COIMBRA, MARÉ BAIXA
Quando era professor na E.S. Jaime Cortesão, dizia que tinha o privilégio de trabalhar num monumento e ter o melhor pátio de recreio que podia desejar, a Baixa de Coimbra. Já nos meus tempos de estudante e durante muitos anos foi a minha "sala de estar", como a de muitos amigos.
Os cafés e esplanadas - onde todos éramos democraticamente promovidos a doutores a partir dos dezoito anos - , onde as palavras voavam livres e aprendíamos mais que nos bancos da Universidade - e, por vezes, os mestres eram os mesmos -, mesmo em frente da porta de algumas das melhores livrarias do país, os livros lidos à sombra benévola dos velhos prédios da Ferreira Borges e da Visconde da Luz - "Faltou a luz na rua Visconde da mesma", lembram-se? -, às vezes encadernados para não despertar curiosidades duvidosas, o copo e o petisco num daqueles lugares que talvez não passasse hoje numa vistoria da ASAE, enfim, um habitat propício ao desenvolvimento mental da espécie. Tudo quanto foi importante, passou por ali: manifestações, lutas, festas, vida, enfim. Até há não muito tempo.
Dou por mim, agora, a evitar o mais que posso essas paragens. Não porque me comova a nostalgia - sou pouco dado a saudosismos - de tempos idos, mas porque me custa ver aquilo que, antes, era considerado um espaço nobre da cidade, no estado deplorável que dia a dia se agrava.
Ocorre-me este desabafo porque acabei de chegar de uma ida, por obrigação, a esses lugares e, entre lojas, serviços, bancos e até caixas multibanco, tudo fechou. As livrarias e discotecas, essas, já tinham partido há muito. Tudo apresenta um ar sujo, decrépito. Restam apenas algumas lojas resistentes, taipais e papéis nas montras e janelas, multiplicam-se os comedouros e lojas de de "true portuguese souvenirs".
Alguns cafés clássicos ainda resistem, mas o largo da Portagem está transformado numa pocilga de esplanadas que, por excesso de ocupação, apresenta um ar abominável, com lixo pelo chão que a brisa que corria fazia passear pela calçada.
Furgões de cargas e descarga a horas absurdas, tuc-tuc com condutores "chega p'ra lá" agravam a paisagem. Até os músicos de rua - como que fazendo corresponder a sua falta de arte ao ambiente - que me couberam hoje, eram intragáveis - ó gente, se querem tocar e cantar para os passantes convinha que acertassem alguns acordes.
Não, não vou culpar a multidão de turistas que por lá circulava, de nariz no ar, talvez interrogando-se porque raio aquela cidade lhes tinha sido tão recomendada. Não, a culpa não é de quem visita, é de quem recebe. Coimbra queria turistas.
Não, não vou culpar a multidão de turistas que por lá circulava, de nariz no ar, talvez interrogando-se porque raio aquela cidade lhes tinha sido tão recomendada. Não, a culpa não é de quem visita, é de quem recebe. Coimbra queria turistas.
Têm-os. Mas não mexe um dedo para merecê-los. Saca deles o que pode e trata-os, e aqui é que bate o ponto, tão mal como trata os seus cidadãos. E uma cidade que não cuida da felicidade dos seus habitantes, não cuidará da dos visitantes, mesmo que pareça fazê-lo.
E está destinada a perder o melhor de uns e outros. Ou, dos que ficam, restarão os que se retiram para uma espécie de "Vale de Lobos" urbano. E descobrem que, por lá, se reencontram amigos e companhia, lugares habitáveis, enfim, reinventam a cidade que amam.
Sei que há "muitos factores que explicam o que se passa" e de todas as justificações da ementa de desculpas habitual.
Sei que há "muitos factores que explicam o que se passa" e de todas as justificações da ementa de desculpas habitual.
Mas também sei que se as cidades não podem impedir o inevitável podem remediar, podem resistir. Podem, até, superar e transformar os problemas em oportunidades. Mas isso exige lideranças de outra tempera. Assim seja - um dia.
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