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quinta-feira, 25 de outubro de 2012



O Tabu do Exorcismo


De tantas práticas pré-medievais que persistem na Igreja Católica, parece-me que o exorcismo é uma actividade que parece envergonhar essa instituição. Num exorcismo, o diabo, que não teve mais nada que fazer que não possuir uma pessoa normalmente já cheia de problemas, é expulso por “acção pastoral” de um padre devidamente credenciado pela hierarquia católica. O facto de ser indistinguível feitiçarias e outras charlatanices e por em pouco se relacionar com o discurso do “deus é amor”, leva a ser um tema quase de vergonha para a igreja e faz com que esta trate sempre o assunto com cuidados redobrados, sempre tentando ser discreta. Veja-se o caso desta notícia, onde o Vaticano prontamente se distanciou de um “exorcismo” em plena Praça de S. Pedro – no entanto tivesse um pioderma gangrenoso sido curado no meio de tal multidão e alguém seria proclamado santo por isso. Por outro lado, a igreja recusa-se a renegar à prática do exorcismo (ao contrário das caças às bruxas e vampiros, coisa do passado católico). Deve haver, portanto, uma certa importância deste rito dentro da construção imaginária católica para que continue a ser praticada.
Na semana passada, o patriarcado de Lisboa emitiu um documento (pdf) com “normas sacramentais” para as situações de exorcismo. Transcrevo aqui o que entendo ser a parte mais importante deste texto:
Discernimento e tratamento de casos de possessão diabólica

40. Não é fácil determinar os verdadeiros casos de possessão. Nem se deve, por um lado, acreditar fácil e precipitadamente nessa hipótese, nem, por outro lado, afastá-la sem mais. A pessoa que se diz atormentada pelo demónio pode estar a sofrer apenas de alguma doença, especialmente psíquica, ou a ser iludida pela própria imaginação. É, pois, necessário que o ministro da Igreja, ao ouvir falar de alguma intervenção diabólica, proceda com a maior circunspecção e prudência e não creia facilmente que se trate de possessão diabólica.

Mas também há que estar atento, para se não deixar iludir pelas artes e fraudes que o diabo utiliza para enganar o homem, de modo a persuadir o possesso a não se submeter ao exorcismo, sugerindo-lhe que a sua enfermidade é apenas natural ou do foro médico. Daí que o ministro da Igreja que acolhe a pessoa atribulada procure examinar exactamente cada caso, com todos os meios ao seu alcance.
41. Certifique-se nomeadamente do seguinte:
a) Que os males não sejam atribuídos pelas pessoas a qualquer malefício, má sorte ou maldição, lançadas sobre elas ou seus parentes ou seus bens;
b) Que não tenham começado a surgir ou mesmo se tenham agravado na sequência de práticas, como consultas a feiticeiros ou pretensos exorcistas, ou participação em sessões de carácter mais ou menos esotérico e onde se simule o exorcismo;
c) Que as pessoas atormentadas não tenham passado, sobretudo na infância, por situações traumáticas, como abusos físicos, psicológicos ou sexuais;
d) Tratando-se principalmente de crentes, que não se sintam simplesmente tentados, ainda que fortemente, a abandonar a sua crença e prática religiosa.
É muito provável que, nestas situações, se trate de sugestão ou auto-sugestão [casos a) e b)], ou de doenças do foro psico-somático, geralmente associadas a circunstâncias da vida mais ou menos criticas e adversas [casos c) e d)].
(…)
43. Se houver sinais de possessão do demónio, tais como: dizer muitas palavras de língua desconhecida ou entender quem assim fala; revelar coisas distantes e ocultas; manifestar forças acima da sua idade ou condição natural (…). E como, porém, os sinais deste género não são necessariamente atribuíveis à intervenção do diabo, convém atender também a outros, sobretudo de ordem moral e espiritual, que manifestam de outro modo a intervenção diabólica, como por exemplo a aversão veemente a Deus, ao Santíssimo Nome de Jesus, à Bem-aventurada Virgem Maria e aos Santos, à Igreja, à palavra de Deus, a objectos e ritos, especialmente sacramentais, e às imagens sagradas. Finalmente, por vezes é preciso ponderar bem a relação de todos os sinais com a fé e o combate espiritual na vida cristã, porque o Maligno é principalmente inimigo de Deus e de tudo o que relaciona os fiéis com a acção salvífica. O ministro da Igreja não apresente a pessoa atormentada ao Exorcista, se o houver nomeado de modo estável, ou ao Ordinário do Lugar, para que este conceda a faculdade ocasional para legitimamente fazer o exorcismo, sem antes consultar peritos em ciência médica e psiquiátrica, que tenham a sensibilidade das realidades espirituais. Para maior certeza, os peritos devem ser pelo menos dois, um dos quais psiquiatra, e os seus relatórios devem coincidir no parecer de que não existe explicação científica para a fenomenologia observada no paciente. No entanto, o facto de não haver explicação científica para aquela doença, não significa que seja possessão diabólica.
Aqui o patriarcado recomenda: cuidados, cuidados e mais cuidados. Como qualquer grande empresa, a igreja aqui tenta cobrir-se com o seu próprio regulamento de situações incómodas como “maus diagnósticos de possessão diabólica” ou outras situações incómodas. Em ponto algum do texto se diz como claramente identificar uma possessão, ao invés apenas se listam casos que não o são, como problemas do foro psiquiátrico. Ao mesmo tempo, aos peritos médicos que possam ser chamados pede-se que “tenham a sensibilidade das realidades espirituais”, ou seja: que sejam católicos e dispostos a aceitar a possibilidade do diabo entrar nos corpos das pessoas.
Termino ainda com a discrição que a igreja pede para estes casos: o que é isso se não é uma certa forma de vergonha e receio de cair no ridículo? Se o diabo anda mesmo aí a possuir pessoas, que melhor ferramenta de publicidade quererá a igreja para ter mais fieis? Se bem que o secretismo dos exorcismos, também mantém a sua aura de mistério à sua volta, e também isso é marketing.
46. O Ritual da Celebração dos Exorcismos indica que o exorcismo deve realizar-se de modo que se manifeste a fé da Igreja e não possa ser considerado por ninguém como acção mágica ou supersticiosa. Tenha-se o cuidado de não fazer dele um espectáculo para os presentes. Todos os meios de comunicação social estão excluídos, durante a celebração do exorcismo, e também antes dessa celebração; e concluído o exorcismo, nem o exorcista nem os presentes divulguem qualquer notícia a seu respeito, mas observem a devida discrição.
A igreja católica bem pode ser discreta e ter acanho em falar disto publicamente: este discurso das possessões diabólicas é conversa medieval mas que mesmo assim ainda impressiona muita gente crédula. Se calhar é mesmo por isso que ainda persiste nos rituais católicos.

Padre Gabriele Amorth, exorcista oficial da cidade do Vaticano. Foto por: Simon Norfolk

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