Posted: 22 Oct 2012 07:11 AM PDT
Os bons negócios de Tony Blair
por Marc Roche , Carta de Londres
Já lá vai o tempo em que os antigos primeiros-ministros europeus consagravam os primeiros seis meses de sua passagem à reforma para escreverem as suas memórias antes de passarem o seu tempo num campo de golfe ou a ocuparem-se com instituições de caridade!
Hoje, eles estão a voltar-se para os negócios, com todos os problemas de ética e de conflito de interesses que isso levanta. Tony Blair é o exemplo vivo desta simbiose que nem sempre é muito saudável entre a política e as finanças e que abre a porta a todos os compromissos.
Mais de 1 milhão de libras (1,24 milhões de euros) de honorários por três horas de trabalho: esta é a colossal comissão recebida por Tony Blair, por ter actuado como intermediário entre o gigante suíço Glencore, especialista, negociante e especulador sobre matérias-primas, e o Qatar. Glencore tinha anunciado que iria lançar no mês de Fevereiro uma oferta pública de aquisição (80 mil milhões de dólares ou 63 mil milhões de euros) sobre o grupo mineiro Xstrata, também ele suíço, de que o emirado é o segundo maior accionista. Confrontado com a hostilidade do fundo soberano Qatar Holding a este golpe na Bolsa, o director–executivo da Glencore, Ivan Glasenberg, apela em dificuldade ao antigo primeiro-ministro trabalhista (1997-2007). "Por favor, tente fazer qualquer coisa para conquistar o Qatar." Tony Blair, que fundou a sua muito próspera empresa de consultoria e conselho telefonou sem demora a um seu amigo, Hamad bin Jassim Al-Thani, primeiro-ministro do emirado rico em gás e que é o patrão da Qatar Holding. Na sequência desta conversa, é marcado um encontro entre as duas partes, em Londres.
Emirati Sheikh não pode recusar qualquer coisa e seja o que for ao antigo morador de 10 Downing Street que também é o representante do Quarteto para o Médio Oriente (Estados Unidos, Rússia, União Europeia e Nações Unidas). Tony Blair é também um conselheiro internacional do banco de negócios americano JPMorgan com emolumentos de 2,5 milhões de libras por ano [1]. JP Morgan aconselhou Xstrata ao JPMorgan . Na noite de 7 de Setembro, Glasenberg, Sheikh Hamad e Tony Blair reúnem-se numa suíte do Claridge Palace protegidos por uma porta duplamente acolchoada. Nada filtrou do conteúdo dessas entrevistas.
Evidentemente, Tony Blair sabe rentabilizar as suas consideráveis habilidades de negociação e a sua agenda de endereços que é impressionante, especialmente no que se refere ao Médio Oriente e aos países da antiga URSS. O sucesso da sua intervenção é também devido ao facto de que o Qatar precisa de melhorar a sua imagem junto de investidores de longo prazo muito cautelosos, imagem esta que foi manchada pelo escândalo das condições de resgate financeiro, no Outono de 2008, do banco Barclays. O departamento sobre fraudes graves iniciou uma investigação sobre o pressuposto pagamento, pelo banco britânico Barclays, de subornos a alguns membros da família reinante do Qatar.
Além disso, o antigo chefe do governo, que tinha trabalhado na criação de uma regulação financeira "muito suave" após sua chegada ao poder em 1997, transformou-se no grande defensor do "too big to fail" , ou seja, banco ou instituição muito grande para poder falir. A solução para os nossos problemas não é a de pendurar 20 banqueiros, disse o querido Tony Blair, lançando assim um apelo para que cesse a caça às bruxas a visarem os senhores do dinheiro.
Tony Blair não é o único ‘antigo’ a quem a noção de conflito de interesses escapa completamente. O ex-presidente dos Estados Unidos, o democrata Bill Clinton, que, para simplificar, se poderia considerar posicionado à esquerda no sentido americano do termo, faz conferências altamente remuneradas pelo mundo empresarial. O ex–primeiro-ministro trabalhista, arquitecto do New Labour, Lord Mandelson, é o missi dominici do banco de investimentos Lazard.
Entre duas Presidências do Conselho italiano, Romano Prodi foi contratado pela Goldman Sachs. Desde 2005, o antigo chanceler alemão, Gerhard Schröder, é o representante da empresa russa Gazprom no Conselho de supervisão do gasoduto do Norte europeu, consórcio russo-alemão encarregado da construção e da exploração de um gasoduto.
Próximo da esquerda católica sindical, o antigo chefe do Governo belga Jean-Luc Dehaene durante muito tempo presidiu ao Conselho de administração do "pato coxo" que é o banco Dexia. E, obviamente, a lista não é exaustiva dos homens de esquerda convertidos "ao capitalismo de acesso", ao capitalismo assente nas boas relações como assim o catalogou em 1993 Americain New Republic.
No rescaldo do colapso financeiro, no Reino Unido, foi a direita que apertou os parafusos da regulação. David Cameron entrou em guerra contra os salários excessivos dos banqueiros, contra a especulação e a evasão fiscal. Mas isso não impede que o líder da coligação conservadora no poder esteja sempre a empurrar a ‘porta giratória’, ou seja, de andar sempre, como fazem os americanos, entre Wall Street e Washington.
Na verdade, quando da sua remodelação governamental de 4 de Setembro, três antigos banqueiros, ou aparentados entraram para o governo. Só a imprensa financeira especializada se refere à nomeação de Paul Deighton como Secretário de Estado para as Finanças, de Sajid Javid para o Tesouro e Greg Clark para Secretário de Estado para os assuntos da cidade. O primeiro, director-geral dos Jogos Olímpicos de Londres, trabalhou 22 anos no Goldman Sachs. O segundo foi um trader, um operador nas salas de mercados, especialista portanto em produtos derivados e especulação, no Deutsche Bank. O terceiro, vem da Boston Consulting Group, uma empresa de consultoria em gestão.
A priori, no plano jurídico como no plano moral não há nada a acrescentar sobre os recém-chegados ao poder. Ainda que a presença de profissionais da finança ao perfil idêntico no topo do Ministério das Finanças possa vir a constituir um problema. Marc Roche, Le Monde
[1] Nota de Tradução. Segundo o Guardian Tony Blair é também consultor da empresa de seguros suíça Zurich: "Zurich is taking Blair on to advise it on the implications of climate change.The aim, a spokesman said, was to establish "the best way they can adapt their policies for businesses to take account of climate change".
Zurich refused to say how much it was paying Blair and whether the payment would be offshore, but did not deny that he was likely to receive a six-figure sum as a senior adviser."
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