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Sim, Angola está a mudar. Ainda no sábado, em entrevista ao Expresso, Augusto Santos Silva insistia que “é preciso ter bem consciência da mudança que ocorre em Angola”. João Lourenço bem o prometeu, mas poucos, se alguém, apostaria no que está a acontecer.
José Filomeno dos Santos, filho do outrora todo-poderoso José Eduardo dos santos, está desde ontem em prisão preventiva. Acusação: associação criminosa, falsificação, tráfico de influências, burla, peculato e branqueamento de capitais. Os crimes de que “Zenu” é acusado referem-se ao período em que presidiu ao Fundo Soberano de Angola (FSA), entre 2012 e janeiro de 2018, quando foi exonerado pelo atual chefe do Estado Angolano.
Gustavo Costa, o correspondente do Expresso em Luanda, escreve que José Eduardo dos Santos sofreu ontem “o mais duro golpe da sua vida” - e menos de quinze dias depois de ter sido efetivamente afastado do poder. “Profundamente abalado com esta notícia, está a ter um fim inglório”, disse ao Expresso um antigo companheiro de "Zédu".
Desde o início do ano que se apertava o cerco sobre o filho varão do ex-Presidente. Apesar disso, Cândida Pinto, que conhece bem Angola, confessa a "surpresa" ao ver "João Lourenço e a Justiça angolana a ir muito veloz nas suas ações". Pode ser um ajuste de contas, depois de décadas de reinado absoluto. Pode ser só a destruição de uma elite, para promoção da seguinte. Mas pode bem ser outra coisa. Será que Angola é nova?
"Zenu", cinco anos mais novo do que Isabel dos Santos, é um dos dez filhos do antigo homem-forte de Luanda. Conheça-os aqui. Mas para saber melhor quem é o protagonista da surpreendente notícia de ontem, vale a pena ler esta história de “Zenu”, investigada pelo Micael Pereira, que foi publicada há dois anos na Revista do Expresso.
José Filomeno dos Santos, filho do antigo presidente de Angola José Eduardo dos Santos, foi alvo de uma medida de prisão preventiva esta segunda-feira.
A detenção surge na sequência das acusações de associação criminosa, falsificação, tráfico de influências, burla, peculato e branqueamento de capitais formuladas pelo Ministério Público e conhecidas na passada sexta-feira.
Os crimes de que José Filomeno dos Santos é acusado referem-se ao período em que desempenhou o cargo de presidente do Fundo Soberano de Angola (FSA), de 2012 a janeiro de 2018, quando foi exonerado pelo atual líder angolano João Lourenço. Um dos aspetos em causa na atuação do filho de José Eduardo dos Santos é o processo de transferência irregular de 500 milhões de dólares, cerca de 428 milhões euros, do Banco Nacional de Angola para uma conta aberta num banco britânico com ligações ao FSA.
Em abril, o Governo angolano anunciou que os 500 milhões de dólares foram já recuperados e estavam em posse do Banco Nacional de Angola. “Como resultado das várias diligências encetadas, cumpre-nos levar ao conhecimento público que os 500 milhões de dólares americanos já fora recuperados, estando em posse do BNA”, referiu então um comunicado do Ministério das Finanças angolano.
A QUEDA DE ZENU, AQUELE QUE ESTEVE PARA SER O SUCESSOR DE ZEDU
José Filomeno dos Santos chegou a ser apontado durante algum tempo como o herdeiro provável de José Eduardo dos Santos no cargo de presidente de Angola. Mas, ao ser detido pelas autoridades locais esta segunda-feira, acabou por ser a primeira vítima do acerto de contas que a mudança de regime está a começar a impor à família dos Santos.
Numa entrevista por escrito dada em 2016, a propósito de um longo perfil que a revista do Expresso publicou sobre ele, José Filomeno dos Santos não fugia à pergunta sobre a hipótese de vir a suceder ao pai no cargo de presidente da República de Angola.
“A hipótese a que se refere não faz parte dos meus planos futuros.” Fosse por humildade ou porque essa hipótese já tinha sido afastada na altura de qualquer cenário viável para o pós-José Eduardo dos Santos, o filho do presidente assumia estar afastado dessa corrida mas tinha-se em boa conta.
“Nas vestes de presidente do conselho de administração do Fundo Soberano de Angola (FSDEA), tenho uma tarefa importante e imediata que me foi confiada”, dizia. “É um orgulho para mim e para todos os membros da equipe do FSDEA garantirmos o bom funcionamento desta importante instituição pública nacional. Concretizar este mandato com êxito é a principal realização que desejo alcançar futuramente.”
Mas olhando agora para trás, no dia em que as autoridades de Angola decidiram deter Zenu, como é também conhecido o filho de Zedu, parece que a realidade não podia ser mais distante, já que a detenção de Filomeno tem na base suspeitas de ter cometido crimes de associação criminosa, tráfico de influência, burla e branqueamento de capitais enquanto esteve à frente do fundo soberano.
No perfil que a revista do Expresso publicou no verão de 2016, a história de Zenu cruza-se com o modo como o seu pai foi tomando o poder em Angola e como, nos últimos anos, foram crescendo as dúvidas sobre as suas capacidades de gerir o fundo soberano a partir do momento em que passou a ter como colaborador um gestor suíço, Jean-Claude Bastos de Morais, sempre omnipresente.
