Quinta, 05 Julho 2012 09:30
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Que o discurso da crise tinha invadido o nosso quotidiano de forma avassaladora, era uma evidência que não merecia qualquer contestação.
Ainda assim tinha a ideia de que em alguns momentos mais especiais as pessoas diriam “hoje não se fala nessas coisas” ou “hoje não há crise que me afecte”.
Pensava que um dos momentos que estariam fora do discurso da crise seria o nascimento de um filho ou de um neto, mas os últimos dias passados no serviço de obstetrícia e nos corredores de acesso demonstraram-me que mesmo nessas alturas o primeiro pensamento vai para o que espera os recém-chegados a este território debaixo da ditadura da austeridade selectiva.
Aquilo que eram as conversas de ocasião (enfadonhas é certo) sobre a capacidade de crescimento dos acabadinhos de nascer, pontuadas com afirmações prenhes de sabedoria como a famosa “cá fora é que se criam” ou a campeã dos lugares comuns “o que é preciso é muita saudinha para o criar”, foram substituídas por coisas estranhas como “coitadinho já nasce com uma dívida enorme às costas”, ou “quando chegar a vez dele já não vão haver reformas” ou ainda “se as coisas continuarem assim que emprego terão no futuro”.
Incomoda-me muito este discurso de desesperança ouvido na boca de quem deveria estar a dar pulos de contentamento pelo nascimento de uma criança. É como se se estivessem a preparar para transmitir ao que acabou de chegar a cultura do encolher de ombros e da resignação.
Não estou a advogar que se esqueçam as circunstâncias por via de uma qualquer dose de optimismo cego e irracional, estou apenas a tentar mostrar que o inevitável discurso da crise, face ao nascimento de um ser humano novinho em folha, deveria ter como condimento principal a esperança.
Em vez de lamentar a dívida que herda, a possibilidade da ausência de reformas no futuro ou o caminho do desemprego, da mão-de-obra barata e da precariedade, afirmar a alegria da possibilidade da criatura acabadinha de dar à costa contribuir, com o seu percurso de vida e a sua determinação, para pôr fim a esta sociedade assente na exploração e no princípio religioso do lucro intocável.
Fazer juras que os iremos educar na defesa dos avanços civilizacionais conquistados pelas gerações anteriores, para que não se percam os direitos fundamentais de quem trabalha.
Celebrar a vinda de mais um futuro combatente do lado do progresso e substituir as frases que ouvi na boca de quem me pretendia dar os parabéns, por uma muito mais animadora: “parabéns, então vamos ter mais um para lhes moer o juízo e ajudar a mudar isto?”
Estou para aqui a teorizar sobre as mensagens de felicitações em tempo de crise, apenas para vos dizer que dá muito mais trabalho transmitir a ideia da luta por uma sociedade diferente, do que transmitir a zangada resignação que não muda nada.
E no entanto a vida demonstrará que os Portas, os Coelhos e os Seguros são tanto passado quanto os que nasceram nestes dois dias são futuro. Isto, claro está, se os pais deles souberem assumir a determinação de mudar o presente.
Até para a semana
Eduardo Luciano
Al - Tejo
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