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quarta-feira, 18 de novembro de 2015

A rede social do medo


Homenagem às vítimas dos atentados desta sexta-feira. Fotografia: Christian Hartmann/Reuters
Homenagem às vítimas dos atentados desta sexta-feira. 

Muitos americanos juram a pés juntos que a Europa está infestada de muçulmanos radicalizados

A viagem para Lisboa estava marcada esta semana, mas após os ataques terroristas em Paris na sexta-feira passada a minha cunhada cancelou tudo. Tem receio de ir à Europa; ela, tal como muitos americanos com quem tenho conversado, juram a pés juntos que o nosso continente está infestado de muçulmanos radicalizados. Que a iminência de um ataque é real todos os dias, em qualquer canto. E que há cidades inteiras na Europa onde reina a Lei da Sharia, determinada pelo Corão e não pelas leis dos países, onde a polícia tem medo de entrar. Pelo menos, é o que vêem no Facebook.
Com todos os vídeos do apocalipse que circulam pelos murais, dizendo (erroneamente) que em países como a Bélgica 50% de todos os bebés que nascem são muçulmanos, é uma tarefa cada vez mais difícil explicar-lhes que não. Com os avisos inflamados de que esta onda de refugiados vai acabar com a civilização europeia, é complicado tentar fazer ver que as centenas de milhares que fogem do horror no Médio Oriente não vão liquidar a União Europeia, onde vivem 503 milhões de pessoas, a terceira maior população do mundo a seguir à China e Índia.
Acresce que esta reacção visceral – o medo de viajar, a recusa dos refugiados, o apelo à discriminação dos muçulmanos – é precisamente o objectivo do Estado Islâmico, que estamos a cumprir sem querer. A estratégia de radicalização à distância via redes sociais teve um sucesso ímpar no ano passado e duplicou em 2015. Entrar na onda do medo e da islamofobia é cair na armadilha dos terroristas.
Primeiro, mostra quão frágeis podem ser os nossos pilares de democracia e liberdade: perante o terror, fechem-se as fronteiras, destruam-se mesquitas, suspendam-se as liberdades civis, ponham-se detectores de metais à porta dos restaurantes. Segundo, a disseminação da mensagem anti-Islão em blogues e redes sociais, especialmente Facebook e Twitter, fornece ao Estado Islâmico uma “prova” daquilo que eles vêm dizendo para justificar o combate aos infiéis: há “uma guerra contra o Islão”, escreverão em fóruns e mensagens privadas, acicatando os potenciais novos recrutas. “Vejam como eles nos querem destruir”, dirão nos vídeos onde apelarão à tomada de armas contra esta cruzada anti-mouros dos tempos modernos.
À utilização inteligente das redes sociais para a sua propaganda, aquilo a que já chamaram a “Hollywood do terror”, temos de responder de forma mais inteligente a partir de agora. Como meios de comunicação social, cabe-nos filtrar a mensagem de horror do Estado Islâmico – ainda que isso constitua uma recusa de publicar na íntegra os comunicados onde proclamam a vitória e fazem ameaças, e principalmente os vídeos das atrocidades. É mesmo preciso fechar esta torneira de publicidade que a nós horroriza, mas aos potenciais aliados inspira.
Da mesma forma, evitar espalhar o medo e o ódio nas redes sociais tomando todos os muçulmanos por terroristas. Vários Estados norte-americanos já disseram que não querem aceitar refugiados sírios por causa dos ataques em Paris, como se isso resolvesse o maior problema do terrorismo islâmico – os radicais domésticos, que nasceram nos próprios países que atacam, e consumidores dessas mensagens. Mas o apoio dado à Arábia Saudita, inquestionavelmente uma das maiores fontes de financiamento do terrorismo islâmico, fica debaixo do tapete, não é?
A seguir aos ataques, li um tweet que dizia algo do género “De repente descobri que tenho dezenas de especialistas em terrorismo no meu feed.” É, andamos aqui todos a opinar como se tivéssemos a chave para a solução de um problema tão complexo quanto o choque civilizacional. Mas há que começar por algum lado, e como comunidade temos a responsabilidade de nos informar com melhores fontes que uns vídeos editados para chocar no Facebook e artigos com números duvidosos, onde se diz que Barack Obama é secretamente muçulmano e planeia destruir o Ocidente.
Não haverá muros suficientes que eliminem esta ameaça, porque ela não chega de barco, nasce do lado de dentro como erva daninha. Não haverá bombas suficientes para dissolver o Estado Islâmico – mesmo que Raqqa desaparecesse do mapa, o Califado permaneceria. Porque não é com balas que se destroem ideologias. Nem de um lado, nem do outro.


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