Afastado definitivamente do poder há menos de quinze dias, José Eduardo dos Santos sofreu nesta segunda-feira o mais duro golpe da sua vida: a detenção preventiva do seu filho mais velho, José Filomeno dos Santos, antigo Presidente do Fundo Soberano de Angola.
“Profundamente abalado com esta noticia, está a ter um fim inglório”, disse ao Expresso um antigo companheiro de Eduardo dos Santos. Há quase dez anos, numa decisão muito contestada, o antigo Presidente, dono e senhor absoluto do poder, ao disponibilizar dos recursos públicos cerca de 5 mil milhões de dólares para serem geridos pelo filho, estava longe de prever um desfecho tão dramático para a família.
“E este não é o único caso a tirar-lhe o sono”, recorda fonte do Ministério Público para lembrar que ainda há uma semana José Filomeno dos Santos havia sido acusado de estar envolvido em “crimes de associação criminosa, tráfico de influência, burla e branqueamento de capitais” no caso dos 500 milhões de dólares do Banco Nacional de Angola.
Encarcerado agora na cadeia de S. Paulo, Zenú, como também é conhecido, para além de ser novamente acusado, neste caso do Fundo Soberano, de “associação criminosa”, são-lhe imputados pelo Ministério Público crimes ligados “ao recebimento indevido de vantagem, corrupção, participação económica em negócio, peculato, branqueamento de capitais e burla por defraudação” através de um alegado desvio, daquela instituição, de cerca de 3 mil milhões de dólares.
Esse dinheiro terá ido parar às contas de várias empresas do suíço Jean Claude Batos de Morais, que, segundo fonte judicial, terá feito aplicações em beneficio próprio em diversos projetos fantasma.
Com José Filomeno dos Santos foi, por isso, também preso este seu antigo sócio tido como o verdadeiro arquiteto de várias operações financeiras tidas pelas autoridades como altamente lesivas dos interesses do Estado.
“Com uma postura muito arrogante, este suíço foi longe demais ao desafiar a autoridade do Estado com propostas chantagistas absolutamente insustentáveis”, disse ao Expresso fonte do Ministério das Finanças, que acompanha o processo.
Em vésperas de viajar para Espanha, onde deverá submeter-se a consultas médicas, resta agora saber como José Eduardo dos Santos reagirá a mais este duro golpe familiar.
OS FILHOS DE JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS
Isabel dos Santos é a mais conhecida, mas não é a única. Entre os 10 filhos do ex-Presidente, há negócios com Portugal, muita música e até um filho-mistério. Quase todos beneficiam da fortuna do pai.
Nome. Isabel José dos Santos
Idade. 44 anos
Família. Casou em Luanda em 2002 com o colecionador de arte Sindika Dokolo, com quem tem quatro filhos
É a mulher mais rica de África. Nasceu em Baku (Azerbaijão, à altura União Soviética), onde José Eduardo dos Santos estudava Engenharia, e é filha do angolano e da soviética Tatiana Kukanova.
Com a nomeação do pai para o cargo de Presidente de Angola, Isabel ficaria a viver com a mãe em Londres, cidade onde acabou por terminar os estudos em Engenharia (como o pai), mas também em Gestão de Empresas. Com 24 anos, foi para Angola.
O que diz de si própria. Em abril deste ano, deu uma entrevista à BBC onde disse que o facto de ser filha do Presidente angolano lhe traz privilégios, mas também “preconceito”. “Essa coisa de filha do Presidente é um mito”, disse.
O que dizem dela. A revista Forbes chamou-a
“A menina do papá”; o El País “Rainha de África”.
A primeira empresa. Discoteca Miami Beach Club em Luanda, aberta em 1996.
Negócios em Angola. Comprou a Unitel (empresa de telecomunicações) e o Banco de Fomento de Angola. Atualmente, Isabel dos Santos é também acionista do Banco BIC. E a sua influência no país estende-se a outras áreas, como os hipermercados Candando, a hidroelétrica Niara Power ou até a Cruz Vermelha, de cujo ramo angolano é presidente. Inaugurou esta semana a fábrica de cervejas Luandina, da qual é proprietária com o marido.
Negócios em Portugal. Para além do BIC Português, tem participações na Galp e controla a operadora de telecomunicações NOS. A operação mais recente em solo nacional foi a compra de 65% da Efacec, em parceria com a empresa estatal angolana ENDE, de distribuição de eletricidade. Em 2015, o jornal i estimava que o seu investimento em Portugal já ultrapassava os dois mil milhões de euros.
O que ganhou com José Eduardo dos Santos. No final dos anos 90, entrou no negócio dos diamantes, com a sua empresa a beneficiar de um ajuste direto estatal para uma exploração em Camatué. De acordo com o jornal Expresso (disponível para assinantes), Isabel dos Santos terá acumulado um volume de contratos no valor de 6,7 mil milhões de euros com o Estado angolano — seja através de acordos para a construção de barragens (pela Niara Holdings), obras públicas (Urbinveste) ou de relacionamentos das suas empresas com a Sonangol. Isabel dos Santos foi nomeada administradora da petrolífera — e maior empresa estatal de Angola — em junho de 2016.
O que perdeu com João Lourenço.
O cargo de presidente da Sonangol, do qual foi exonerada.
Nome. José Filomeno dos Santos
Idade. 39 anos
Alcunha. Zenu
Família. É casado e tem três filhas
É o segundo filho de José Eduardo dos Santos, fruto da relação com Filomena Sousa, à altura secretária no Governo angolano. Nesse tempo, José Eduardo dos Santos era ministro das Relações Exteriores do Executivo de Agostinho Neto.
