O fim da Escola Pública coincide com o fim da Democracia
Quantos filhos de ministros, secretários de Estado, assessores, políticos, deputados, frequentam a Escola Pública? Alguém fez este estudo?
Como podem estas Ex.cias ser isentas no que se está a passar na Escola Pública, desde o anterior governo socialista e a ministra Maria de Lurdes Rodrigues, até ao actual governo híbrido e o ministro Crato?
A quem serve o caminho seguido por estes governos mais recentes de destruição sistemática e maciça da Escola Pública?
A que negócios? A que agenda? Querem V. Ex.cias que o contribuinte-pai de alunos da Escola Pública lhes financie a educação dos seus filhos em colégios particulares?
Esta destruição camuflada de interesse público, de poupança e de eficiência de gestão, tem um preconceito de classe: há a educação de elite e a educação popular. Mas também revela uma outra distinção: só uns poucos terão acesso a luxos como a música, a arte e o desporto, áreas fundamentais de uma educação equilibrada. E a intenção mais perniciosa: voltaremos à literacia salazarenta da programação das massas para o conformismo. É que a educação de qualidade permite aprender a observar, a pensar, a reflectir, a decidir, a agir. Assim como prepara para uma vida activa, para a autonomia.
A Escola Pública simboliza a Democracia, o acesso tendencialmente universal a uma educação de qualidade, coloca todos os alunos numa plataforma igualitária. A sua destruição implica uma derrocada, pelos alicerces, de uma organização política que se dizia democrática.
Estas Ex.cias esquecem o século em que vivemos e querem forçar-nos a voltar ao séc. XIX. Se as viagens no tempo se pudessem mesmo efectuar, que maravilha seria teletransportá-los para esse mundo ideal com que sonham...
É por isso que cada vez mais me convenço que nem uma República chegámos a ser verdadeiramente, só nos faltou o Rei e a Família Real. Isto foi sempre uma monarquia de barõezinhos a gravitar nos Paços do poder.
Por uns tempos aproximámo-nos de uma sociedade evoluída em termos de uma cultura aberta e universal, a Escola Pública formou bons profissionais que se afirmaram pela qualidade do seu trabalho. A sua formação era mais abrangente com incidência na Filosofia (agora esquecida), no Latim (agora mais do que morto), nas Humanidades que se querem menorizar. Um médico adquiria mais mundo do que o mundo da medicina. E o mesmo para outros cursos universitários.
Mas hoje já saltámos um século para trás e vamos completamente ao contrário. Qualquer dia as crianças vão soletrar as dinastias, a tabuada, as quadras populares, a redacção da vaca. Programadas por professores dependentes da aprovação do director da escola, numa actividade descaracterizada e multifuncional, e numa precariedade existencial.
A vida e o ânimo vão-se esvaindo com esta total ausência de respeito pela essência da actividade profissional que é a pedagógica, a formativa, a que permite e promove as condições favoráveis para, não apenas os alunos adquiririrem conhecimentos, técnicas e competências, mas também as ferramentas para criarem a partir desses conhecimentos, técnicas e competências. No fundo, preparar os alunos para uma participação activa e gratificante na comunidade.
Uma democracia não sobrevive sem uma educação de qualidade tendencialmente universal. Já se percebeu que essa não é uma prioridade para o governo actual. Mas se é esse o caminho que V. Ex.cias escolheram seguir, não imponham ao contribuinte-pai de alunos na Escola Pública que financie a educação particular dos vossos filhos.
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Dia de Portugal, Elvas:
Discurso do Presidente dirigido às Forças Armadas como exemplo de estoicismo nos cortes e constrangimentos sofridos.
Frase-chave do discurso em que a palavra Pátria (!) surgiu mais do que duas vezes: ... nenhuma instituição é poupada mas nenhuma deve ser descaracterizada na sua essência.
