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sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Cães de Guerra na Segunda Guerra Mundial

Cães de Guerra

  
Gene Long durante a celebração de um dia dos veteranos
 
As memórias de Gene Long, treinador de um pelotão de batedores caninos, sobre seu companheiro e missões durante a guerra : 

Estava de volta ao Pacífico sul, quando Bill Barker, um de meus parceiros batedores, e eu fomos designados para a linha de frente. Na primeira noite tivemos que cavar nossos "foxholes" para nos protegermos dos bombardeios. Naquela noite de setembro, os japoneses estavam bombardeando nossas posições com granadas de morteiros, enquanto nossa companhia de morteiros de campanha fazia o possível para responder o fogo durante toda a noite. Eu estava tão assustado que me encolhi e rezei.

Na manhã seguinte, o coronel chamou os cães batedores a fim de tentar descobrir onde se escondiam os japoneses. Fomos enviados em uma patrulha de combate, onde eu e Bill éramos a vanguarda. Chegamos então a uma península na trilha Nau mu Nau ma. O tenente decidiu que deveríamos nos separar, para ampliar a área de busca, e disse a Bill que havia um ninho de metralhadora sobre a montanha, aproximadamente a meia milha do sopé. “Pegue um homem e veja se seus cães conseguem localizar a posição”, e continuou, “Long, você assume a patrulha principal de vinte homens e começa a vasculhar pela península”. Barker disse ao tenente que seu cão estava doente: ele sabia que eu já fora ferido em uma ação similar. Bill insistiu que temia que seu cão não pudesse subir a montanha... Eu o disse que na patrulha anterior eu tinha sido o responsável e que agora era sua vez. O tenente ouviu o que Bill dizia e mudou os planos. Esta alteração fez-me ter que subir a montanha para tentar localizar o ninho de metralhadora. O sargento responsável disse para que quando chegássemos (eu e meu cachorro) ao topo ou tivéssemos qualquer contato com o inimigo, entrássemos em contato pelos "walky-talkies" reportando-nos.
Marines e seus cães de guerra

Quanto mais perto nos aproximávamos do topo, mais acreditávamos que os inimigos se haviam retirado. Contatamos a patrulha lá embaixo. O sargento nos mandou procurar e observar se havia algum movimento antes de continuar nosso avanço pelo rio e em torno da península. Desci uns 750 pés da montanha, mantendo-me em contato com a patrulha, enquanto principiava a chover (o que prejudicava muito nossa visão). Esperamos durante duas horas. O sargento contatou-me novamente pelo rádio e ordenou-me verificar se tudo estava limpo, ao que respondi dando-lhe um "OK" para prosseguir pelo rio. De longe vejo Bill na vanguarda, com Garcia logo atrás. Eles haviam acabado de fazer a curva do sopé da montanha quando observei o cachorro de Bill fazer o sinal de que havia alguma coisa nas proximidades. Assim que os homens começaram a cruzar o rio o inferno caiu sobre eles. Os japoneses os haviam emboscado. Bill e Garcia foram mortos na primeira rajada. O cachorro de Bill foi ferido e correu desesperadamente para a curva. Os homens mergulharam no rio tentando se salvar. Eu me vi morrendo e sendo despedaçado pelo fogo das metralhadoras. A mudança na ordem da patrulha, com Bill, salvara minha vida.

Mais tarde, eu e meu parceiro voltamos pela montanha, de volta à posição original. Os japoneses nos haviam arrasado. Somente depois de escurecer conseguimos reforços e cavamos nossas trincheiras. Abríamos fogo em qualquer coisa que víssemos naquela direção. O rio começara a transbordar de seu leito e isto nos forçou a retroceder. Encontrei "Tuffy", o cachorro de Bill, alguns metros abaixo. Ele fora atingido no focinho. Mediquei-o e o levei de volta ao acampamento onde os outros treinadores já sabiam que um dos homens fora morto. Ao chegar ao acampamento, todos os meus homens estavam esperando impacientes e correram para mim chorando e me abraçando. Eu nunca esquecerei este momento enquanto viver. Era isso que significa a insígnia que usávamos - Veteranos: amor fraternal até o dia de nossa morte.

Mais tarde em minha vida, fui internado em um hospital psiquiátrico, pois não conseguia me eximir da culpa de que minha decisão havia causado a morte de Bill e Garcia. Tentei esquecer esse fato, mas ele me persegue sempre quando vejo nossa insígnia e lembro como rezamos pela vida naquele dia. Ela sempre me traz de volta memórias desagradáveis. Eu só tinha dezenove anos. Amém.

