Diz o bom-senso que os pratos nacionais devem ser confecionados com alimentos produzidos  localmente, que sejam abundantes e fáceis de obter. Por exemplo, os brasileiros puseram carne de vaca a assar para fazer o típico churrasco e os japoneses pegaram no arroz e no peixe cru e inventaram o sushi. Como os portugueses gostam de desafios, resolveram percorrer milhares de quilómetros até aos mares frios e perigosos do Atlântico Norte, para arriscar a vida a pescar bacalhau (Gadus morhua). Graças a essa decisão, este peixe é um dos alimentos mais típicos em Portugal, apesar de não existir em águas nacionais.
De facto, o bacalhau prefere viver mais a norte, com temperaturas que variam geralmente entre 2 e 8ºC, desempenhando o papel de predador voraz que vagueia perto do fundo à procura da próxima refeição, seja ela peixe, lula, crustáceo, mexilhão ou mesmo bacalhau juvenil. Ou seja, o bacalhau graúdo às vezes come o miúdo, evitando assim que este se torne crescido. Se tal não acontecer, pode atingir dois metros de comprimento e quase 100 quilos, vivendo até aos 25 anos. Esta espécie está classificada como "Vulnerável", estimando-se que, nos últimos 150 anos, alguns stocks na América do Norte tenham tido uma redução de 96 por cento.
A relação dos portugueses com o bacalhau remonta ao século X, quando ainda nem sequer tínhamos país. Depois de uns ataques falhados na Península Ibérica, os Vikings optaram antes por trocar bacalhau seco pelo afamado sal que aqui se produzia. Aliás, o bacalhau seco foi usado como moeda de troca em diversos períodos ao longo da História, não só na Europa como também no Canadá e na Gronelândia. Presumo que fosse difícil andar com postas secas de bacalhau na carteira em vez de notas, mas esses povos antigos lá teriam as suas estratégias. No século XIV, os pescadores portugueses obtiveram permissão para pescarem bacalhau na costa inglesa, e no início do século XVI, já o Rei D. Manuel I cobrava o dízimo do peixe pescado na Terra Nova (Canadá) que chegava aos portos do Minho e de Aveiro.
A frota pesqueira de bacalhau continuou a crescer, mas com a perda de independência de Portugal a favor de Espanha, foi tudo por água abaixo. É que a maioria destas embarcações foram requisitadas pelos espanhóis para invadir Inglaterra em 1588, tendo sido destruídas quando a "Armada Invencível" espanhola, afinal, foi vencida. Infelizmente, a regra que até as crianças conhecem de quem estraga velho paga novo não foi aqui aplicada. Como consequência, o comércio de bacalhau em Portugal passou a ser dominado pelos ingleses, tendo havido um ressurgimento de uma frota de bacalhau no nosso país apenas no século XIX. Durante o Estado Novo, e sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, fez-se um investimento na modernização desta frota. Em 1967, a pesca de bacalhau feita por portugueses atingiu a percentagem recorde de 78% do consumo nacional. Com o declínio de alguns dos stocks onde pescávamos, restrições à pesca, competição com outros países e redução de cotas impostas pela União Europeia, Portugal voltou a ser muito dependente da importação deste peixe de outros países.
Mas o bacalhau continua tão enraizado na nossa cultura que nós mal nos apercebemos disso. Por exemplo, só quando tentei explicar a uns amigos ingleses que aquilo que estava de molho na cozinha que não era roupa malcheirosa, mas sim um peixe delicioso que íamos comer ao jantar é que percebi o quão natural esta prática é para nós. Para além disso, é engraçado que a maioria dos portugueses só consiga reconhecer um bacalhau se estiver espalmado, seco e sem cabeça, a fazer lembrar um animal atropelado por um camião-tir há duas semanas.
Como um dos maiores consumidores de bacalhau do Mundo, decidimos parcialmente o seu futuro comprando peixe pescado em stocks considerados sustentáveis e de forma não destrutiva (isto acontece, por exemplo, se estiver rotulado como sendo do Ártico). Pretende-se, assim, evitar o que aconteceu ao bacalhau na Terra Nova, que colapsou no início dos anos 1990 devido ao excesso de pesca e ainda não recuperou desde essa data. Seria um triste fado se daqui a uns anos os portugueses se pusessem a cantar fados tristes sobre a escassez de bacalhau. E a falta de consideração que era substituí-lo nas mil e uma receitas portuguesas e respectivos livros de culinária? É coisa que não se faz a um fiel amigo.