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sábado, 29 de setembro de 2018

SINAIS DE DESILUSÃO, de JOÃO MARQUES

aviagemdosargonautas.net




O João Marques já não está entre nós. Publicamos hoje outro dos seus textos, que muito ajuda a compreender a situação em que, nós portugueses, nos encontramos. À família e aos amigos o nosso abraço. Não o esqueceremos.



De facto, a situação demográfica em que nos encontramos tem de merecer um amplo consenso das forças políticas e dos meios empresariais e financeiros, com um Estado que indique trajetórias, dando condições reais aos casais que pretendem ter filhos, garantindo o emprego, melhorando-o anualmente e satisfazendo todas regalias sociais para um dos cônjuges, num período entre três e cinco anos, aproximando-nos da solução dinamarquesa.

Com três milhões de pensionistas, dos quais 2,5 milhões por velhice, 842 mil recebem uma reforma entre os €250/300, sendo o valor médio de €1.275. Com 133,5 idosos por cada cem jovens até aos 14 anos, um estudo recente (Inovar a Reforma) estima que, em 2050, os primeiros subam para duzentos.

Passemos, agora, para a não menos importante situação das finanças públicas. O FMI (World Economic Outlook, 2017) estima que Portugal, com a quinta dívida mais alta, equivalente a quase 127,5% de Produto Interno Bruto /PIB), tem de pagar, em média por ano, €7,2 mil milhões, apenas em juros da dívida.

Acontece que, em 1991, a dívida pública representava pouco mais do que metade do PIB (54,9%). Apesar das subidas anuais, a situação manteve-se e mesmo aquando da demissão de António Guterres (IV Governo Constitucional, Abril 2002) com a frase que ficou célebre “isto é um pântano”, a dívida pública estava nos 56,2% do PIB (Pordata, FFMS). As alterações brutais no endividamento público acontecem nos governos Sócrates (2005/11, mais €89 mil milhões de dívida) pois quando se demite, em junho, a dívida já estava nos 111,4%, se bem que durante a governação de Durão Barroso/Santana Lopes é notório o aumento significativo da dívida.

Onde reside esta acumulação desenfreada de dívida pública? Pergunta obrigatória e de resposta simples: o sistema financeiro e a “grande clientela de negócios”, onde o compadrio e a corrupção generalizada atingiram patamares incontroláveis, mas invisíveis para o Banco de Portugal ou para a Autoridade de Regulação. BPN/Sociedade Lusa de Negócios/Parvaloren/Banif/BES e o próprio banco público CGD receberam e continuarão a encher-se de dezenas de milhares de milhões para cobrir as “imparidades”, palavra erudita para significar que a hipoteca a que está ligado o empréstimo bancário, nem dá para comprar um rolo de papel-higiénico.

Depois do investimento colossal na rutura do BES (Mau/Novo), em 2017, o Estado mete mais 1,2 mil milhões, prevendo-se para este ano, mais um “contributo” ainda superior. Quanto ao BPN/Parvaloren, só, em 2017, limparam do Estado mais €768,2 milhões, pelo que fiquei estupefacto e revoltado quando leio nos jornais económicos que a sua administração decidiu atribuir um bónus de €500 milhões aos trabalhadores com mais quinze anos de serviço, cabendo a cada um dos colaboradores mais próximos do ex-presidente Oliveira e Costa, €50 mil, personagem condenada por falsificação de documentos, fraude fiscal, burla qualificada e branqueamento de capitais mas, como tantos outros, continuam a ir jantar ao “Gambrinus” ou ao “Grémio Literário” e gozando de todas as comodidades. Daqui se conclui, entre outras deduções, que o Estado tem um certo reconhecimento e respeito pelo grande banditismo de colarinho branco, já que tem sido ele a pagar a(s) conta(s).

Neste contexto compreende-se que o Estado não tenha verbas para sustentar o Serviço Nacional da Saúde, a educação – as tipologias de contratações/salários verificadas no ensino superior – a justificação de não por satisfazer as pretensões dos professores, pois teve de se investir €13 milhões num segmento do IP3, o desinvestimento inqualificável na ferrovia, a privatização de sectores estratégicos, a precariedade laboral, a rarefação de serviços públicos no interior e o compadrio, não só político, nas nomeações diretas para milhares de cargos, além do abandono do património construído. Mas, atenção. Do habitual conformismo lusitano, começam a surgir sinais de desilusão e até de repúdio.

Junho de 2018




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