António Capucho provou o fel depois de conhecer o sabor do mel do PSD
Este grão de areia no sapato do actual PSD, que é neoliberal e elitista, veio sinalizar à sociedade aquilo que ela já sabia de forma velada mas ainda não estava devidamente explicitado: este PSD não tolera a diferença e convive mal com quem não lhe é obediente.
Este pequeno conflito no seio do PSD coloca, contudo, uma reflexão maior, apesar de se saber que só devem estar nos partidos aqueles que não intentam contra eles, como fez Capucho ao candidatar-se numa lista independente à AM de Sintra.
Por outro lado, e olhando para fora do umbigo dos partidos e da estrita relação de obediência militante-partido, a expulsão (previsível) de Capucho veio recolocar a ideia de discussão na democracia interna aos partidos - que só muito raramente fazem coincidir a paridade entre a igualdade socioeconómica dos militantes mais fiéis e o valor político dos cidadãos-militantes mais autónomos, como era Capucho no seio do PSD.
E a prática confirma que há, de facto, uma enorme discrepância entre aqueles que praticam cegamente a disciplina partidária e aqueles que, a cada momento, pretendem reservar para si a liberdade individual que lhes permite tomar as decisões políticas pessoais, mesmo que elas afrontem o partido a que pertencem. Foi o caso com Capucho, razão pela qual já não fazia sentido a sua permanência no PSD. Aliás, o próprio afirmou que havia suspendido a sua militância no partido, o que já prefigurava a sua saída, quer pelo seu pé, quer empurrado - como acabou por acontecer.
Todavia, na raiz de tudo isto estão, porventura, as expectativas que ex-autarcas (Cascais), ex-conselheiros de Estado, ex-eurodeputados, ex-ministros, entre outras altas funções de Estado - esperam do seu próprio partido quando este chega ao poder.
O que sabemos é que quando o PSD de Coelho chegou ao poder em 2011, nada tinha para oferecer a Capucho, e foi, seguramente, este vazio que afastou ainda mais as partes duma possível convergência. Quando Capucho se defrontou com a realidade que o partido tinha para lhe dar, ou seja, uma "mão cheia de nada" (ainda numa idade activa) - Capucho desatou a farpear a liderança do PSD e os seus apaniguados. Capucho denunciou publicamente a impreparação e a incompetência manifestas do actual PSD, nas suas erradas políticas públicas públicas e na forma subserviente como se tem relacionado com a troika no âmbito da aplicação do memo que, importa referir, tem sido aplicado à outrance pelo XIX Governo (in)Constitucional - nada tem já a ver com o documento assinado pelo Governo de Sócrates que foi obrigado a meter a troika em Portugal, na sequência do chumbo do PECIV.
Capucho, mais do que um guardador de segredos de um partido cujo líder não estava preparado para governar, tornou-se num revelador de erros, insuficiências e incompetência. Perante isto, mais até do que a sua inserção numa lista de independentes em Sintra por ocasião das últimas eleições autárquicas, Passos coelho (e a sua nomenklatura) jamais perdoariam a Capucho a sua expulsão, ela era mesmo imperativa para dar o exemplo e, assim, dissuadir casos futuros similares que desafiassem a ordem ee hierarquia no partido.
Admito ainda que Capucho tenha pensado que a erosão do XIX Governo (in)Constitucional fosse mais rápida e intensa. Nesse caso, a acção de desgaste interno feito pelas denúncias públicas e críticas sucessivas de Capucho funcionariam como o catalizador ideal para antecipar a queda do Governo assente numa coligação do centro-direita que é contra-natura e tem empobrecido Portugal e os portugueses. Em tese, Capucho estaria a pensar bem mas, na prática, a teoria é outra. E foi.
O que Capucho não conseguiu antecipar, assim como muitos outros portugueses, até na liderança do PS, foi o comportamento colaborante (ou colaboracionista!) de Cavaco com o Governo de Passos e Portas. Cavaco desenvolveu uma rede de acções e de omissões que favoreceram mais a manutenção do governo do que a sua destituição.
Ou seja, Cavaco nunca se importou que da sua acção resultasse um afastamento do povo a quem jurou a Constituição, desde que isso lhe garantisse uma coisa: terminar o seu último mandato com alguma dignidade, e tem sido em nome dessa vaidade pessoal e de carreira que Cavaco tem andado com o governo de centro-direita ao colo, e, de caminho, tem frustrado tentativas de destituição do governo e da maioria que o suporta na AR - frustrando, assim, os interesses legítimos e as normais expectativas de 10 milhões de portugueses que já não toleram mais este saque fiscal, o confisco e o esbulho que - em nome da austeridade - Passos Coelho e Portas declararam aos portugueses.
A esta luz impõem-se dizer uma última coisa: talvez nunca como hoje a vida da Europa e a subserviência de Portugal à Alemanha - interferiu tanto na vida interna dos partidos bem como da reacção adversa que certos militantes desenvolveram em relação a eles.
Mesmo que não vingue a tese de Capucho, que procurou diluir a força interna das oligarquias partidárias que afastam os partidos dos militantes e simpatizantes, ficou claro o sinal de afrontamento de que, por vezes, os filhos revelam a vontade de "matar os pais" para recriar o sistema de poder e de comando partidário.
O fracasso da intenção de Capucho não significa que, a médio prazo, não possa arrecadar vantagens por ter feito essa cruzada.
macroscopio.blogspot.pt
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