Eugénio Rosa
O que era necessário era inverter toda esta lógica de contratação a prazo: um trabalho permanente deve corresponder sempre, mas sempre, a um contrato permanente. Mas isso o governo não faz porque o patronato não quer, para assim continuar a explorar intensamente (sobre-exploração) mais de 855 mil trabalhadores com contratos precários, segundo dados do Eurostat.
A UGT e as confederações patronais assinaram na concertação social, com o governo, um acordo que, entre vários objetivos, inclui o de “combater a precariedade laboral”, a que pomposamente chamaram “Combater a precariedade e reduzir a segmentação laboral e promover um maior dinamismo da negociação coletiva”. Antes de analisar este acordo, a que os partidos da direita – PSD e CDS – manifestaram logo a sua disponibilidade para o aprovar na Assembleia da Republica, interessa analisar de uma forma muito concreta o problema da precariedade em Portugal, a sua dimensão e caraterísticas, pois só assim é que se poderá fazer uma avaliação correta das medidas constantes deste “acordo”, que tem logo como caraterística essencial a não participação da maior e mais representativa central dos trabalhadores portugueses, a CGTP-IN.
A precariedade em Portugal é muito superior à média europeia
O gráfico 1, construído com dados divulgados pelo Eurostat sobre a percentagem de assalariados com contratos precários em percentagem dos trabalhadores assalariados de cada país, dá bem uma ideia da dimensão da precariedade em Portugal, que é muito superior à média dos 28 países da União Europeia.
Gráfico 1
Em 2008, portanto no início da crise, o trabalhadores com contratos precários, em Portugal, representavam 29,8% dos trabalhadores por conta de outrem, enquanto a média na União Europeia era de 17,3%. Com a crise, os trabalhadores precários foram os primeiros a serem despedidos e, assim, em 2012, representavam já 19,3%. A partir desse ano verificou-se um brusco crescimento, tendo-se depois registado uma pequena descida, para, a partir de 2016, com o atual governo e com a animação da economia, se verificar de novo um acentuado crescimento, tento atingido, em 2017, 21,3%, quando a média nos países da União Europeia é de 14,7%. Atualmente, em Portugal mais de 21 trabalhadores assalariados em cada 100 tem contratos precários, quando a média nos países da União Europeia é inferior a 15 em cada 100 (+44,9% em Portugal).
A precariedade laboral atinge principalmente, em Portugal, os trabalhadores com um nível de escolaridade mais elevada
Contrariamente ao que se podia pensar, a precariedade laboral atinge mais os trabalhadores com o nível de escolaridade mais elevada, como revelam os dados do Eurostat (quadro 1).
Quadro 1- Trabalhadores com contrato a prazo em Portugal por níveis de escolaridade
Fonte: Eurostat
Como revelam os dados do Eurostat, entre 2008 e 2017, o número de trabalhadores assalariados com contratos temporários com o ensino básico diminuiu de 528 mil para 329,9 mil (-37,5%), enquanto o número de trabalhadores com contratos temporários com ensino secundário aumentou de 169,8 mil para 286,8 mil (+68,9%), e os com ensino superior com contratos temporários cresceu de 175,7 mil para 239,1 mil (+36,1%). Maior nível de escolaridade em Portugal é sinónimo de maior precariedade. Esta é a realidade nacional, e a razão para que muitos portugueses com maior qualificação continuem a abandonar o país na procura de trabalho e remunerações dignas que continuam a ser negadas no seu próprio país. E não vai ser com as declarações “bonitas” e “boas intenções” do primeiro ministro que esta realidade se altera.
A sobre-exploração do trabalho precário em Portugal
O quadro seguinte, construído com dados dos quadros de pessoal de 2016, divulgados pelo Ministério do Trabalho, mostra com clareza a sobre-exploração a que estão sujeitos os trabalhadores com contratos a prazo no nosso país.
Quadro 2 – Remuneração base e ganho médio por hora, em 2016, dos trabalhadores com contrato permanente e com contrato a prazo em Portugal
Como revelam os dados dos quadros de pessoal divulgados pelo Ministério do Trabalho, um trabalhador com contrato a prazo em Portugal ganha, em média, cerca de 30% menos do que um trabalhador com contrato por tempo indeterminado. Esta disparidade de salários e ganhos é tanto maior quanto maior é a qualificação dos trabalhadores. Por ex., em relação aos quadros superiores as diferenças nas remunerações base e no ganho médio são superiores a 40% (um trabalhador com contrato a prazo ganha em média menos 44,6% do que um trabalhador com contrato permanente). Também aqui as diferenças remuneratórias em relação a homens e mulheres são elevadas, pois tanto as remunerações base como o ganho médio são inferiores aos dos homens, e também o são entre mulheres com contratos a prazo e com contratos permanente (por ex. a nível de profissionais altamente qualificados, e contrariamente ao que sucede com os homens, as mulheres com contratos a prazo ganham menos 28,8% do que as mulheres com contratos permanentes). É todo um mundo de desigualdades que existe também em Portugal que é urgente alterar.
