Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Bernard Marx, Union européenne des marchés de capitaux: un nouveau champ de mines
Regards.fr, 10 Nov 2015
(conclusão)
E os vencedores são?
O facto de o plano não permitir uma unificação efectiva do mercado europeu de capital não quer dizer que impedirá a tendência ao dumping regulamentar e à concentração dos negócios nas praças financeiras “mais atractivas”, a começar pela City de Londres.
Do resto, este projecto é conduzido pelo Comissário britânico Lord Hill, antigo lobista da City. Embora não participe na União bancária europeia, o Reino Unido contaria participar na União dos mercados de capital e obter as vantagens daí resultantes para a City.
“O Reino Unido será um dos principais beneficiários do plano da Comissão europeia para a união dos mercados de capital”, sublinha William Wright, fundador de um think tank dedicado à promoção dos mercados de capitais europeus. “Politicamente, acrescenta, a união dos mercados de capital – a peça soberana do Comissário britânico Lord Hill – mostra como o Reino Unido pode influenciar as políticas em Bruxelas de acordo com o seu interesse económico nacional. E, de forma velada, sugere a vontade aparente da União Europeia de satisfazer as pretensões britânicas sobre às questões mais sensíveis das suas relações com o resto da Europa.” Resumidamente, na sua configuração actual, a União dos mercados de capital aparece muito como sendo um presente feito ao governo Cameron na perspectiva do referendo britânico sobre a manutenção do Reino Unido na União Europeia. Quanto aos efeitos deletérios sobre as regulamentações é suficiente ver como reagem as autoridades francesas. O lobby bancário e dos seguros disse: sim à União dos mercados de capital e sim à plena participação dos bancos franceses. E para isso é necessário defender o modelo de banco universal e enterrar o projecto europeu de separação entre banco de retalho e banco de investimento, mais restritivo que a lei francesa de 2013. E é necessário renunciar ao projecto de taxas sobre as transacções financeiras de onze países. “Onze países em vinte e oito. Se se conseguir, aumentará a fragmentação dos mercados e incitará a uma arbitragem entre praças financeiras. Penalizará as condições de financiamento das empresas francesas e fragilizará a praça financeira de Paris.” Paralelamente, banqueiros e seguradoras reclamam a redução das exigências de fundos próprios no que diz respeito aos investimentos nas infra-estruturas e nos produtos de titularização. Mensagem recebida cinco sobre cinco pelo governo que fez deste último ponto a prioridade francesa no âmbito do plano.Titularização, o regresso
O objectivo de fazer evoluir o modelo de financiamento europeu para um modelo “à anglo-saxónica”, ou seja um sistema dominado mais pelos mercados do que pela intermediação de crédito, não data de hoje. “ Desde 2007, recorda Jean-Paul Pollin, professor de Economia na universidade de Orléans, o BCE pretendia que a integração e a eficiência dos sistemas financeiros europeus seriam favorecidas por um desenvolvimento dos mercados de capitais. ” A questão é retomada hoje em nome do argumento segundo o qual o regulamento bancário de acordo com crise teria sido sobrecarregado com pesadas exigências de capital dos bancos a um ponto tal que impediria o desenvolvimento dos créditos a custo razoável para os mutuários. Com efeito trata-se essencialmente das PME e das empresas de dimensão intermédia (ETI), porque a desintermediação do financiamento das grandes empresas já é realizado desde há muito tempo. Dois mecanismos seriam visados: o financiamento directo sobre os mercados e a titularização dos créditos concedidos pelos bancos.A ideia de um relançamento da titularização é perigosa, sublinha Jean-Paul Pollin, porque o fenómeno foi um dos ingredientes essenciais da crise de 2007/2008. Poder‑se‑ia , certamente, na sua opinião, proteger este tipo de produto. Mas isso necessitaria designadamente, uma acção resoluta de regulamentação e de enquadramento do shadow banking o que está fora de questão. .
Mas também é dito por este economista, uma ideia absurda porque o mercado dos créditos às PME titularizados é praticamente inexistente. “Mesmo nos EUA, o país do modelo sonhado, a titularização dos empréstimos às PME é pequena e apoiada por garantias públicas”, explicam os economistas Daniela Gabor e Jakob Vestergaard, da rede Critical finance. Na Europa, a experiência da Alemanha que recentemente tentou ajudar a emitir obrigações PME é negativa. Resultou uma vaga de incumprimentos e de falências. “O objetivo da política pública, concluem eles, não deve ser a de reduzir a dependência das PME no que diz respeito aos empréstimos bancários, mas a de construir relações bancárias viáveis.” “A melhor maneira de facilitar o financiamento dos PME-ETI é sem dúvida restaurar a solidez do sistema bancário, sublinha, no mesmo sentido, Jean-Paul Pollin. Se for necessário ir além para melhorar o acesso aos créditos de certas empresas, é então possível utilizar circuitos privilegiados, favorecer o refinanciamento destes créditos junto do Banco central ou ainda atribuir-lhes garantias públicas. Mas, conclui, não se vê como é que a titularização pode acrescentar alguma coisa neste domínio”.Além disso, o financiamento em fundos próprios de empresas nascentes ou em desenvolvimento como o do financiamento das infra-estruturas implicam problemas muito importantes. O primeiro tem pouco a ver com os bancos, e o segundo apela sobretudo mais a uma reactivação das capacidades de investimentos públicos do que às parcerias público-privadas desequilibradas ou às privatizações depredadoras.
Resumidamente, com a União dos mercados de capitais, é um novo campo de batalha particularmente minado que a ser aberto.
Bernard Marx, sítio Regards.fr, Union européenne des marchés de capitaux : un nouveau champ de mines. Texto disponível em:
http://www.regards.fr/economie/les-economistes-ne-sont-pas-tous/article/union-europeenne-des-marches-dehttp://aviagemdosargonautas.net