Mário Nogueira
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Opinião
Neste processo impõe-se a presença do Ministro. É em momentos difíceis, como este, que se avalia a capacidade política dos governantes. Destes se exige: presença e não eclipse; capacidade de diálogo e não envio de recados; dimensão política e não pequenez pessoal.
A luta dos professores não se esgota na recuperação do tempo de serviço. Os professores lutam pelo necessário reconhecimento, para carreira, de nove anos, quatro meses e dois dias que cumpriram, trabalhando com os alunos, nas escolas, para o futuro do país, mas também lutam: por uma aposentação adequada e que permita rejuvenescer uma profissão que atingiu um nível de envelhecimento preocupante; por horários de trabalho que respeitem a lei, quanto à organização e à duração; por estabilidade de emprego e profissional, fator decisivo para a estabilidade emocional e pessoal, com óbvias implicações na qualidade do desempenho e na organização das escolas; lutam por concursos justos e transparentes; por uma gestão escolar que os envolva na decisão e não os trate como meros subalternos, “desprofissionalizados”, que aplicam decisões superiores, tantas vezes ditadas por interesses alheios ao direito dos jovens a um ensino de qualidade. Lutam, ainda, contra o caminho da municipalização que, pela calada, anda a ser desenhado.
São muitos os motivos que levam os professores a esta luta histórica, que impediu a realização de mais de 15.000 conselhos de turma (96%) previstos para a semana que passou. Uma luta em que se envolvem convictos da sua razão e com a determinação e o entusiasmo com que abraçam a profissão e se entregam aos seus alunos.
De entre os motivos que tornaram necessária a greve em curso, tem sido destacada a recuperação do tempo de serviço. Para além de ser justa, corresponde a um compromisso do Governo que, mais de meio ano depois de o firmar, não quer cumprir, desrespeitando a promessa e, agora, a Lei do Orçamento do Estado (OE) e a Assembleia da República que, sem votos contra e com os votos favoráveis de quem aprovou o OE, recomendou que todo o tempo de serviço é para contar, remetendo para negociação, apenas, o prazo e o modo.
Tentando fugir ao compromisso, os governantes reinterpretam o texto assinado em novembro. Só que o texto vale pelo que está escrito e não por reinterpretações feitas ao jeito de quem quer fugir à responsabilidade.
Na alínea a) do seu ponto 5, a declaração de compromisso identifica, na base negocial para a construção do modelo de recomposição da carreira, “três variáveis fundamentais”: o tempo, o modo e o calendário [prazo]. Na alínea seguinte, explicita o objeto da negociação a fazer: “negociar, nos termos da alínea anterior o modelo concreto da recomposição da carreira que permita recuperar o tempo de serviço”.
É no artigo definido “o” que está a diferença entre o que ficou escrito e o que o Governo diz que lá está. Em novembro, era vontade dos governantes apenas referir “recuperar tempo de serviço”, mas não vingou a sua intenção. Foi introduzido o artigo definido para se dissiparem dúvidas. Demorou horas, esse aparente pormenor, mas é ele que defende os professores e nega a interpretação que conviria aos governantes.
É verdade que o compromisso inclui a necessidade de garantir um quadro de sustentabilidade à recuperação do tempo de serviço. Só que essa referência não está relacionada com o tempo a recuperar, mas com a “distribuição no tempo dos impactos orçamentais associados” [alínea e) do número 5]. Ou seja, ainda que fosse justo, a recuperação não se fará de uma só vez, mas faseadamente, para a tornar compatível com os recursos disponíveis, alocados que continuam aos desmandos dos banqueiros e à agiotagem internacional. Como em outros momentos, o faseamento destina-se a garantir o que para os professores é fundamental: recuperar todo o tempo que trabalharam e, assim, recompor a carreira, tal como a lei a configura.
Quanto ao “argumento” de que a recuperação de apenas 70% é que é justa face ao que se passa com outros trabalhadores da Administração Pública, é tão absurdo que até dói ver alguém dar a cara por ele. Como se pode afirmar que “a estes trabalhadores ainda faltarão três pontos [três anos] para a progressão gerar um impulso salarial”? Poderia alguém recuperar tempo que não perdeu, tendo, até, já contabilizados os mais de nove anos de congelamentos?! E, já agora, os professores não perderam 70% do tempo de um escalão para apenas recuperarem nessa proporção. Perderam nove anos, quatro meses e dois dias de trabalho! É o tempo que cumpre recuperar, como, aliás, já está garantido na Madeira, decorrendo, nesta altura, a negociação do prazo e do modo.
O Governo não tem só a declaração de compromisso para cumprir. Se fosse isso, seria apenas mais uma a acrescentar à imensa lista de promessas desrespeitadas por diversos governos. É que há a Lei n.º 114/2017 (Orçamento do Estado para 2018) que, no seu artigo 19.º, é clara no que deverá ser negociado nas carreiras em que a progressão também dependa de tempo de serviço: o prazo e o modo! E poucos dias depois de aprovar a lei, a AR reiterou que o tempo a recuperar é todo. A Assembleia da República manifestou respeito pelo compromisso assumido pelo Governo; o Governo não tem o mesmo comportamento e desrespeita o compromisso, a Assembleia da República e os professores.
Entretanto, com fins convenientes aos propósitos do Governo, foram postos a circular números fraudulentos e falsidades várias. No sentido do esclarecimento, ficam alguns factos sobre a carreira dos professores, lembrando que eles são um dos grupos profissionais mais qualificados na Administração Pública e, convenha-se, com maior responsabilidade social.
Atualmente, um docente só muda do 1.º para o 2.º escalão (!) ao 18.º ano de serviço, apesar de os escalões serem de quatro anos. Os professores com 15 anos de serviço, muitos colocados a centenas de quilómetros de casa, ganham 1000 euros líquidos; com 20 ganham 1200; com 36 anos de trabalho chegam aos 1450 euros. Para a aposentação, a vida contributiva é de 40 anos, mas, com a perda de tempo de serviço, os professores só poderão chegar ao topo da carreira entre os 43 e os 48! Que carreira é esta em que o topo fica bem para lá do momento em que é possível a aposentação? Será uma estratégia para os obrigar ao serviço até aos quase 66,5 de idade? Não brinquem com os professores!
Uma nota, ainda, sobre o recente apelo do Ministro aos sindicatos para que voltem à negociação. Estranho apelo, dirigido a quem não se retirou da mesa negocial e que, cumpre lembrar, não pode convocar a tutela para a negociação. Se o pudesse, já o teria feito; se o Ministro convocar as negociações, os sindicatos aí estarão, com toda a certeza, representando os professores e educadores.
Quanto ao que deverá estar na mesa negocial, olhando para a recuperação do tempo de serviço, basta ao Governo respeitar o que está na lei, o compromisso e a resolução parlamentar. Não queira impor a negociação do que é inegociável, o apagão de tempo em que os professores trabalharam. Exige-se, justamente, a apresentação de uma proposta que seja base de negociação efetiva do prazo e do modo e, já agora, que não esqueça a aposentação, os horários de trabalho e o combate à precariedade!
Neste processo impõe-se a presença do Ministro. É em momentos difíceis, como este, que se avalia a capacidade política dos governantes. Destes se exige: presença e não eclipse; capacidade de diálogo e não envio de recados; dimensão política e não pequenez pessoal.
Última palavra para os Professores. É um orgulho fazer parte deste grupo, uma honra ser porta-voz dos anseios legítimos da esmagadora maioria. É um privilégio poder participar tão ativamente na luta. Continuemos unidos porque, assim, somos ainda mais fortes.
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