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domingo, 25 de novembro de 2012


O “Direito à autodefesa”, uma tremenda vitória da propaganda israelita

O “Direito à autodefesa”, uma tremenda vitória da propaganda israelita
por Amira Hass* (Haaretz) 




Este artigo, de uma jornalista israelita e publicado no importante jornal Haaretz, é duplamente significativo e corajoso: pela recusa da propaganda que novamente pretende transformar agressores em agredidos, e pelo testemunho que dá de que o sionismo pode ser esmagadoramente dominante na sociedade israelita, mas que continua a haver - e possivelmente a aumentar - entre os israelitas a recusa e o combate essa ideologia racista, colonialista e fascista, factor central da longa e intolerável tragédia do povo palestino e do Médio Oriente.

 

Com o seu apoio à ofensiva de Israel em Gaza, os líderes ocidentais deram carta-branca aos israelitas para que façam aquilo que melhor sabem fazer: chafurdar na sua vitimização e ignorar o sofrimento palestino.

Uma das tremendas vitórias da propaganda de Israel é que tenha sido aceite como vítima dos palestinos, tanto em termos da opinião pública israelita como da dos líderes ocidentais, que se apressam a falar do direito de Israel a defender-se. A propaganda é tão eficaz que apenas os foguetes palestinos no sul de Israel, e agora em Tel Aviv, são inventariados no balanço das hostilidades. Os foguetes, ou os danos no que há de mais sagrado - um jeep militar- são sempre apresentados como ponto de partida e, ao som da aterradora sirene, como se se tratasse de um filme da Segunda Guerra Mundial, constroem a meta-narrativa da vítima que tem direito a defender-se.



Todos os dias, e na realidade em todos os momentos, esta meta-narrativa permite a Israel acrescentar um outro elo à cadeia do saque de uma nação tão antiga como o próprio Estado, enquanto ao mesmo tempo é ocultado o facto de que um fio condutor se desenrola desde 1948 quando foi negado aos refugiados palestinos o regresso aos seus lares, a expulsão dos beduínos do deserto de Negev em principios de 1950, a expulsão actual dos beduínos do vale do Jordão, as fazendas para os judeus no Negev, a discriminação nos orçamentos de Israel e os disparos contra os pescadores de Gaza para os impedir de ganhar a vida de forma respeitável. Milhões destes fios contínuos não tiveram interrupção desde 1948 até ao presente. É este o tecido da vida da nação palestina, tão isolados como estão na solidão dos seus diversos confinamentos. É assim o tecido da vida dos cidadãos palestinos de Israel e dos que vivem nas suas terras de exilio.

Mas estes fios não constituem toda a trama da vida. A resistência aos fios que nós, os israelitas, fazemos indefinidamente girar, também é parte da trama da vida dos palestinos. O significado da palavra resistência foi degradado para lhe atribuir o sentido de uma disputa muito masculina na qual os mísseis terão por alvo zonas muito afastadas (uma disputa entre as organizações palestinas, e entre elas mesmas e o exército regular israelita). Isto não invalida o facto de que, em essência, a resistência à injustiça inerente à dominação israelita é parte integrante da vida quotidiana dos palestinos.

Os ministérios dos Estrangeiros e do Desenvolvimento no Ocidente e nos Estados Unidos colaboram aleivosamente na mentirosa representação de Israel como vítima, uma vez que a cada semana recebem relatórios dos seus representantes na Margem Ocidental e na Faixa de Gaza sobre um elo mais que foi acrescentado à cadeia de desapropriação e opressão que Israel impõe, ou até porque os seus próprios contribuintes “doam dinheiro para alguns dos desastres humanitários, grandes e pequenos, infligidos por Israel”.

Em 8 de Novembro, dois dias antes do ataque ao mais santo dos santos - os soldados de um exército em jeep – esses contribuintes poderiam ter lido que os soldados israelitas tinham morto Ahmad Abu Daqqa, de 13 anos, que estava a jogar futebol com os seus amigos na povoação de Abassan, a leste de Khan Yunis. Os soldados estavam a 1,5 quilómetros das crianças, dentro da zona da Faixa de Gaza, ocupados em “expor” (palavra utilizada para branquear uma outra, “destruir”) as terras agrícolas. Sendo assim, ¿porque não começar a narrativa da escalada de agressão na morte do menino? Em 10 de Novembro, depois do ataque ao jeep, o exército israelita matou outros quatro civis de 16 a 19 anos.