Aos 12 anos, de acordo com o jornal Expresso, Filomeno foi viver para Estocolmo com a mãe. Daí seguiriam mais tarde para Londres, tendo Zenu passado toda a adolescência fora de Angola. Foi também em Londres que prosseguiu os estudos: uma licenciatura em Engenharia Eletrónica e um mestrado em Finanças, tirados na Universidade de Westminster. Filomeno regressou a Angola em 2001.
Primeira empresa. Banco Kwanza Invest.
O que dizem dele. Segundo o Expresso, um relatório da agência Stratfor de 2010 — divulgado através da WikiLeaks — caracterizava Zenu como o filho de José Eduardo dos Santos com mais preocupações sociais. “Quando viaja até às províncias, ele faz uma avaliação crítica e rigorosa da situação, às vezes destacando uma certa lentidão ou má-fé das autoridades locais em fazerem o seu trabalho. No regresso partilha essas situações com o pai”, pode ler-se no relatório.
O que ganhou com José Eduardo dos Santos. Para além de mais de 5,3 mil milhões de euros concedidos através de diplomas presidenciais, de acordo com contas do jornal Expresso, em 2012 Filomeno foi sugerido por José Eduardo dos Santos para o cargo de administrador de um fundo soberano que viria a ser criado.
No ano seguinte, quando tinha 35 anos, subiria a presidente desse mesmo Fundo, o que provocou uma série de críticas. “É na base do compromisso com a transparência e com as melhores práticas de governance que esta nomeação foi feita”, defendeu-se na altura ao Financial Times, acrescentando que seria melhor avaliarem a performance do Fundo do que “darem palpites sobre coisas que não aconteceram”.
“A minha nomeação não tem nada a ver com uma campanha política de espécie alguma”, acrescentou à Reuters.
O Fundo acabaria por se ver envolto em polémica.
Em 2016, foi mencionado nos Panama Papers como sendo um possível veículo para lavar dinheiro. Recentemente, voltou a ser apontado como estando possivelmente na origem de uma série de ilegalidades, nos Paradise Papers. Filomeno não se tem pronunciado sobre estas matérias. Na verdade, muito pouco se ouve publicamente da boca do filho varão de José Eduardo dos Santos, que em tempos foi apontado como possível sucessor político do pai.
O que perdeu com João Lourenço. A imprensa angolana avançava que Zenu ia demitir-se do fundo soberano, mas essas notícias foram, desmentidas. Para já, Zenu fica, mas há muitas indicações de que poderá ser exonerado.
Tchizé dos Santos, a política
Nome. Welwitschia dos Santos
Alcunha. Tchizé
Idade. 39 anos
Família. Casada com o engenheiro agrónomo português Hugo Pêgo. Tem um filho de 10 anos e uma filha de três.
Tchizé é a filha mais velha de José Eduardo e de Maria Luísa Abrantes.
“Sou uma pessoa que não gosto de pertencer a grupos, não gosto, não tenho espírito de gangue, não tenho espírito de gueto, e tenho as minhas próprias ideias e defendo-as.”
“Querem-me sujar mas o povo me conhece.”
Negócios em Angola. É acionista da Semba Comunicações, produtora fundada pelo seu irmão mais novo, José Eduardo Paulino dos Santos.
É acionista maioritária da diamantífera Di Oro.
Negócios em Portugal. É dona de 30% da empresa portuguesa Central de Frutas do Painho, da região do Cadaval, onde nasceu o seu marido, segundo revela o Jornal de Negócios. Atualmente, Tchizé está a ser investigada pelo Ministério Público português por suspeitas de branqueamento de capitais.
O que ganhou com José Eduardo dos Santos. Através da Semba, Tchizé sempre beneficiou de uma série de contratos públicos, através de campanhas de marketing e, sobretudo, da gestão da Televisão Pública de Angola (TPA). O Maka Angola estima que esses contratos, só em 2016, renderam cerca de 87 milhões de euros à empresa de Tchizé e do irmão. Para além disso, a sua diamantífera Di Oro recebeu no passado uma licença de prospeção inserida num consórcio, dada por decreto presidencial. A multinacional brasileira Odebrecht também fazia parte desse consórcio, de acordo com o site do jornalista Rafael Marques, Maka Angola.
O que perdeu com João Lourenço. Os contratos entre a Semba e o Estado angolano para a gestão da TPA Internacional e do Canal 2
Extravagância. Tchizé é a filha de José Eduardo dos Santos mais envolvida na política. De acordo com a própria, participou em acampamentos de pioneiros do MPLA desde os cinco anos de idade. Em 2008, foi eleita deputada, com 28 anos, e é atualmente membro do comité central do MPLA. É também presidente do Sport Luanda e Benfica.
Nome. José Eduardo Paulino dos Santos
Alcunha. Coréon Dú
Idade. 33 anos
Família. Não é casado, nem tem filhos
É o segundo filho da relação de José Eduardo dos Santos com Maria Luísa Abrantes, e considera-se o artista da família. Viveu em Lisboa em casa dos avós, enquanto criança, numa tentativa da família de o afastar da Guerra Civil que ainda decorria em Angola, e viveu depois com a mãe nos Estados Unidos. Licenciou-se em Comunicação Social pela norte-americana Universidade de Loyola e prosseguiu os estudos em Londres, focando-se em Dança e Teatro. Regressou depois a Angola, onde prosseguiu a carreira de artista, com o nome de Coréon Dú.