Nossos cães, 1944

Quando deixamos Frisco a bordo do USS John Isacson, os cães tinham celas especiais. Tínhamos pequenas caixas que deveríamos utilizar para que os animais se aliviassem. Os cães estavam no auge da sua forma antes de embarcarmos, pois os comandantes haviam nos dito o que esperar quando chegássemos ao nosso destino.

No navio, os cachorros deviam ser retirados das jaulas e exercitados no fundo da embarcação. Os cachorros de ataque tinham que ser agitados constantemente para mantê-los treinados. Tudo que fazíamos a bordo do navio, a respeito dos animais, era altamente confidencial. Cada homem só podia cuidar de seu próprio cão. Nenhum outro soldado, aparte os treinadores, era permitido na área do canil. Aos cachorros era dado do bom e do melhor. Seu bem estar era muito importante.

Doberman de guarda enquanto o fuzileiro dorme no abrigo, que os donos chamavam de "foxhole" .

Quando chegamos a nosso destino, Guadalcanal, os cães estavam muito agitados por ver novamente uma árvore depois de 32 dias no mar. Éramos o 25º Pelotão de Cães de Combate e nossa unidade consistia de 27 homens e 30 cachorros. Fomos primeiramente anexados à 298ª Companhia Filipina e Havaiana. Nossa tarefa principal era expulsar os japoneses desgarrados da floresta. Cada homem tinha que ficar ao lado de seu cão o tempo todo. Quando estávamos na linha de frente, tínhamos que cavar abrigos grandes o suficiente para nós e os cães. Essa era uma tarefa complicada para mim, pois meu cão, Bim, era um Pastor Alemão de 55 Kg. Tínhamos que alimentar e dar água para os animais dentro dos "foxholes" e os amarrávamos aos nossos braços na hora de dormir.

Eles foram ensinados a não latir, não obstante, estavam sempre alerta. Quando a nossa ração escasseava, os cachorros deveriam comer dia sim, dia não; mas eu, amando os cães como amava, sempre dividia qualquer naco de comida que possuísse com meu amigo canino. Quando saíamos em patrulha, eu tinha que carregar a comida dele e a minha própria nas costas; quando estávamos na selva, caso ele se cortasse, tínhamos que fazer um curativo, pois do contrário, fungos poderiam infectá-lo, causando doenças e podendo até mesmo matá-lo. Suas orelhas eram outro ponto que necessitava de muita atenção, pois as moscas ali pousavam e as mordiscavam, éramos, portanto, obrigados a sempre colocar repelentes nelas. Na verdade nós mesmos tínhamos que nos impregnar de repelente para evitar as mordidas dos milhões de insetos que habitam as selvas do Pacífico.

 Foto 1: Treinamento de um cão de ataque.    /      Foto 2: Descendo o cachorro para o bote.


Campo de Lejeume, treinamento de desembarque, 1943.


Fuzileiro e um cão de guerra da raça Doberman na ilha de  Saipan, 1944.

Depois de dois meses em Guadalcanal, fomos enviados para Bougainville, também nas ilhas Salomão, sendo anexados à 37ª Divisão de Infantaria. A ilha de Bougainville possui vários vulcões, que provocam horríveis terremotos muito freqüentemente. O primeiro que presenciei, assustou-me de morte. Nossa primeira baixa desde a chegada a este novo setor foi a de dois dos melhores cães mensageiros. Durante um dos tremores, uma árvore caiu sobre o canil e feriu vários animais, matando os dois. Ainda guardo fotos dos animais que morreram neste dia.

Quando íamos para a trilha Nau Mau Nau Mau, onde as linhas de frente se localizavam, éramos transportados pelos caminhões do exército. Os cães eram treinados para não brigarem com os outros cachorros e não morder as tropas amigas, porém a ninguém, exceto o seu próprio treinador, era permitido acariciá-los. Os cães eram ensinados a somente atacar quando estivessem com suas coleiras especiais, que colocávamos neles somente quando chegavam nas linhas de frente. Os cachorros trabalhavam mais nas tarefas de guarda de abrigos e patrulha noturna, onde tinham grande vantagem devido aos seus sentidos apurados e por estarem sempre alerta. Cada movimento ou cheiro diferente representava o inimigo.

