Uma proposta urbanística, vinda de um Fundo Imobiliário (ligado ao ex-BES), promove o último assalto ao que resta da zona verde que separa Quarteira de Vale do Lobo.
Vela, navio alto

Quarteira é já uma mancha contínua de betão
O parque de campismo de Quarteira, a confinar com a lagoa da foz do Almargem (uma das principais zonas húmidas da região) vai desaparecer, dando lugar a mais um empreendimento turístico, com 499 fogos. A câmara de Loulé, entidade licenciadora, emitiu parecer favorável condicionado à proposta urbanística porque o sítio encontra-se classificado de solo urbano, desde 1995, no Plano Director Municipal (PDM). A aprovação está agora dependente da Declaração de Impacto Ambiental (DIA), em fase de análise pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR/Algarve).
O promotor do projecto, designado por Quinta do Oceano, é o Invesfundo VII — Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado (ligado ao Grupo Espírito Santo) que adquiriu os direitos de superfície à Orbitur, locatária do parque de campismo. De acordo com a legislação, só os loteamentos com a uma área de construção superior a 500 fogos é que são submetidos a estudo de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA). Por isso, tentando escapar a eventuais condicionantes ambientais, o investidor deixou cair um fogo na proposta urbanística. “Mas nós, mesmo assim, exigimos a AIA dada a sensibilidade ecológica da zona”, afirmou o presidente da câmara, Vítor Aleixo, lembrando que as novas construções situam-se na proximidade do estuário e lagoa da ribeira do Almargem.
Segundo o Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC), a lagoa da foz do Almargem faz parte do corredor das Zonas Húmidas entre Armação de Pêra e o Ancão, tal como sucede com a lagoa dos Salgados (Albufeira), também em risco. Ao lado dos Salgados, já no concelho de Silves, aguarda decisão judicial há seis anos um projecto de Potencial Interesse Nacional (PIN) com mais 4 mil camas. A proposta surgiu da empresa Galilei (ex-Sociedade Lusa de Negócios). Neste sítio, segundo a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) nidificam 45 espécies de aves. No concelho de Loulé, o pinhal da zona nascente de Quarteira (praia do Trafal) e o parque de campismo — situado a 550 metros da orla costeira — representam a último reduto de mancha verde nesta zona centro do Algarve.
Na última reunião do executivo autárquico, numa sessão realizada em Quarteira na quarta-feira, a câmara aprovou por unanimidade o parecer sobre o EIA porque a área a lotear “incide unicamente sobre o solo urbano”. No entanto, o município entendeu impor outra cláusula de salvaguarda. A operação só terá lugar após a Orbitur construir um novo parque de campismo alternativo. Trata-se de retomar uma decisão que tinha já sido assumida pela autarquia em Fevereiro de 2009.
A empresa Orbitur, entretanto, comunicou à autarquia que “já desenvolveu esforço” na aquisição de terreno perto da Fonte Santa (mais afastado do mar) para construir um novo parque de campismo.
A associação ambientalista Almargem, por seu lado, refere que a assembleia municipal de Loulé, em 2011, “chegou a aprovar uma proposta de recomendação com o objectivo de classificar a Foz do Almargem como “área protegida de âmbito local, processo que nunca chegou a avançar”. Diversos projectos e ideias sugeridas pelos ambientalistas para defender a espaço natural, sublinha a associação, “foram pura e simplesmente ignorados ou, chegando nalguns a ser acolhidos, nunca obtiveram qualquer resultado positivo”.
O fundo de investimento imobiliário adquiriu direitos sobre 12,3 hectares, dos quais 2,6 hectares encontram-se na área adjacente à lagoa. Porém, o Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) não permite qualquer construção nessa faixa junto à zona húmida. Assim, o empreendimento Quinta do Oceano ficou-se pela ocupação de uma área com 9,7 hectares, onde pretende erguer um conjunto de edifícios, de dois a seis andares, incluindo um aparthotel, albergando na totalidade 1831 habitantes.
O dirigente da Almargem, João Santos, acha que o novo polo urbanístico “virá marcar muito negativamente toda a paisagem local, além de colocar em risco a preservação da natureza”. Por isso defende o chumbo do EIA, admitindo que tal não venha a acontecer “fruto da indiferença de sucessivos executivos municipais” que não promoveram a alteração do PDM nesta área.


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