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terça-feira, 26 de junho de 2018

A CIDADE - JOSÉ AFONSO

A CIDADE

A cidade é um chão de palavras pisadas
a palavra criança a palavra segredo.
A cidade é um céu de palavras paradas
a palavra distância e a palavra medo.
A cidade é um saco um pulmão que respira
pela palavra água pela palavra brisa
A cidade é um poro um corpo que transpira
pela palavra sangue pela palavra ira.
A cidade tem praças de palavras abertas
como estátuas mandadas apear.
A cidade tem ruas de palavras desertas
como jardins mandados arrancar.
A palavra sarcasmo é uma rosa rubra.
A palavra silêncio é uma rosa chá.
Não há céu de palavras que a cidade não cubra
não há rua de sons que a palavra não corra
à procura da sombra de uma luz que não há.

A CIDADE cantada por ZECA AFONSO

ORIGINAL É O POETA

Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutro pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse um abismo
e faz um filho ás palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever um sismo.
Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte faz
devorar um jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.
Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce á rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.
Original é o poeta
que chegar ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse uma mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.

ARY DOS SANTOS declamando “MUITOS HOMENS NA PRISÃO”

Zeca Afonso (1929-1987)



Algumas coisas estão tão coladas em mim que até me esqueço de divulgá-las, de espalhá-las… esses pequenos tesouros que temos sorte de tropeçar. Nem me lembro como conheci Zeca Afonso, acho que foi através de João Arruda, violeiro dos melhores aqui de Barão… Já vinha de antes, de sei lá que lugares do coração, essa paixão por Portugal (e Espanha). Conhecer o fado de Zeca foi abrir outras tantas portas e janelas de minha curiosidade sobre essa terra e povo (que se entrelaçam tão intimamente com nossa história e cultura.)
Oriundo do fado de Coimbra, Zeca Afonso foi uma figura central do movimento de renovação da música portuguesa na década de 1960. De caráter político ativo, Zeca ficou associado na memória portuguesa à Revolução dos Cravos, pois uma de suas composições, “Grândola, Vila Morena”, foi utilizada como senha pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) para começar a revolução em 25 de Abril de 1974.
Mas seu envolvimento político já vem de antes: professor em Moçambique, foi preso várias vezes por desenvolver intensa atividade anticolonialista. Em 1963, as canções políticas “Os Vampiros” e “Menino do Bairro Negro”, que integravam o disco Baladas de Coimbra, seriam proibidos pela Censura. “Os Vampiros” viria a tornar-se um dos símbolos de resistência antifascista da época. Entre 1967 e 1970, mantém contato com a LUAR (Liga Unitária de Ação Revolucionária) e o Partico Comunista Português (PCP) o que lhe custará várias detenções pela PIDE (polícia política de Portugal).
Em 1983, quando Zeca Afonso já se encontrava doente, foi-lhe atribuída a Ordem da Liberdade, que o cantor recusou solenemente.
Abaixo seguem algumas coisinhas que selecionei: 1. “Grândola, Vila Morena” com sua letra. 2. Um vídeo com Zeca falando sobre o que achava de sua música ter sido a senha da Revolução dos Cravos. 3. Depois uma canção de protesto de Zeca sobre o “Alípio de Freitas”, padre português que veio para o Brasil e se tornou militante revolucionário durante a ditadura militar, participando da AP (Ação Popular). Essa canção dialoga diretamente com a situação do Brasil da época, era uma canção de protesto, uma canção de alerta internacional sobre o que ocorria no Brasil. Alípio só soube dessa canção em 79, quando ela já tinha rodado o mundo. Alípio acredita que essa canção foi, em grande parte, responsável por sua libertação do cárcere. (Alípio acompanhou seu amigo Zeca Afonso até os ultimos dias no hospital.) 4. E por fim, “Cantigas do Maio”, cantiga que fala das idas e vindas dos amores, seus sofrimentos e alegrias, baseada em quadras populares portuguesas. Essa canção marca outra faceta muito importante de Zeca Afonso: o resgate/recriação da cultura popular portuguesa, algo como faz o Dércio Marques no Brasil. 5. E por fim, mesmo, um poema de Zeca… o Zeca poeta ficou um tanto apagado diante do Zeca cantor. Poema lindo, de final forte.

1. “GRÂNDOLA, VILA MORENA”

Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade
Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada esquina, um amigo
Em cada rosto, igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto, igualdade
O povo é quem mais ordena
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola, a tua vontade
Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade

2. ZECA AFONSO FALA SOBRE “GRÂNDOLA”

3. “ALÍPIO DE FREITAS”

4. “CANTIGAS DO MAIO”

5. DOS MUITOS FILHOS GRADOS

Dos muitos filhos grados
que tiveste
nem um se lembra
da velha casa térrea
onde concebeste sem pecado
e estragaste os teus dias
entre a corda da roupa
a cozinha e o homem
Amanhã sem aviso
apanhas um eléctrico*
mudas de roupa
acompanhas
o trajecto dos astros
De repente
é o arco-íris em volta
o guarda-freio** a volúpia
a rua o beiral
duma grande família
Não voltes
* eléctrico: bonde
** guarda-freio: funcionário dos bondes


www.eupassarinho.org

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