Chafurdar na ignorância


Os líderes do Ocidente podiam saber que antes do exercício do exército de Israel da passada semana, dezenas de famílias beduínas do vale do Jordão foram obrigadas a evacuar os seus lares. ¡Não é curioso que os treinos do exército israelita tenham sempre que ser realizados nos lugares onde vivem os beduínos e não onde estão os colonos israelitas, e que esse facto constitua um motivo para os expulsar? Outra razão. Outra expulsão. Os líderes do Ocidente também poderiam ter sabido, com base no artigo impresso a quatro cores em papel cromo em que é feito o relatório das finanças dos seus países, que desde o início de 2012 Israel destruiu 569 edifícios e estruturas palestinas, incluindo poços de agua e 178 moradias. No total, 1.014 personas foram afectadas pelas demolições.

Não ouvimos as massas de Tel Aviv nem os residentes das zonas do sul advertir os administradores do Estado sobre as implicações desta destruição sobre a população civil. Os israelitas chafurdam alegremente na sua ignorância. Esta informação e a de outros factos semelhantes está disponível e acessível a qualquer um que esteja realmente interessado. Mas os israelitas optam por não saber. Esta ignorância voluntaria é uma pedra angular da construção do sentido de vitimização de Israel. Mas a ignorância é ignorância: o facto de que os israelitas não querem saber o que estão a fazer, como potência ocupante, não nega os seus actos nem a resistência palestina.

Em 1993 os palestinos deram uma prenda a Israel, uma oportunidade dourada para cortar a trama dos fios que atam 1948 até ao presente, de abandonar as características de país de saque colonial, e de planear juntos um futuro diferente para os dois povos na região. A geração palestina que aceitou os Acordos de Oslo (cheios de armadilhas colocadas por inteligentes advogados israelitas) é a geração que conheceu uma multifacética, e até normal, sociedade israelita que permitiu a ocupação de 1967 (com o fim de conseguir mão de obra barata) com uma liberdade de movimentos quase completa. Os palestinos chegaram a um acordo sobre a base das suas reivindicações mínimas. Um dos pilares destas exigências mínimas definia a Faixa de Gaza e a Cisjordânia como uma entidade territorial única.

Mas desde que teve início a aplicação de Oslo, Israel fez sistematicamente todo o possível para que a Faixa de Gaza se convertesse numa entidade independente, desligada, no quadro da insistência de Israel em manter e ampliar a trama de 1948. Desde o aparecimento do Hamas tem feito todos os possíveis para dar apoio à concepção que Hamas prefere: que a Faixa de Gaza é uma entidade política separada onde não existe ocupação. Se isto é assim, por que não ver as cosas da seguinte maneira: Como entidade política independente, qualquer incursão no território de Gaza é uma violação da sua soberania, e Israel está constantemente a fazê-lo. ¿Por acaso não terá o governo do estado de Gaza o direito de responder, de ripostar, ou ao menos o direito masculino - um gémeo do direito masculino do exército israelita – a assustar os israelitas da mesma forma que eles o fazem com os palestinos?

Mas Gaza não é um Estado. Gaza está sob ocupação israelita, apesar de todas as acrobacias verbais tanto de Hamas como de Israel. Os palestinos que vivem ali são parte de um povo cujo ADN contém a resistência à opressão.

Na Cisjordânia, os activistas palestinos procuram desenvolver um tipo de resistência diferente da resistência armada masculina. Mas o exército israelita destrói com zelo e determinação toda a resistência popular. Não temos ouvido dizer que os residentes de Tel Aviv e das zonas do sul se queixem da simetria de dissuasão que o exército israelita está a construir contra a população civil palestina.

E assim de novo Israel oferece mais razões a mais jovens palestinos, para quem Israel é uma sociedade anormal de exércitos e de colonos, para concluir que a única resistência racional é o derramamento de sangue e o contraterrorismo. E assim todos os elos da opressão israelita e toda a ignorância da existência da opressão israelita nos vai arrastando encosta abaixo na ladeira da disputa masculina.





*Amira Hass, jornalista israelita, filha de dois sobreviventes do Holocausto que, ao chegarem a Israel, se recusaram a viver em casas roubadas a palestinianos entretanto expulsos da sua terra.


Fonte original: http://www.haaretz.com/news/features/israel-s-right-to-self-defense-a-tremendous-propaganda-victory.premium-1.478913


Fonte em português: http://odiario.info/


Mafarrico Vermelho

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