Ogrupo SANA está sob pressão, depois de um dos seus hotéis, no Marquês de Pombal, em Lisboa, ter dado guarida à conferência neonazi do Nova Ordem Social, de Mário Machado, no sábado passado. As páginas do Facebook dos hotéis e caixas de e-mails têm recebido vários protestos, ao ponto de a própria rede social ter decidido bloquear as “recomendações” por ter “recebido um volume pouco habitual de recomendações”, segundo o Facebook. É um exemplo da estratégia no platform dos antifascistas.Os comentários começaram a surgir horas depois da Mobilização Nacional Antifascista, no sábado, em Lisboa. A página do Sana Lisboa Hotel tinha uma pontuação de 4,8 e a do Sana Hotels 4,6, mas desde aí desceram substancialmente. A primeira caiu para os 3,8 e a segunda para 1,9. E, na hotelaria, a queda da pontuação é onde lhes dói a sério — é tão importante que, quando aumenta, costuma haver prémios para os trabalhadores.
“É um hotel muito mal frequentado. Os clientes arriscam-se a encontrar nazis a vaguear por lá”, escreveu, em inglês, Paula Ferreira na página do SANA Lisboa Hotel. “O hotel concordou recentemente em acolher uma conferência internacional nazi, o que é uma demonstração incrível da sua falta de responsabilidade social. Há vídeos da conferência em que o grupo faz a saudação a Hitler, alguns dos conferencistas tinham suásticas nos seus corpos e o hotel simplesmente permitiu-o. Não o recomendo de FORMA ALGUMA”, escreveu, também em inglês, Aline Rossi, agora no SANA Hotels.
Pressionado nas redes sociais, o gabinete de comunicação do grupo apressou-se a emitir um comunicado em inglês e português a explicar a sua posição, não fosse perder hóspedes. “Ao longo dos seus 20 anos de existência, a SANA Hotels sempre respeitou e promoveu activamente os valores essenciais da Igualdade e da Tolerância, defendendo intransigentemente os Direitos Humanos e os princípios da sociedade democrática em que vivemos”, lê-se no comunicado disponibilizado pelo grupo hoteleiro na sua página de Facebook, referindo que “este é o ADN da SANA e estes Valores são os nossos pilares mais profundos”.
Todavia, o aceitar da reserva da sala contradiz o discurso e, para se justificar, o grupo diz que “as unidades hoteleiras SANA recebem diariamente reuniões e eventos organizados” de distintas entidades e que os temas e agendas são “alheios à SANA Hotels”, com alguns a serem “inteiramente desconhecidos da Direcção do Hotel” e do grupo. Foi o caso, garante, da “reunião que teve lugar” nas suas instalações no sábado passado.Na noite da passada sexta-feira, Mário Machado viu a sua reserva de sala para a conferência ser cancelada pelo Hotel Altis Belém argumentando que a mesma seria de “cariz político e de apoio à extrema-direita”, o que poderia “comprometer a tranquilidade dos nossos hóspedes e a própria segurança dos mesmos”. Em poucas horas, Machado lá conseguiu, sem problemas e em troca de uns meros 800 euros, reservar uma sala no SANA Lisboa Hotel. O grupo disponibilizou o espaço quando o cariz da conferência foi amplamente noticiado pelos órgãos de comunicação social ao longo de uma semana.
A estratégia do no platform
Sempre que os fascistas tentam organizar um evento público, os antifascistas, organizados no bairro, cidade ou até no país onde vai decorrer tentam impedi-lo, isto quando têm a necessária capacidade. E fazem-no de várias formas, por vezes com acções directas, muitas outras com pressão social e mediática. Chama-se a esta estratégia geral de no platform: a tentativa de negar espaços públicos e formas de financiamento à extrema-direita, impedindo-a de levar avante o seu tão desejado evento.
“Para se desenvolverem, os movimentos [fascistas] precisam de organizar eventos públicos, marchas, distribuir propaganda, publicar jornais, lançar campanhas, formar alianças e coligações e estabelecer escritórios públicos, centros sociais e livrarias”, escreve Mark Bray no livro Antifa — The Antifascist Handbook. “Devem estabelecer um entusiasmo social e cultural que dê aos novos recrutas um sentimento de pertença e o desejo de se dedicarem à luta”.
Sem esta estrutura, o fascismo não cresce e mantém-se nas margens da sociedade, muitas vezes com os seus militantes a dedicarem-se à criminalidade organizada.
Há muito que os negócios privados, como hotéis, ignoram a extrema-direita e cedem-lhe os seus espaços para eventos, deixando que esta se organize e propague as suas ideias racistas e xenófobas. Porém, a estratégia de boicote e de pressão tende a resultar, como se viu no caso do Hotel Altis Belém.
Não foi de longe a primeira vez que aconteceu e nem será a última — o caso do grupo SANA é elucidativa de uma nova capacidade dos antifascistas portugueses, mesmo emergente. Por exemplo, nos Estados Unidos, o grupo de extrema-direita American Renaissance foi obrigado a cancelar as suas conferências, em 2010 e 2011, por não ter conseguido encontrar nenhuma sala em hotéis.
A estratégia do no platform não se limita ao espaço físico, entrando adentro pelo virtual — o segundo nunca é bem sucedido sem um movimento antifascista organizado para lá das redes sociais. As pressões, principalmente mediáticas, às grandes corporações com ramos de transferência de divisas por vezes resultam, ainda que nem por um minuto se deixe de saber que apenas procuram a maximização do lucro. Resultam ao ponto de enfraquecer a capacidade de financiamento da extrema-direita, obrigando-a a procurar canais alternativos. Perante a pressão mediática, a Paypal eliminou contas afectas ao site Altright.com, NPI, American Renaissance, Identity Evropa e outros grupos. E, mais tarde, até a Amazon apagou algumas contas. Uma pequena percentagem de contas, é certo, e muitas vezes para lavar a imagem mas mostra como, com vontade e, principalmente, com pressão, há sempre forma de atingir a extrema-direita negando-lhe recursos para si essenciais.
O debate sobre esta estratégia tende a colar-se ao da liberdade de expressão, com muitos liberais e partidários de Voltaire a argumentarem que os antifascistas seguem o mesmo caminho de quem combatem ao impedi-los de expressar as suas opiniões. Porém, como foi expresso na manifestação deste sábado, “racismo não é opinião, é crime”. Para os antifascistas, quem defende a destruição da democracia e das suas liberdades fundamentais não deve ter espaço para propagar essas mesmas ideias, daí se dedicarem a esta estratégia.
medium.com
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