O que diz de si próprio. “Infelizmente, para mim [ser filho de José Eduardo dos Santos] cria mais impedimentos do que abre portas, sobretudo por estar no ramo criativo. Acham que não tenho integridade artística ou que sou um socialite aborrecido em busca de algo.”
A primeira empresa. Semba Comunicação.
Negócios em Angola. A produtora Semba Comunicação, fundada em 2006, produtora responsável por sucessos como a novela Windeck (que foi transmitida em Portugal) e o documentário I Love Kuduro (que passou em Portugal, exibido no festival DocLisboa).
É ainda acionista da Di Oro, a diamantífera da irmã Tchizé, com 10% de participação.
Negócios em Portugal. É sócio da Masemba (fruto de uma parceria entre a Semba e a produtora Até ao Fim do Mundo), que em 2013 comprou as revistas Lux, Lux Woman e Revista de Vinhos à Prisa. A Masemba chegou também a deter a revista Cristina, mas essa parceria chegou ao fim este ano.
O que ganhou com José Eduardo dos Santos.
A Semba assinou uma série de contratos com o Estado angolano durante a presidência do pai de Coréon Dú, alguns para campanhas de marketing e, mais relevante, o contrato para gerir a TPA Internacional e o Canal2.
O Maka Angola estima que só no ano passado os contratos com a TPA renderam à Semba cerca de 50 milhões de dólares.
O que perdeu com João Lourenço. O contrato assinado entre a Semba e o Estado angolano para gerir os canais da televisão pública.
Nome. José Avelino Gourgel dos Santos
Alcunha. Joess
Idade. 29 anos
Família. Não se lhe conhece mulher ou filhos.
José Avelino é o único filho de José Eduardo dos Santos com Maria Bernarda Gourgel. Segundo o Maka Angola, também estudou no Reino Unido, na Universidade de Oxford Brookes.
A primeira empresa. Neosol Investimentos.
Negócios em Angola. Em 2016, a Neosol Investimentos tornou-se sócia da Angoplaste Limitada, de que José Avelino se tornou gerente em junho do mesmo ano.
O que ganhou com José Eduardo dos Santos. De acordo com o Maka Angola, a Angoplaste tem um contrato assinado com o Estado angolano em 2016 para a construção de uma fábrica de plásticos na China. Para além disso, o contrato prevê uma série de apoios estatais, definidos por decreto presidencial. De acordo com o Maka, trata-se de benefícios fiscais, como a “isenção do pagamento de Imposto Industrial por 3 anos” ou a “isenção de pagamento de Imposto de Sisa”.
O que perdeu com João Lourenço. Por enquanto, nada indica que o contrato da Angoplaste tenha sido revogado
Extravagância. É baterista na banda de rock Trinity Nova
Nome. Eduane Danilo dos Santos
Idade. 26 anos
Família. Em setembro de 2016, a imprensa noticiou que iria ser pai de uma criança da companheira Brenda Costa, com quem mantém uma relação há seis anos.
Eduane foi o primeiro filho do casamento entre José Eduardo dos Santos e a antiga hospedeira Ana Paula dos Santos, sua atual mulher. De acordo com o Club-K, Danilo passou pelo Brooke House College, no Reino Unido, e estuda atualmente na Richmond University em Londres.
O que diz sobre si próprio. “Podemos às vezes não ser compreendidos de maneira correcta, e as nossas ações tiradas fora de contextos, e deturpadas, mas acreditem que do meu lado, de tudo faço para ajudar a melhorar a qualidade de vida dos angolanos, e sempre com amor e respeito ao meu próximo.”
O que dizem sobre ele. “Eles parecem ser demasiado jovens para terem 500 mil euros”, disse o ator Will Smith, quando Eduane e a mulher subiram ao palco para levantar o relógio desse mesmo valor que compraram num leilão de caridade.
Negócios em Angola. É um dos acionistas maioritários do Banco Postal de Angola, constituído em setembro de 2016, de acordo com a Visão, em parceria com o amigo Ides Jackson Kussumua (filho do primeiro secretário do MPLA, João Baptista Kussumua), representados por duas sociedades — a EGM Capital e a C8 Capital.
O que ganhou com José Eduardo dos Santos.
O Banco Postal de Angola, criado em setembro de 2016, é também propriedade do Estado, que detém metade da participação através do Ministério da Tecnologia, do Banco BCI e dos Correios de Angola. Está também ligado à empresa Switchcom, de telecomunicações, que estaria a tentar levar a Vodafone para Angola. Tem ainda 15% de participação no Deana Day Spa, que pertence à sua mãe.
Nome. Joseana Lemos dos Santos
Idade. 23 anos
Família. Joseana é a segunda filha da relação de José Eduardo dos Santos com Ana Paula Santos. Casou-se em abril deste ano com Ricardo Abrantes (sobrinho da ex-companheira de José Eduardo dos Santos, Maria Luísa Abrantes) e está grávida do seu primeiro filho.
Negócios em Angola. Tem uma participação minoritária no Banco Postal de Angola e outra no Deana Day Spa
Nome. Eduardo Breno Lemos dos Santos.
Idade. 19 anos.
Família. É o terceiro filho da união entre José Eduardo dos Santos e Ana Paula Santos.
Negócios em Angola. Tem uma participação minoritária no Banco Postal de Angola e outra no Deana Day Spa.