Nessas incursões pela linha de frente os cães perdiam muito peso. Da mesma forma que a comida dos treinadores era escassa, também era a deles. Uma das coisas mais importantes a fazer era manter o focinho dos nossos companheiros úmido. Para tanto, colocávamos alguns goles de água de nossos cantis no capacete e os dávamos de beber. Conforme o tempo passava nas linhas de frente, os animais se tornavam mais irritadiços devido ao calor sufocante, insetos e a falta de comida e água, mas ainda assim conseguiam se manter alerta e pacientes. Fazer com que os cachorros se aliviassem era outro problema que enfrentávamos, pois tínhamos que montar escalas a fim de não atrair a atenção do inimigo e manter a guarda.

Quando nós voltamos das linhas de frente, lhes dávamos grandes recompensas: carne de cavalo, bastante liberdade, e os deixávamos nadar no oceano. A água salgada era boa para os cortes e contusões. O cachorro, uma vez que tira a coleira de trabalho, torna-se novamente dócil e controlado. Nós deixávamos vários correrem juntos e brincarem de brigar. Nós os protegíamos com nossas vidas, da mesma forma que eles faziam conosco.

Marines e seus cães em Guam.

Na retaguarda, os cachorros eram sempre re-treinados. Eles tinham que ser capazes de rastejar próximo ao treinador e ainda assim se manter sob comando: ficar em silêncio, atacar quando ordenado ou quando alguém tenta chegar perto de você. Os cachorros mensageiros faziam um excelente trabalho. Eles eram ensinados a cheirar um trapo que contivesse óleo de linhaça - o treinador sempre levava este trapo quando saía em patrulha - e um colarinho especial era colocado, para que ele pudesse carregar uma mensagem. Quando saíam em patrulha, se fôssemos emboscados, era dita a palavra: "relatório" (N.T.: "report") para o cão. Ele, então, seguiria o cheiro de linhaça pelo caminho percorrido, até o local do acampamento. Eu vira vários desses cães mensageiros com as patas sangrando e hemorragias no rabo, feitas nas videiras afiadas e pedras.
Ao cumprir sua tarefa, todo cachorro era recompensado com um pedaço de carne e um elogio. Elogio é outra coisa muito importante em treinamento de animais. O treinamento básico para cães mensageiros consistia em correr em um caminho de um lado para outro. Treinadores estavam em cada extremo. Durante as corridas de uma ponta a outra do percurso, eles eram agitados e os treinadores tentavam persuadi-lo a abandonar a tarefa. Quando finalmente completavam o percurso por várias vezes, os treinadores os consideravam aptos. Alguns eram treinados a carregar um pombo, para o mesmo propósito de levar mensagens. O treinamento desses animais requer um bocado de paciência. Depois de uma corrida de teste nas montanhas de San Carlos, Califórnia, eles eram avaliados tanto em velocidade como resistência, estando então prontos para o combate.

Patrulha, 1944

Estávamos em Bougainville, ilhas Salomão. Bim, meu fiel cão batedor, e eu fomos convocados para ir à vanguarda da 37ª Divisão de Infantaria. Devíamos encontrar a tropa em certo local antes de avançar para a linha de frente. Fomos deixados próximos a um rio, onde o sargento ordenou que aguardássemos, pois eles chegariam a qualquer momento. Já se passara uma hora e ninguém se aproximava, portanto decidimos a seguir para o norte, subindo uma montanha. Logo estávamos perdidos em território inimigo, acredito que andáramos cinco ou seis milhas. Subitamente Bim ficou em alerta e eu me joguei no chão, achando que poderiam ser soldados japoneses se aproximando. Ouvi um chamado de "Isqueiro" (N.T.: "Lighter") e então silêncio. Por sorte, sabia a senha, se tratava de nossas tropas. Gritei rapidamente "fluído de isqueiro" (N.T.: "lighter fluid"), a contra-senha, caso contrário poderia ser atacado. Eles especulavam o que acontecera comigo, mandando então uma patrulha para me procurar, "graças a Deus".

