A geração Z, nascida entre 1997 e 2012, está a chegar às urnas. Enquanto uns começaram agora a ler e escrever, outros já vão votar pela segunda vez. Conhecidos como “nativos digitais”, os Zs não fazem ideia de como era o mundo antes do 11 de setembro. Quando pensam em Economia, a palavra que conhecem melhor é “crise”. Os mais crescidos já sabem bem o que é a precariedade, e cresceram assombrados pelo desemprego. Segundo o último Eurobarómetro, estes "peritos" em ecologia e alterações climáticas querem mudar o mundo, desejam fazer a diferença, mas nas últimas legislativas só 19% é que foram às urnas. A palavra a quatro Zs
“Nunca ou quase nunca” discutem os temas da atualidade e poucos sabem dizer aquilo que defende cada partido. “Estou mesmo à parte desse mundo da política”, considera Beatriz Figueira, com 21 anos. “Não tenho por hábito falar sobre política com os meus amigos porque é um assunto muito chato. Os meus pais trabalham muito e as conversas que temos em casa, ou à mesa, são tudo menos sobre política. Às vezes passa uma notícia na televisão e eles soltam um comentário sobre isso, mas o assunto morre ali”. Francisca Quádrio, com menos um ano, também não se sente à vontade para ter conversas sobre o tema: “É como se eu estivesse a falar sobre algo que eu não sei, e eu sinto que os meus amigos às vezes também não sabem o que é que os partidos defendem. Nós não podemos falar sobre algo que não sabemos. E como a informação não nos é transmitida, porque não vemos televisão...”
Em casa de Bernardo Bettencourt, 21 anos, “cultiva-se o debate e discutem-se vários temas”, conta o próprio. Talvez seja essa uma das razões pelas quais ele gosta de conversar sobre política com o seu grupo de amigos. “Principalmente sobre assuntos mais polémicos, que têm mais piada discutir porque temos todos opiniões diferentes”. Também os amigos da Joana Alvito, com 20 anos, “interessam-se e estão horas e horas a falar sobre política”, mas ela diz sempre: “Eu política não discuto!” Nunca falo sobre isso, quando alguém fala, eu abstenho-me, porque não tenho conhecimentos. Não sei o que dizer, não tenho opinião formada”, explica.
Os jovens são desinteressados? Eles dizem que não...
“Não podemos generalizar e dizer que os jovens estão ‘desligados’ da política porque até conheço vários jovens envolvidos. Mas, por outro lado, nós [jovens] conhecemos melhor os aspetos negativos da política do que positivos, e isso afasta-nos um bocadinho. Somos mais desinteressados porque ninguém se preocupa em informar-nos do que podemos fazer para mudar”, considera Bernardo e Beatriz concorda: “À volta da política é que já está uma nuvem negra muito grande”. Já Francisca acha que o problema é que “é quase sempre a mesma coisa, a mesma conversa, a mesma discussão. E, por não haver discussões diferentes, as pessoas já não se interessam mais”.
Falta de confiança nos políticos
Quando perguntamos a Beatriz se confia nos políticos, a jovem não hesita na resposta: “Não! Eu acho que quando eles estão a fazer as campanhas, defendem que vão mudar o mundo, que vai correr tudo bem e que vão trazer muitos benefícios à vida das pessoas, para nós votarmos neles, só que o que acaba por acontecer é que, quando chegam ao poder, a ambição é tão grande, que tudo aquilo em que acreditavam acaba por mudar.” Bernardo não pensa de forma muito diferente, até porque sempre que simpatizou por alguma figura política, acabou por sair uma notícia que o fez mudar de ideias. A opinião de Francisca vai ao encontro das dos restantes: “Mesmo não acompanhando atentamente as notícias, ouvia muitas vezes na televisão ‘mais um político corrupto’. Eu acho que é por causa disso, e também devido ao que está a acontecer no mundo, como o caso do Brasil, que a minha confiança nos políticos não é muito grande”, justifica.
Mas há uma exceção...
E o Presidente da República? “Ah, ele sim…! Gosto dele! É uma pessoa muito próxima da população o que faz com que nós nos sintamos ouvidos”, observa a Joana. “No presidente Marcelo, apesar de tudo, confio mais, por causa do contacto que ele tem com as pessoas. Ele quebra os protocolos porque segue a sua intuição e aquilo em que acredita”, defende Beatriz. Segundo Francisca, o Presidente da República é mais popular porque “nem toda a gente gosta de políticos, mas toda a gente gosta de pessoas. O presidente Marcelo, quando tira fotos com toda a gente, as pessoas adoram. São coisas mais terra a terra”.