Nome. Houston Lulendo Lemos dos Santos.
Idade. 16 anos.
Família. É o quarto filho da união entre José Eduardo dos Santos e Ana Paula Santos.
Negócios em Angola. Tem uma participação minoritária no Banco Postal de Angola com os irmãos.
Nome. Josias dos Santos.
Família. No livro Segredos e Poder do Dinheiro, do português Filipe S. Fernandes, Josias é mencionado como filho de José Eduardo dos Santos e “Eduarda, conhecida por Dadinha”. Em 2009, o Club-K garantia que Josias era à altura estudante numa universidade inglesa, o que não destoaria do percurso da maioria dos seus filhos. Não se sabe mais nada dele.
Pouco importava se ninguém sabia muito bem quem ele era até ser nomeado, em 2012, administrador do Fundo Soberano de Angola. O filho do Presidente não era ainda capa de revistas, mas nos círculos do poder em Luanda já existia há uns anos a ideia de que era dali que viria o futuro do país. Pelo menos desde 2007, quando uma primeira referência ao seu nome surgia em Portugal, num artigo do jornal “Público” precisamente sobre a ascensão de Isabel, em que era escrito que “a sucessão política” estava “orientada para o seu irmão, José Filomeno dos Santos”. Formada em Londres, onde adquirira experiência a trabalhar em multinacionais, em 2007, Isabel dos Santos estava a crescer como empresária, vendendo a ideia de que era não só independente do pai mas também uma seguidora fiel das regras do direito privado europeu. Com ela seria by the book. Não iria misturar as coisas, passaria bem sem ocupar cargos públicos. A cadeira da Presidência não era o seu campeonato.
A ideia foi amadurecendo. O rapaz podia ter o perfil para o que era preciso: contentar os pobres, contemporizar os ricos. Num relatório confidencial sobre o potencial sucessor do Presidente de Angola, produzido em maio de 2010 pela agência de intelligence norte-americana Stratfor e mais tarde publicado na íntegra pela organização de fugas de informação WikiLeaks, José Filomeno era retratado como o único dos filhos de José Eduardo dos Santos que parecia preocupar-se com a situação social do país: “Quando viaja até às províncias, ele faz uma avaliação crítica e rigorosa da situação, às vezes destacando uma certa lentidão ou má-fé das autoridades locais em fazerem o seu trabalho.
No regresso partilha essas situações com o pai, o que tem reforçado o seu papel de fonte de informação do chefe de Estado.”
O interesse da Stratfor, uma fonte de informações de relevo para multinacionais e para o Governo norte-americano, especializada em identificar oportunidades e riscos em todas as zonas do globo, era o reflexo da importância que já era dada ao jovem José Filomeno dentro e fora de fronteiras.
A maior parte da informação relatada pela Stratfor vinha originalmente do Clube K, um site de notícias fundado em 2000 que se assumiu desde o início como um órgão de comunicação independente vocacionado para denunciar abusos de poder e corrupção em Angola, editado a partir dos Estados Unidos, Portugal, Holanda, França, Alemanha e Brasil por angolanos expatriados. Eram eles que diziam que o filho mais velho do Presidente angolano era uma pessoa atenta. E um homem educado.
“Porta-se como um cavalheiro”, escreveu o Clube K no seu site, no texto que foi apropriado pela Stratfor. “Quando vai à padaria comprar pão, saúda as pessoas, mesmo as que não conhece. É capaz de dar prioridade às senhoras. Quem com ele se cruza, sobretudo os jovens, acaba por ter a impressão de que é uma figura simples e bastante educada, que nem parece ser filho de quem é.”
José Filomeno dos Santos fez então o que era esperado. Em 2012, logo a seguir às eleições gerais ganhas pelo pai com 72% dos votos, no primeiro confronto direto com eleitores em 20 anos, surgiu a nomeação do filho varão como administrador de um novo fundo soberano, há muito anunciado, capaz de garantir o futuro de Angola, tornando o país menos dependente do petróleo. “Zenu”, a alcunha do jovem financeiro, estava a dar o passo aparentemente certo para vir a ser o legítimo herdeiro de “Zedu”.
O Fundo Soberano de Angola, também designado FSDEA, com ativos iniciais de 5 mil milhões de dólares, foi lançado oficialmente a 17 de outubro desse ano.
O primeiro comunicado da nova entidade dizia que o objetivo era “promover o desenvolvimento socioeconómico do país e criar património para as gerações futuras”. Falava de uma “carta social” e de “grandes desafios sociais”, como o acesso do povo a água potável ou a serviços de saúde. O secretário presidencial para os assuntos económicos e antigo diretor nacional do Tesouro, Armando Manuel, era empossado como presidente, tendo “Zenu” e um outro jovem gestor, Hugo Gonçalves, como administradores. Armando Manuel afirmava que o Fundo iria “assegurar uma receita financeira e uma receita social elevadas”.
O próprio José Filomeno era citado a realçar a criação de “oportunidades com um impacto positivo na vida atual de todos os angolanos” — agricultura, distribuição de água e eletricidade, transportes.
