Sardinha, a rainha do mês de Junho |
Junho é o mês dos santos populares. Santo António a 13 (quarta-feira), São João a 24 (domingo) e São Pedro a 29 (sexta-feira). Com os festejos dos santos populares vêm também as marchas populares, os manjericos, os versos populares e a sardinha assada. É assim a tradição portuguesa no mês de Junho.
A Sardinha
Não pensem que vou continuar com esta linguagem ou com as definições técnicas desta maravilhosa espécie de peixe que nos identifica no Mundo, porque vamos mais longe! A sardinha sempre foi associada à alimentação popular e, recentemente, grandes chefes de cozinha empregam-na na mais alta gastronomia e até mesmo na cozinha de autor.
Ninguém como os Portugueses para se deliciarem com as sardinhas assadas e colocadas sobre a fatia de pão. Instintivamente, a tradição de comer sardinhas está associada à época em que o seu sabor é o melhor! Por isso, a sardinha torna-se emblema culinário das festas populares de Junho. E lá diz o ditado: "No S. João, a sardinha pinga no pão". É também um símbolo e um elemento culinário dos festejos do Santo António e é, de facto, por esta altura que a sardinha está gorda, sendo mais fácil libertar a sua pele, e fazendo com que a sua gordura embeba o pão de forma gulosa.
Domingos Rodrigues (1680), autor do primeiro livro de receitas em Portugal, sugere os meses de Novembro e Dezembro, apesar de não providenciar qualquer receita. Lucas Rigaud (1780) nem sequer menciona a sardinha, enquanto que João da Mata (1876) lhe concede a honra de três receitas: Sardinhas à Mata, Sardinhas em Pastelinhos à Portuguesa e Sardinhas em Espiches.
Olleboma (1936), autor de Culinária Portuguesa, por sua vez, recomendava que a sardinha fosse consumida de Junho a Outubro, pois eram os meses de melhor sabor, mencionando que "a sardinha é o peixe mais abundante em toda a costa de Portugal... consome-se fresca, salgada e em conserva de azeite". Como forma de confeção, apresenta várias receitas, desde frita, a grelhada ou assada na brasa, recheada e até com molho de tomate à moda de Setúbal.
Não se pretende relatar exaustivamente a presença da sardinha nos clássicos dos receituários de culinária portuguesa, no entanto, deve-se referir a importância que a indústria conserveira teve durante o século XX. O sistema de conserva dos alimentos após cozedura e isolamento do ar foi descoberto por um cozinheiro francês de nome Appert, em 1804. Mas é em Inglaterra que se estabelece, em 1810, a primeira indústria de conservas em folha-de-frandres, sendo o que o produto final era bastante caro pelo seu manuseamento.
Curioso é encontrar uma receita de sardinhas no famoso livro, "As delícias da mesa e os melhores tipos de comida", de Ibn Razin Tujibi, escrito entre 1238 e 1266, e publicado no tempo das dinastias Almohade e Mérinide, no domínio de Al Andalus e do Maghreb. Tudo isto porque a sardinha era então considerada um peixe popular, ou menor.
Será facil admitir que a sardinha já constava nos peixes que os romanos consumiam, e que seria um dos elementos que entrava no famoso garum. Este seria uma pasta de peixe, imaginada como sistema de conservação do peixe após a chegada dos barcos, e cujo fabrico (há informações de Setúbal e Monte Gordo) condiz com os locais onde se estabeleceram as primeiras indústrias de conserva.
Durante a Idade Média, haveria até 240 dias de jejum de carne, pelo que os frutos pesqueiros seriam a base da alimentação. A sardinha assumiria um papel preponderante e primordial nesta altura. Consta mesmo que no primeiro "restaurante" instalado na Praça da Ribeira, "O Mal Cozinhado", prestar-se-iam a fritar o peixe e a servi-lo sobre fatias de pão.
