Quiseram dar uma prova de força e apenas o conseguiram por metade. Foi o maior protesto na era Trump e ainda assim foram ultrapassados pelos antifascistas em Portland, no Oregon, Estados Unidos. Houve confrontos aqui e ali entre os dois lados, com seis pessoas a ficarem feridas e outras 13 detidas. Podia ter sido pior, muito pior.
Horas antes, as autoridades, num esforço colectivo de mais de 20 agências locais, estaduais e federais, apreenderam paus de madeira, bastões de ferro, escudos e outras armas aos fascistas, impedindo-os de semear o terror na cidade. As autoridades estavam em alerta máximo por recear confrontos, chegando mesmo ao ponto de proteger os fascistas, como já se tornou hábito.
Além disso, fecharam a ponte e colocaram barreiras de cimento. E emitiram um mandado de captura contra Joey Gibson, líder dos Patriots Prayer, obrigando-o a entregar-se na sexta-feira — saiu depois sob fiança e participou no protesto, mas a detenção baixou-lhe significativamente o tom.
O protesto, chamado de “Terminem com o Terrorismo Doméstico” e convocado pelo grupo neofascista Proud Boys, foi organizado poucos dias antes e tinha como alvo os grupos antifascistas que actuam na cidade. O tiro de partida foi a agressão que o jornalista da alt-right Andy Ngo sofreu quando cobria uma manifestação antifascista na cidade, a 29 de Julho. Despejaram-lhe um batido e esmurram-lhe a nuca — Ngo fez-se depois de vítima.
O protesto de extrema-direita teve 1300 pessoas e foi o maior na era Trump. O líder dos Proud Boys, Enrique Tarrio, prometeu que o grupo iria marchar todos os meses em Portland até libertar a cidade dos seus adversários. “Mais cedo ou mais tarde, [o presidente da Câmara de Portland, Ted Wheeler] vai ficar sem dinheiro e os seus pares no Governo vão deixar de o levar a sério. O caminho é simples para o presidente Wheeler: libertar a sua cidade das mãos dos Antifa, tomar acções directas, significativas”, disse Tarrio em comunicado.
Tudo apontava que haveria uma batalha campal este sábado. Nos dias que antecederam o protesto, Joe Biggs, membro dos Proud Boys e que em tempos foi apresentador no media fascista Infowars, deixou bem claro que os antifascistas seriam alvo de violência. Partilhou vídeos em que envergava uma t-shirt onde se podia ler “A treinar para atirar comunistas de helicópteros”, referência aos métodos do regime fascista de Pinochet contra a oposição. E ameaçou os antifascistas: “Não se vão sentir seguros quando estiverem em público”. “Vou pôr o vosso rabo no chão, Antifa”, continuou.
Para desânimo de Biggs, isso não aconteceu, bem pelo contrário. Os fascistas tiveram de ser, mais uma vez, escoltados pela polícia por os antifascistas organizarem a sua própria marcha.
As autoridades governamentais pouco têm feito contra a extrema-direita e as milícias a si ligadas, obrigando os antifascistas, conhecidos simplesmente como Antifa, a serem a primeira linha de defesa nas ruas norte-americanas. Em consequência, a extrema-direita ficou obcecada em persegui-los por todos os meios possíveis, com ameaças individuais, ataques colectivos ou até mesmo com possíveis projectos legislativos.
Foi o que o senador republicano Ted Cruz, conhecido por ter ligações a milícias de extrema-direita, fez ao propor ao Comité Judicial do Senado uma resolução a sugerir a designação dos Antifa como grupo terrorista doméstico. As baterias estão focadas nos antifascistas quando a extrema-direita é responsável por mais mortes violentas que eles ou até que o terrorismo jihadista nos Estados Unidos.
A extrema-direita não conta só com o apoio de distintos senadores. O seu principal aliado está sentado na Sala Oval, por detrás da secretária Resolute. O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, nunca conseguiu esconder a sua simpatia para com a extrema-direita, não fosse ela uma parte da sua base eleitoral. E voltou a não conseguir fazê-lo pouco antes das duas marchas acontecerem este sábado.
“Está a ser dada uma grande consideração a nomear-se os ANTIFA ‘ORGANIZAÇÃO TERRORISTA’”, escreveu Trump no Twitter. “Portland está a ser observada de muito perto. Esperamos que o presidente de Câmara consiga fazer o seu trabalho”.
Num tom repleto de crítica subentendida, Wheeler reagiu, em declarações à CNN, às palavras de Trump: “Francamente, não é útil. Esta é uma situação potencialmente perigosa e volátil, e adicionar este ruído não faz nada para apoiar ou ajudar os esforços que estão a ser feitos em Portland”.
Em pano de fundo estavam os confrontos entre antifascistas e membros da extrema-direita em Charlottesville, na Virgínia, em Agosto de 2017. Um fascista avançou ao volante de um carro contra uma multidão de antifascista e matou uma pessoa, a activista Heather Heyer. Outras 28 pessoas ficaram feridas.
O que faltou ao chefe de Estado dizer foi que não existe possibilidade legal para se designar uma organização doméstica como terrorista. O Departamento de Estado e o FIB têm listas de organizações terroristas estrangeiras, onde o Estado Islâmico se encontra, por exemplo, mas não mais. No que aos grupos domésticos considerados violentos diz respeito, as autoridades possuem apenas directivas.
Mesmo que a lista de terroristas domésticos existisse, as autoridades teriam imensa dificuldade em incluir os Antifa nela, pois o termo é mais um guarda-chuva composto por vários grupos muito diferentes entre si e sem qualquer filiação. É um movimento alargado. É por isso mesmo que a resolução de Ted Cruz alarga o conceito a qualquer grupo, colectivo ou indivíduo que possuam materiais de propaganda antifascista.
Se este critério fosse aplicado, as liberdades fundamentais estariam em risco e a lei poderia servir de justificação para as autoridades perseguirem como quiserem movimentos e colectivos de esquerda. Por exemplo, qualquer colectivo que use uma faixa com o símbolo antifascista seria automaticamente designado como terrorista doméstico.
medium.com
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