As redes sociais e as alterações climáticas
Bernardo admite não fazer ideia “de metade das coisas que são discutidas no parlamento”, com exceção das que “acabam por afetá-lo diretamente”. “Os jovens interessam-se por aquilo que tem mais impacto nas suas vidas. É isso que faz a diferença”, esclarece. Tanto a Joana como a Beatriz dizem interessar-se pela defesa dos direitos dos alunos universitários ou sobre o discussão dos pagamentos das propinas, mas não fazem ideia sobre o que cada partido defende nesse campo e quando vêem notícias sobre o assunto, não percebem “nada” e “perdem-se completamente”.
Segundo o último Eurobarómetro, o combate às alterações climáticas é o tema que mais preocupa os eleitores entre os 15 e os 24 anos. Mas porquê? Beatriz acha que é por se abordar mais este assunto nas escolas, até porque, no resto dos temas, nem se sente preparada para “avaliar a situação ou debater”. A geração mais nova mudou-se para as redes sociais, por isso, ficam muitas vezes afastados do debate político a acontecer nos média tradicionais. “Discute-se muito na televisão, mas não de uma maneira que os jovens entendam. Se eu estiver a ver uma notícia, por exemplo, sobre uma greve, o meu cérebro vai automaticamente desligar”. No entanto, nas redes sociais, não faltam vídeos e imagens a alertar para as alterações climáticas, algo que Beatriz compreende muito melhor e gosta de consultar. “Quando nós pensamos na Assembleia [da República] pensamos logo: seca! Mas vídeos desses nas redes sociais nós já vemos”, confessa.
A receita para o sucesso: educar, descomplicar e modernizar
Os Zs querem mais jovens sentados no parlamento. Pessoas com quem se identifiquem e que os compreendam.“Pessoas mais próximas da nossa idade vão saber como chegar a nós e sabem o que é que mexe com as nossas vidas”, defende Bernardo. Joana acha que a Assembleia “são só pais, que usam palavras que ninguém entende”, e isso “não é nada atrativo”. “Os políticos têm de acompanhar a evolução da sociedade e não sei se isso estará a acontecer...”“É tudo muito velho, nós é que temos a genica toda para tentar mudar. Pôr mais jovens na política até poderia dar resultado”, acrescenta.
Estão fartos de termos que não entendem e da linguagem “demasiado formal”, querem alguém que fale na língua deles ou, pelo menos, que lhes expliquem nas escolas.“Se vierem com palavras complicadas, obviamente que não vamos estar interessados. Têm que ser coisas que se relacionam connosco. Um miúdo de 16 anos não vai querer saber de impostos. Mas se o fizerem perceber que se não houver impostos, o estádio onde ele joga futebol vai ter que fechar...”, exemplifica Francisca.
“[Os jovens] não votam porque, sinceramente, não sabem em quem votar, ou não percebem o que é mais vantajoso. Não conseguem ter voz própria porque não estão informados”. A informação sobre o que cada partido defende “não está disponível muito facilmente. Não é muito fácil para nós entender as informações nos programas”, “falam demasiado de números e dinheiro”, e os jovens “desligam disso”, concorda Beatriz. Só agora, aos 21, é que Bernardo começou a ter mais interesse e, segundo o próprio, “até aqui, se não fosse através dos pais, não teria qualquer tipo de conhecimento”. “Sinto que as escolas até fogem desse tema para não serem acusadas de não serem imparciais, ou algo do género. Mas acho que não devia ser assim, acho que deviam tentar mostrar aos jovens o que é a política, porque é que é importante, o que é que acontece diariamente, mudando a imagem que nos vão passando [da política]”.
Na era das redes sociais, os jovens que entrevistámos querem que o debate não aconteça apenas nos média tradicionais porque “não é lá que estão os jovens”, lembra Beatriz, e que o voto passe a ser eletrónico. “Ganharíamos todos por ser muito mais prático e havia muito mais gente a votar”, considera Bernardo.
Votar, sempre! Abster-me, nunca mais!
Joana não foi às urnas nas europeias porque não sabia em quem votar. No entanto, considera que “votar faz diferença!” e nas legislativas não quer faltar. “Vou votar ou em branco ou no mesmo que os meus pais. Porque essas [eleições] têm a ver com Portugal e acabam por incidir, ainda não em mim, mas pelo menos nos meus pais”, considera. “Eu voto sempre. É uma coisa que me incutiram. Eles lutaram para ter o voto por isso é quase chocante não ir votar. Posso nem saber quais vão ser as próximas eleições, mas sei que vou votar. A minha mãe sempre me disse: mesmo que não gostes de política, apesar de te deveres interessar e informar, votar nem que seja em branco, já demonstra interesse e vontade de mudar”, conta Bernardo. Apesar de não se sentir preparada, a Beatriz também garante que não vai faltar às eleições de outubro. “Já que lutámos para isso, principalmente nós, mulheres, acho que não devemos ignorar esse direito”.
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