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O coronel que dirige a Polícia Judiciária Militar, Luís Vieira, confessou ao juiz João Bártolo que o aparecimento na Chamusca das armas e explosivos roubados em Tancos em Junho do ano passado não passou de uma encenação. Mas invocou o interesse nacional para os militares terem feito um “acordo de cavalheiros” com o ladrão das armas, um ex-fuzileiro de 36 anos, por forma a que este pudesse devolver o material furtado sem sofrer consequências, ou seja, escapando à justiça.
Afinal, seria melhor ter as armas de volta antes que fossem vendidas, mesmo à custa da impunidade do ladrão – terão equacionado os militares, que agora se mostram arrependidos.
O juiz de instrução criminal do Campus da Justiça de Lisboa não teve contemplações, e aplicou esta sexta-feira a Luís Vieira a medida de coacção mais dura de todas: a prisão preventiva.
O seu advogado garantiu que vai recorrer da medida de coacção aplicada. O ex-fuzileiro também ficará na cadeia. Quanto aos restantes arguidos, quer aqueles que pertencem também à Judiciária Militar quer os soldados e o sargento da GNR implicados no caso, aguardarão julgamento em liberdade, mas suspensos de funções. Foram proibidos de contactar entre si e também de entrar em instalações militares.
No cerne do processo estão rivalidades entre a Judiciária Militar e a sua congénere civil: os militares queriam ser os primeiros a descobrir o paradeiro das armas, fosse a que custo fosse. E evitar que a Judiciária civil hasteasse “a bandeira dela” neste caso, como refere um memorando encontrado nas buscas à residência de Luís Vieira.
Para isso, chegaram a vigiar inspectores da Judiciária civil, que por seu turno também os vigiava a eles. O memorando aparece assinado pelo até há poucos meses porta-voz da Judiciária Militar, que ainda não foi detido por se encontrar fora do país.
Os investigadores equacionam neste momento até que ponto da cadeia hierárquica se estenderão as responsabilidades, quer do lado das Forças Armadas quer do lado da GNR – apesar de o Comando Geral da Guarda já ter vindo negar o seu envolvimento em tudo o que se passou. Mas os depoimentos que alguns dos suspeitos prestaram durante o primeiro interrogatório indiciam que vários deles receberam ordens de responsáveis hierárquicos que não foram, pelo menos por enquanto, constituídos arguidos.
Até agora são oito os implicados no inquérito em que se investiga o reaparecimento das armas na Chamusca: três guardas da GNR, quatro elementos da Judiciária Militar e o civil que roubou o material. O furto está a ser investigado num inquérito autónomo, muito embora seja possível que as duas investigações venham a ser fundidas, uma vez que versam sobre o mesmo assunto.
Para as autoridades, todo o caso começou quando um informador revelou a uma procuradora que tinha sido sondado para ajudar a forçar a entrada em instalações militares, de forma discreta, na região onde de facto tudo viria a acontecer. A informação incluía a identidade do ex-fuzileiro e foi passada às duas polícias judiciárias, mas isso acabou por não servir de nada: os militares não terão tomado providências, enquanto os civis tentaram, sem sucesso, que um juiz os autorizasse a efectuar escutas.
O material acabou mesmo por ser roubado por um traficante de droga e armas, que mais tarde se viria a arrepender da proeza, por causa da repercussão que o caso ganhou. Para negociar a devolução das armas e explosivos, o ex-fuzileiro contactou um soldado da GNR de Loulé, velho companheiro de armas, que por seu turno tinha a chefiá-lo um sargento com conhecimentos na Judiciária Militar do Porto.
O plano montado passava por fazer uma chamada anónima para o piquete da Judiciária Militar a revelar onde se encontravam as armas. E foi isso que sucedeu a 18 de Outubro de 2017: em colaboração com os guardas de Loulé, os inspectores militares recuperam tudo, à excepção de munições que o traficante entretanto já tinha vendido. O autor do furto, esse ficou descansado: os militares tinham cumprido a sua palavra e não o incomodaram.
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