Numa entrevista ao “Diário Económico”, publicada no dia seguinte, José Filomeno dizia que o Fundo continuaria “a ser alimentado pelas receitas da venda de barris de petróleo”. Numa notícia do Expresso, Armando Manuel assumia que o ritmo de injeção de dinheiro no Fundo iria ser de 100 mil barris de petróleo por dia, o equivalente na altura a 3,5 mil milhões de dólares por ano. Essas contas eram repetidas pelo próprio “Zenu”, em declarações também ao Expresso, em que aproveitava para reforçar a sua veia social: o grande objetivo “era melhorar cada vez mais a vida da população em geral e, deste modo, ir reduzindo as assimetrias”.
Além disso, tudo iria ser feito de forma transparente, de acordo com um novo comunicado divulgado dois meses depois, para que o “povo angolano” pudesse monitorizar o progresso do programa de investimentos. “O nosso plano é trazer um crescimento socioeconómico para todos”, sublinhou José Filomeno dos Santos ao “Financial Times”. “Não é trazer um crescimento para certos indivíduos em particular.”
A ambição era grande. E a tentação também. Num país em que 95% das exportações são petróleo e a produção diária andava nos 1,5 milhões de barris em 2012, 100 mil barris eram 7% do bolo.
O projeto tinha a cara do filho varão. Em seis meses houve um salto rápido. Com apenas 35 anos, “Zenu” passava de administrador a presidente do Fundo. A 21 de junho de 2013 era anunciada a sua súbita promoção. O pai tinha resolvido fazer uma pequena remodelação governamental. Tirou a pasta das Finanças a Carlos Alberto e deu o cargo a Armando Manuel, ao mesmo tempo que corria com o ministro da Construção, Fernando Fonseca.
A jogada política provocou alguma agitação.
O grupo parlamentar Convergência Ampla de Salvação de Angola, a CASA, pediu ao Tribunal Constitucional para que anulasse o decreto presidencial que tinha criado o Fundo, uma vez que essa iniciativa teria de ser aprovada pela Assembleia da República, mas os juízes não lhe deram razão. Citado pelo serviço público internacional de televisão e rádio alemão, Deutsche Welle, o diretor da organização não-governamental angolana Open Society, Elias Isaac, explicava que o problema não se prendia com o facto de existirem “mecanismos institucionais do Estado que vão verificar se os objetivos deste Fundo estão a ser cumpridos ou não”, mas sim com o facto de em Angola já terem sido “constituídos outros fundos que foram à falência”.
E o Governo, concluía o ativista, nunca tinha chamado ninguém à responsabilidade.
Daí a importância do envolvimento do Parlamento.
Não havia como voltar atrás. O Presidente decidira. Calado, de pose reservada e introspetivo como o pai, mas com uma atitude mais sensível, viria mesmo “Zenu” a ser o novo “Zedu”?
SEMPRE EM TRÂNSITO
José Filomeno de Sousa dos Santos nasceu a 9 de janeiro de 1978 em Luanda, quando o pai era ministro das Relações Exteriores do Governo do então Presidente Agostinho Neto. José Eduardo dos Santos tinha casado com uma russa que conhecera na universidade em Baku, no Azerbaijão, na época em que aquele país fazia parte da União Soviética. Com a independência de Angola, em 1975, Tatiana Kukanova viera com o marido e com a pequena Isabel, então com dois anos, instalando-se no Bairro Alvalade.
Mas “Zedu” não aguentou o casamento durante muito tempo e em 1977 já se tinha envolvido com a sua secretária no Ministério. Filha de pai cabo-verdiano e mãe angolana, Filomena de Sousa — “Necas” como sempre foi conhecida entre amigos e familiares — tinha estudado na escola comercial Vicente Ferreira antes de começar a trabalhar para o Governo. E antes de se apaixonar pelo jovem ministro, então com 35 anos.
José Eduardo dos Santos e “Necas” não chegaram a casar. Nem a viver juntos. Com a morte de Agostinho Neto e a sua ascensão a líder do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e, por inerência, a Presidente do país, “Zedu” iria, de qualquer modo, garantir que nada faltaria a nenhum dos seus sucessivos núcleos familiares, à medida que ia tendo filhos de diferentes mulheres.
José Filomeno passou os primeiros anos de vida na rua Porto Alexandre, perto do mercado do Bairro Popular, na casa dos avós maternos. A mãe vira-se obrigada a deixar de morar sozinha, em Vila Clotilde (hoje Vila Alice), para ter ajuda na educação e nas rotinas diárias da criança.
Para todos os efeitos, o miúdo foi assumido pelo pai. Quando frequentou a escola Ngola Kanini, antiga João Crisóstomo, no quarteirão da escola portuguesa e do liceu francês de Luanda, e mais tarde, quando se transferiu para o estabelecimento do ensino secundário Juventude em Luta, logo ali ao lado, ia e vinha num Mercedes fornecido pela Presidência, acompanhado sempre de dois guarda-costas.
Os antigos colegas de carteira recordam-se dele como um rapaz “muito recatado”. Tirando a sua condição especial de ser filho de quem era, não dava nas vistas. Com a vida mais estabilizada, a mãe mudou-se para a rua Comandante Stona, nos arredores do Bairro Alvalade, e acabou por casar com um antigo militar das FAPLA, o exército do MPLA, de quem viria a ter mais duas crianças.