Perante esta realidade grave, a pergunta que naturalmente se coloca é a seguinte: O que é que este governo se propõe fazer? O que acordou com a UGT e com os patrões na Concertação Social?
O acordo de concertação social assinado entre a UGT, os patrões e o governo: um acordo que “muda alguma coisa” para manter no essencial tudo na mesma
Para que o próprio leitor possa avaliar as propostas do governo aceites pela UGT e pelos patrões, vamos transcrever as mais importantes. São elas:
- Reduzir a duração máxima dos contratos a prazo de 3 anos (duração atual) para 2 anos, incluindo renovações, e estabelecer que a duração máxima das renovações não pode exceder a do período inicial do contrato;
- Reduzir a duração dos contratos a termo incerto de 6 anos para 4 anos;
- Eliminar do Código de Trabalho a norma que permite contratar a prazo para trabalho permanente jovens a procura do 1º emprego, mas continuar a permitir para desempregados de longa duração;
- Permitir os contratos a prazo para trabalho permanente em empresas até 250 trabalhadores (atualmente é até 750 trabalhadores) criadas em novas atividades;
- Permitir contratos a prazo na atividade agrícola até 35 dias (atualmente é até 15 dias);
- Alargar o período experimental de 90 dias para 180 dias para a generalidades dos trabalhadores, em que a entidade patronal pode denunciar o contrato sem aviso prévio e sem invocação de justa causa, nem direito a indemnização;
- Acabar com o banco de horas individual e grupal com base em acordos individuais, mas permitir que sejam criados por contratação coletiva incluindo o banco de horas grupal;
- Introduzir um limite máximo de 6 renovações do contrato de trabalho temporário (atualmente não existe limites);
- Criar uma contribuição adicional para a Segurança Social, no máximo até 2%, a pagar pelas empresas apenas em relação aos trabalhadores contratados a prazo que excederem a média do setor (?).
No essencial, é evidente que nada muda, pois as entidades patronais poderão continuar a contratar a prazo da mesma forma que atualmente, pelos mesmos motivos, e utilizando os mesmos subterfúgios (por ex. despedindo o trabalhador quando chega o limite máximo de renovações; mandam-no para casa um mês, com a promessa de que, passado esse tempo, o contratam de novo a prazo, na mesma empresa ou noutra, como se fosse um novo contrato, ou inventado, como acontece nos “call center” , que cada campanha é um projeto novo e contratam o trabalhador a prazo para cada projeto com tempo limitado). Com a redução dos contratos a prazo de 3 para 2 anos, incluindo renovações, e mantendo-se tudo o resto como pretende o atual governo, o que vai acontecer é que a precariedade aumentará ainda mais para os trabalhadores com contratos a prazo porque o período de tempo em que têm um emprego, mesmo a prazo, diminuirá. Para os não integrar como trabalhadores permanentes, as entidades patronais procederão a despedimentos mais cedo. O que era necessário era inverter toda esta lógica de contratação a prazo: um trabalho permanente deve corresponder sempre, mas sempre, a um contrato permanente. Mas isso o governo não faz porque o patronato não quer, para assim continuar a explorar intensamente (sobre-exploração) mais de 855 mil trabalhadores com contratos precários, segundo dados do Eurostat. Tendo em conta que o ganho médio em Portugal, em 2017, foi de 1.148 €/trabalhador/mês, se fosse este o ganho dos trabalhadores com contrato a prazo isso correspondia a 14.227 milhões €/ano. Como aos trabalhadores com contratos a prazo pagam, em média, menos 30% do que aos com contratos permanentes, as entidades patronais poupam (sobre-lucro), só por isso, 4.268 milhões €/ano, à custa da sobre-exploração dos trabalhadores precários. É esta a realidade que urge alterar e que o acordo de concertação social UGT/patrões/governo não alterará.
Eugénio Rosa, edr2@netcabo.pt, 13-6-2018
Fonte: publicado em Sites/eugeniorosa.com/Documentos/2018/29-2018-precariedade-Portugal.pdf?ver=2018-06-13-222007-970, acedido em 2018/06/14
pelosocialismo.blogs.sapo.pt
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