensos e necessita de congregar a participação das mais diversas organizações sociais. Há pois que procurar os mínimos denominadores comuns entre as organizações representativas dos trabalhadores.
A crescente dimensão internacional dos problemas que se colocam ao mundo do trabalho na Europa, mas com especial gravidade nos países nos países intervencionados, mas também em Espanha, tem-se traduzido num sentido comum: a desregulação das leis laborais, a facilitação do despedimento sem justa causa, a quebra da contratação colectiva – sempre em desfavor do trabalhador.
Não se percebe também porque não há maior concertação europeia – nomeadamente sindical. Não teria sido possível um entendimento entre sindicatos portugueses e espanhóis quando há tanto que aproxima os problemas das classes trabalhadoras dos dois lados?