Ao mesmo tempo que assegurava uma boa educação formal para o filho varão, José Eduardo dos Santos parecia querer manter à distância a ex-companheira, à medida que a sua vida sentimental ia ficando cada vez mais complicada. Ainda na primeira metade da década de 80, Zedu viu nascer mais dois herdeiros, Welwitschea — ou Tchizé — e o músico José Paulino, que viria a adotar o nome artístico de Coréon Dú. Ambos eram fruto de uma relação iniciada com uma terceira mulher, Maria Luísa Abrantes. Considerada como uma “personalidade extravagante” nos círculos sociais, “Milucha” Abrantes, que até há pouco tempo foi presidente da extinta Agência Nacional de Investimento Privado, ficou célebre por ter feito um escândalo na rua ao cruzar-se com “Necas”. Um episódio que seria contado e recontado em Luanda.
“Milucha” e “Necas” estavam a criar os filhos do Presidente, cada uma no seu bairro, mas a cidade estava a ficar pequena. E ficou ainda mais pequena quando José Eduardo dos Santos teve um quinto filho, em 1988, José Avelino, com uma quarta mulher, vindo finalmente a casar-se com uma quinta mulher, Ana Paula Lemos, uma hospedeira do avião presidencial que subiria ao altar em maio de 1991, grávida de cinco meses de Eduane Danilo.
Por esta altura, quando fez 12 anos, “Zenu” deixou a escola Juventude em Luta e foi viver para Estocolmo, depois de a mãe ter sido nomeada de forma aparentemente oportuna como secretária para os assuntos económicos na embaixada angolana na Suécia, acompanhando-a mais tarde na mudança de posto para a embaixada em Londres, a cidade para onde também tinha ido Tatiana com Isabel. “Milucha” fora entretanto com os filhos para os Estados Unidos.
O ambiente, apesar da guerra civil em curso, desanuviara em Luanda, na guerra emocional do líder do MPLA.
Em Londres entrou para a Universidade de Westminster, de onde saiu com uma licenciatura em Engenharia Eletrónica e um mestrado em Finanças e Gestão de Sistemas de Informação. Nos tempos livres aprendeu a tocar piano. Gostava muito de música. Foi nesse período, numa das vindas de férias a Luanda, que conheceu Maíra Fernandes. Segundo o perfil traçado pelo Clube K, “Zenu” “arranjou uma bolsa para a namorada pela Sonangol” e em 1997 ela “seguiu para Inglaterra”.
Depois de o cadáver de Jonas Savimbi, o líder da UNITA, o partido rival do MPLA, ser exibido na televisão, em 2002, anunciando o fim da guerra civil, José Filomeno dos Santos estava pronto para regressar de vez a casa. Após o casamento com Maíra, em 2004, foi morar para o Bairro Alvalade, não muito longe de onde passara a infância, e começou a acumular casas na capital angolana, duas, três, quatro. Uma delas na praia.
O primeiro emprego na AAA, a seguradora da Sonangol, durou até 2005. Foi quando decidiu experimentar o sector privado, seguindo o exemplo de um jovem empresário, Mirco Martins, enteado de Manuel Vicente de quem se tornara muito amigo em Inglaterra, quando ambos estudavam Engenharia Eletrónica, embora em diferentes cidades.
Começou num escritório pouco sofisticado e meio escondido nas imediações da Livraria Lello, o antigo largo da pastelaria e café Gelo, perto da marginal que abraça a baía de Luanda. Terão sido aí as primeiras reuniões da consultora Quantum Global, a ‘progenitora’ do Banco Quantum Invest, o seu primeiro projeto no mundo da finança. E foi aí que conheceu o homem com quem passou a fazer parcerias — um gestor e empresário com ligações a Cabinda, uma eventual ascendência portuguesa e detentor de dupla nacionalidade, suíça e angolana. Jean-Claude Bastos de
Morais tornou-se omnipresente na sua vida.
Embora na biografia que publicou no site pessoal, Jean-Claude diga que fundou a Quantum Global em 2003, o site oficial do grupo afirma que a primeira das várias companhias que o empresário tem vindo a criar foi fundada somente em 2007. Era a Quantum Global Wealth Management, que em 2012 viria a transformar-se na Quantum Global Investment Management, com dupla sede: na Suíça e em Angola. Quando isso aconteceu — a mudança de nome — já Jean-Claude e “Zenu” tinham fundado juntos o Banco Quantum, o primeiro banco de investimento em Angola, rebatizado, em 2010, Bank Kwanza Invest.
Rafael Marques, o jornalista mais conhecido de Angola e o mais temido pelo regime, não perdeu tempo e logo em dezembro de 2012 aprofundou o passado de “Zenu”, analisando a situação num longo artigo. A Quantum Global já estava a gerir fundos de milhares de milhões de euros para o Banco Nacional de Angola e, embora na data de lançamento do Fundo o filho do Presidente tivesse dito que iria vender a sua participação acionista no Bank Kwanza, um jornal sul-africano, o “Mail & Guardian”, publicou uma entrevista em que José Filomeno dizia em contrapartida que a Quantum Global estava a gerir temporariamente a carteira de investimentos da nova entidade, até se poder abrir um concurso público para isso.
Algo estava mal explicado. O gestor desligava-se do seu antigo negócio por um lado, desfazendo-se das ações que podiam provar que era dono de um grupo privado, mas mantinha a relação com as empresas e os seus ex-sócios de uma outra forma? Como ter a garantia de que não iria usar testas de ferro para continuar como acionista oculto da Quantum e do Bank Kwanza.
Seria mesmo verdade que aquele jovem sensível às “assimetrias” entre os angolanos ricos e os angolanos pobres tinha estofo para guiar o país no futuro?