A sardinha transformou-se num produto popular pelo seu preço, e vulgarizou-se a assada na brasa como a melhor forma de a saborear. A sardinha do século XX teve picos de glória e de abandono, deixando de ser prato de mesas finas ou abastadas. Para o interior iam em barricas com sal, pois para as grandes tarefas agrícolas era necessário contratar galegos, que não abdicavam de comer peixe. Outras formas de conservação levaram à criação de outro receituário, como as empadas ou bolas de sardinha.
A importância popular da sardinha foi e é tão grande, que a linguagem proverbial adotou-a em vários sentidos:
"Da gargante para baixo, tanto sabe a galinha como a sardinha"
"Na tua casa não tens sardinha e na alheia pedes galinha"
"Nem sempre galinha, nem sempre sardinha"
"A mulher e a sardinha querem-se pequenina"
"A mulher e a sardinha, quanto maior mais danadinha"
"Não há comida abaixo da sardinha, nem burro abaixo de jumento"
"Se tens sardinha... não andes à cata de peru"
"Estar apertado como sardinha em lata"
"Comer sardinha e arrotar pescada"
"Tirar a sardinha com a mão no gato"
Expressões para todas as ocasiões e para todos os sentidos. A sardinha assada é, para mim, um elemento diferenciador da alimentação portuguesa. Os países mais próximos que consomem a sardinha, como a Espanha, França ou Itália não o fazem da mesma forma que nós. E fazem-no muito menos como ato convivial de comer sardinhas assadas na brasa, em conjunto e à volta do assador, com a simplicidade de o fazer à mão e sobre uma fatia de pão. Claramente, estará sempre por perto uma boa salada com pimentos e bom vinho!
Nove razões para comer este tipo de peixe
1. Tem gorduras boasO aumento da quantidade de ácidos gordos monoinsaturados e de ácidos gordos polinsaturados ómega-3 (presentes nos peixes azuis) na alimentação tem inúmeros benefícios para a saúde. De acordo com os especialistas, as gorduras boas estão associadas a uma menor mortalidade por doenças cardiovasculares e a uma maior esperança de vida.
2. Contém proteínasTal como a carne e os ovos, as proteínas do peixe contêm todos os aminoácidos essenciais que o nosso organismo precisa. É o caso da lisina (fundamental para o crescimento das crianças) ou do triptofano (estimula a produção de serotonina, um neurotransmissor importante no processo bioquímico do sono e responsável pelas sensações de bem-estar).
3. Reduz o colesterolO peixe azul ou meio gordo é rico em ácidos gordos ómega-3, que aumentam o colesterol bom (HDL) e diminuem o mau (LDL).
4. Contém vitaminasÉ rico em vitamina A, essencial à visão e para a saúde da pele e dos tecidos superficiais; vitamina D, fundamental para a absorção de cálcio e fósforo; e vitamina B12, necessária ao metabolismo do corpo.
5. MineralizaContém minerais como o cálcio, essencial para a saúde dos ossos e dos dentes; o magnésio, para o bom funcionamento dos músculos; e o fósforo, imprescindível ao cérebo.
6. Combate o cancroOs ácidos gordos ómega-3 reduzem o crescimento das células cancerígenas humanas e contribuem para a recuperação das defesas em diferentes tipos de tumores.
7. Bom na gravidezUm estudo da Faculdade de Medicina de Harvard (EUA) concluiu que as mulheres que comem peixe azul durante a gravidez ajudam a aumentar a capacidade cognitiva dos seus bebés.
8. Beneficia a digestãoFacilita o trabalho digestivo do estômago, pois tem um baixo conteúdo de colagénio e porque as suas proteínas sao pouco fibrosas. Para que não se torne pesado (mais difícil de digerir), evite fritá-lo ou refogá-lo. É preferível cozinhá-lo na grelha, ao vapor, no forno ou em papillote.
9. É muito completo
Existem bastantes receitas para confecioná-lo e diversas formas de o comprar: fresco, em conserva, congelado, ...
Um artigo de Ilídio Paiva
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