Nem de propósito, a Escola Pública acaba de sofrer várias demolições que a descaracterizaram na sua essência. Ou a essência da Escola Pública não é aprender? E dirigida a todos? E a essência das funções profissionais dos professores não são as pedagógicas? Ensinar, portanto?
Primeiro, veio a ministra do governo socialista anterior, Maria de Lurdes Rodrigues, atropelar a essência da profissão, a pedagógica, que foi ultrapassada pelo arrivismo da função de gestão-administrativa titulando os professores mais novatos e dando-lhes assim o crédito de avaliar os professores mais experientes pedagogicamente, os da velha guarda. Com esta estratégia, não apenas passou a ferro a função essencial da actividade profissional do professor, a pedagógica, como deu a primeira machadada no estatuto do professor e empurrou para a antecipação da reforma muitos professores da velha guarda.
Este governo está a dar os retoques finais: a tal descaracterização da essência da instituição. E de uma maneira muito mais limpa e rápida: eliminação de qualquer vestígio de contrato da carreira docente e, de caminho, eliminação dos profissionais no activo. Deste modo, muitos optarão por seguir o exemplo dos colegas e pedir a reforma antecipada. Os que ficam não sabem o que os espera, a insegurança, a instabilidade, é total e avassaladora: não é apenas a organização da vida escolar que se altera, é toda a sua cultura, a sua lógica, a sua qualidade.
E se a vida dos professores estará em suspense contínuo, também a própria escola estará ao abandono: menos auxiliares para acompanhar os alunos com as consequências que já se estão a verificar, como os exemplos recentes de aumento de insegurança, violência e criminalidade.
Assim, caso ainda não tenham percebido, também a vida dos pais passará a ser um sobressalto. Professores multifuncionais e replectos de tarefas administrativas, terão cada vez menos disponibilidade para acompanhar os alunos que revelam mais dificuldades. Menos auxiliares de educação na escola significa mais probabilidades do seu filho se ver envolvido num qualquer desacato.
E finalmente também a vida dos alunos, porque uma escola em que falta segurança e estabilidade mínimas e condições favoráveis para aprender, é uma escola sem qualidade.
Mas eis que os mamarrachos da 24 de Julho e da 5 de Outubro se mantêm incólumes! Afinal, é só para cortar na essência da Escola Pública: os professores? Prejudicando os que utilizam os seus serviços: os alunos?
E os colégios particulares, após o argumento a população escolar diminuiu, vão continuar a receber subsídios do Estado e a absorver alunos da Escola Pública?
A confusão é total, estamos muito perto de uma situação caótica em que ninguém se entende nem percebe sequer para onde se vai. Pelo que já consegui perceber, continua a cortar-se nos serviços prestados aos cidadãos e na sua qualidade e segurança (veja-se agora também na saúde) mas mantêm-se os mamarrachos ministeriais. Para quê?
A Escola Pública, após esta limpeza, nem precisa de um ministro nem de um ministério! Ainda não viram isso? Pode seguir apenas com um secretário de Estado, tal como a Cultura, chega e sobra. Um ou dois gabinetes para deliberar sobre programas, calendário escolar, e uma ou outra legislação a definir os cortes orçamentais. O resto é assegurado pelas escolas, o director é que escolhe, não é? Os professores passam à maior precariedade vital, passando a depender das boas graças da chefia directa a quem têm de agradar, adaptando-se à cultura da escola.
Que escola teremos daqui a 10 anos? Uma escola de que todos os profissionais fogem: a profissão de professor passará a ser a menos atractiva para licenciados, só como último recurso; os próprios auxiliares de educação e administrativos, também só como último recurso e talvez passem a ser recrutados em outsourcing ou recorrendo às agências de trabalho temporário.
E pensar que tudo poderia ter sido tão diferente... mas para isso era preciso lideranças com visão, inteligência, conhecimentos em ciências humanas, uma cultura aberta e democrática. E isso não temos por cá.
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