Longe de combates, vítimas sofreram de desnutrição e doenças evitáveis
Os conflitos armados espalhados pelo continente africano podem ter resultado nas mortes de 5 milhões de crianças abaixo dos 5 anos ao longo de duas décadas, entre 1995 e 2015, segundo um estudo publicado nesta quinta-feira na revista “The Lancet”. O número contabiliza não apenas as mortes infantis nas zonas de combate, mas também mostra que grande parte destas perdas são indiretas, ou seja, provocadas por dramas decorrentes de situações de guerra, incluindo desnutrição e doenças curáveis, como disenteria e sarampo.
O índice de baixas infantis em conflitos foi três vezes maior nesse período do que para o restante da população, diz o artigo. E representou cerca de 7% dentre todas as mortes de crianças no continente.
Desde 1989, 75% dos conflitos armados não estatais ocorreram na África. E, segundo o estudo, que ressalva a dificuldade de coletar dados precisos, o risco de morrer no primeiro ano de vida é 7,7% maior para uma criança que viva a 50 quilômetros de uma área de combate em comparação àquelas nascidas na mesma região durante períodos de paz. Entre 1995 e 2015, 3 milhões de bebês de até um ano morreram em decorrência de guerras em todas as 54 nações do continente. No geral, crianças dentro de um raio de cem quilômetros do epicentro dos conflitos podem ser afetadas.
“A guerra gera impactos letais, mas indiretos, nas comunidades, causados por doenças infecciosas potencialmente evitáveis, desnutrição e interrupção de serviços básicos, como água, saneamento e assistência médica materna. Estas mortes estão entre os principais desafios para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, diz Eran Bendavid, autor do artigo, em referência à meta estabelecida pela ONU para acabar com mortes infantis evitáveis até 2030.
DRAMA DE LONGO PRAZO
A mortalidade infantil também está associada à exposição a conflitos de alta intensidade e longa duração. Para as guerras que persistiram por pelo menos cinco anos consecutivos, este risco aumenta em quatro vezes frente àquelas de menos de um ano. E a vulnerabilidade para as crianças pode se prolongar até para aquelas as que nasceram oito anos depois da redução das tensões.
Dentre os maiores focos de mortes infantis em conflitos na África, estão Nigéria, Uganda, República Democrática do Congo, Burundi, Quênia, Etiópia, Líbia, Egito e Serra Leoa. A Nigéria, por exemplo, sofre com violentos conflitos agrários e a insurgência do grupo extremista Boko Haram. Sete anos de crise deixaram 20 mil mortos e 2,6 milhões deslocados. Já no Burundi, a violência armada persiste há meio século, desde que o país se tornou independente, em 1962. Centenas de milhares de pessoas já morreram, incluindo muitos civis, numa nação que já sofreu dois genocídios reconhecidos por uma comissão internacional da ONU.
Especialistas argumentam que os conceitos de segurança e desenvolvimento estão profundamente atrelados no continente africano, que desde a Guerra Fria experimentou 630 conflitos, envolvendo ou não Estados, entre 1990 e 2015, de acordo com o Instituto de Estudos Nacionais Estratégicos da Universidade de Defesa Nacional nos EUA. Embora entre 1990 e 2000 o número e a quantidade de confrontos tenham diminuído significativamente, estas tendências subiram preocupantemente desde 2010, aponta outro estudo, de 2017, publicado pela Universidade de Defesa Nacional, com aumento significativo de campanhas de violência contra civis, protestos populares, uso de explosivos improvisados e ataques suicidas. Dentre as maiores vítimas, estão também mulheres e civis sem envolvimento com embates das linhas de frente.
oglobo.globo.com
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