No dia seguinte, fomos enviados em patrulha por uma trilha próximo ao Rio Torakina. Foi-nos dito que havia um ninho de metralhadoras nas imediações. Andamos por quatro milhas em torno da montanha sem nenhum contato com o inimigo. Meu segundo batedor, um australiano, pediu que esperássemos um tempo por ali até que o restante dos homens nos alcançassem. De repente, Bim levantou as orelhas em postura de alerta, mas eu não ouvia qualquer ruído. Eu disse a Brown, o australiano, que daria uma olhada e segui uns 30 metros a frente. Neste momento Bim postou-se em posição de alerta total. Lá em cima vi um japonês alto perscrutando a montanha na minha direção. Deitei-me o mais discretamente possível. Se não fosse por Bim, todos teríamos sido mortos. Comecei a rastejar lentamente para trás, sabia que havia alguém ali. Foi quando começaram a atirar na minha direção. Eu e Bim nos colamos ao solo, as balas passavam zunindo sobre nossas cabeças. O australiano gritou para que eu corresse em direção a ele, pois ele me manteria coberto. Bim e eu corremos como loucos, zigue-zagueando, conforme aprendera no futebol (N.T.: futebol americano, "football"). Brown mantinha fogo contínuo e todos os outros soldados (que já haviam se aproximado o suficiente de nós) começaram a disparar suas armas enquanto eu corria para salvar minha pele.

Um dos nativos que carregava nossos suprimentos largou uma grande caixa e, correndo, não a vi. Tropecei nela com muita força e quase quebrei a perna. Pensei que havia sido atingido e que não podia me mexer. Bim deitou-se ao meu lado e eu o agradecia por não me deixar sozinho lá.
 Fuzileiros câes de guerra em  Bougainville.

Enquanto isso, granadas de morteiro de nossa patrulha destruíam o ninho de metralhadora. Quando os soldados chegaram ao topo da montanha, havia corpos japoneses espalhados por todos os lados. Nenhum de nossos homens foi morto, somente uns três ou quatro se feriram.

Fui levado para a planície nas costas de um dos nativos. Bati tão forte na caixa que não consegui andar. Meus joelhos estavam em carne viva e, olhando para Bim, notei que ele havia cortado as patas e também sangrava. Rasguei parte de minha camisa e limpei suas patas com a água de meu cantil, colocando, a seguir, iodo nos machucados. Ele era mais forte do que eu e continuou caminhando ao meu lado, mancando levemente.

Mais tarde, ao chegar em nossa área de acampamento, os médicos tomaram conta das minhas pernas, no entanto, fiquei sem poder andar por alguns dias. Os veterinários também cuidaram das feridas de Bim.

Todos os homens da patrulha vieram até nós agradecer e dizer que Bim era seu herói. Todos vieram afagá-lo por salvá-los de uma emboscada certa.


O herói sem condecorações

Depois que eu e meu cão, Bim, nos recuperamos dos ferimentos nos pés/patas e pernas, fomos mandados de volta para fazer guarda em um entreposto da infantaria.

Eu sempre tinha que cavar um abrigo para mim e Bim, mas a parte mais difícil era convencer Bim a fazer suas necessidades do lado de fora de nosso "foxhole". Eu o colocava em um dos lados enquanto ele se esforçava por "se aliviar". Lembrem-se também que na linha de frente, nem os combatentes humanos possuem banheiros.

Era muito desagradável quando os ratos tentavam entrar em nossa trincheira se havia qualquer sinal de comida. As moscas estavam sempre voando em torno dos olhos dos cães. Os mosquitos se banqueteavam em nossa pele o dia inteiro, até o dia em que peguei malária. Não conseguia levantar de meu buraco, chorava e ardia em febre. Bim sempre estava ao meu lado, tentando me confortar e protegendo-me.
Depois do que me pareceu uma eternidade, um dos médicos carregou-me até uma cratera, onde cuidavam dos feridos. Fui então levado, de maca, em um caminhão, ao hospital do setor. Bim foi levado ao canil da companhia. Por dias estive internado com disenteria, perdendo muito peso (cheguei a 54 quilos). Um outro treinador assumiu a "tutela" de Bim. Meus dias de batedor estavam terminados.


Lápide do cemitério dos fuzileiros caninos da 2ª Guerra

Mais tarde, o 25º foi enviado às Filipinas, onde desempenhei o papel de guarda - sem o cachorro - quando a febre voltou. Fui mandando para um hospital militar na Nova Guiné e estava prestes a voltar para casa quando me trouxeram Bim para se despedir. Eu caí de joelhos, beijando-o no focinho e chorando. Mas que despedida final dolorosa foi aquela. Quando subi no caminhão, ele começou a latir e tentava vir atrás de mim; nunca, enquanto viver, me esquecerei do seu olhar de "não me abandone".

Anos mais tarde eu soube que ele lograra voltar aos Estados Unidos, onde falecera. Estou certo de que se há um paraíso para os cães, Bim estará lá. Agora posso descansar em paz. Tenho 70 anos e sempre quis escrever sobre esses verdadeiros heróis que foram os cachorros marines.

Por Gene Long 

avidanofront.blogspot.pt

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