O primeiro sinal de que as coisas podiam não ser assim tão promissoras de uma nova era com a subida do filho ao poder surgiu numa notícia publicada pelo Expresso logo em junho de 2013, dias depois de ter sido nomeado presidente do Fundo. “Após um prolongado impasse, que se arrastou por mais de 30 meses, a compra de 90% da Escom, empresa do grupo Espírito Santo, deverá estar finalmente concluída nos próximos dias”, dizia a notícia. “O comprador será o Fundo Soberano de Angola, agora presidido por José Filomeno dos Santos, filho do Presidente angolano.”
O dinheiro da reserva destinada a criar novas fontes de receita para o futuro era, afinal, um instrumento para resolver negócios pendentes?
No Governo acreditou-se que o Fundo iria ocupar por direito próprio o espaço que tinha sido até então um território da Sonangol — de onde acabara de sair Manuel Vicente, o peso mais pesado do regime de Angola, ao ter acumulado o poder de gerir a maior empresa pública do país com a diversificação dos ativos da petrolífera fora da esfera do sector energético e dos limites físicos do país. Talvez os ministros adivinhassem o que iria na cabeça de José Eduardo dos Santos. De que era por ali, e não pela Sonangol, que o dinheiro a sério passaria a jorrar. “A saída da Sonangol do negócio [da Escom] corresponde a uma alteração significativa da política de investimentos de Angola”, escrevia o Expresso. “Com a criação do Fundo Soberano, este passa a ser o principal instrumento do Governo para a realização de grandes operações financeiras dentro e fora do país.”
Para aliviar a pressão provocada pelos comentários cada vez mais sonoros de que o pai o tinha colocado como líder do Fundo de modo a abrir-lhe a porta da sucessão, “Zenu” tentou rebater essa ideia na imprensa. “A minha nomeação não tem nada a ver com uma campanha política de espécie alguma”, disse o delfim à Reuters, uma agência de notícias global.
Queria que toda a gente o ouvisse. Era por causa do seu currículo que ele estava onde estava. “Passei a maior parte da carreira no sector financeiro, tanto na banca como nos seguros, a fazer avaliações de investimento semelhantes às que estamos a fazer.”
A justificação de que subiu exclusivamente por mérito deu a deixa para o “Financial Times” esmiuçar o assunto. Era provavelmente o mais novo no mundo à frente de um fundo soberano. E não vinha carimbado para o lugar com uma formação nas melhores escolas de gestão, porque Westminster é apenas a 100ª melhor universidade inglesa, num ranking de 127. Tirando a hipótese de ter ido para o cargo por via sanguínea, sobrava então o argumento da experiência profissional. “A biografia do senhor dos Santos diz que antes de ser nomeado para o Fundo Soberano de Angola trabalhou em várias indústrias, incluindo trading, seguros e banca e ‘ocupou cargos’ na Glencore [multinacional anglo-suíça]. Verificou-se que a experiência do senhor dos Santos na Glencore estava relacionada com um estágio através da Sonangol — a petrolífera do Estado angolano — que durou entre três e seis meses no final dos anos 90. Ninguém na Glencore conseguiu confirmar que tivesse tido um emprego lá.”
Para o bem e para o mal, agora era uma figura pública. Tudo poderia ser usado contra si. A rádio Voz da América contava como um amigo de “Zenu” tinha sido detido no sul de França quando viajava de carro, a caminho do Mónaco, com três milhões de euros na bagageira. Ia acompanhado por um funcionário do general Bento Kagamba — o controverso homem de negócios casado com uma sobrinha do Presidente, que o Ministério Público brasileiro investigou por ter montado um esquema com prostitutas de luxo entre São Paulo, Lisboa e Luanda. O amigo disse às autoridades francesas que só 100 mil euros é que eram dele. Segundo o “Maka Angola”, o site de Rafael Marques, o amigo era o principal sócio do filho do Presidente para os negócios imobiliários.
UM FUNDO SEM FUNDO
A compra da Escom tal como tinha sido noticiada não chegou a acontecer, mas o episódio mostrava que talvez “Zenu” fosse facilmente permeável à forma habitual de gerir o dinheiro em Angola. Cedo a realidade se instalou no novo gabinete ocupado pelo jovem gestor de topo. Em novembro de 2013, depois de um primeiro ano em que o Fundo perdeu os primeiros 4,8 milhões de dólares, José Filomeno dos Santos formalizava um contrato com o grupo Quantum Global, “mediante o qual esta entidade deverá atuar como gestor de investimento com relação aos dinheiros e propriedades que lhe sejam designados, de tempos em tempos, pelo FSDEA, todos os investimentos e reinvestimentos feitos com esses dinheiros e propriedades e as receitas dos mesmos e todos os ganhos e lucros dos mesmos resultantes”.
Até hoje, o Fundo Soberano de Angola publicou dois relatórios anuais. Só em 2014, de acordo com o mais recente desses relatórios, divulgado há um ano, José Filomeno decidiu pagar 117 milhões de dólares em contratos feitos com seis consultoras, três delas diretamente relacionadas com o grupo Global Quantum, que cobraram 75 milhões de dólares.
Tirando as companhias facilmente identificadas com a Global Quantum, na lista surge ainda uma Stampa CG, a quem foram pagos 17 milhões. Sem referências na internet, trata-se de uma companhia incorporada no Chipre, em outubro de 2013. E que tem como administrador Jean-Claude Bastos de Morais. Uma outra empresa, a Tomé International AG, que recebeu 20 milhões do Fundo, foi fundada na Suíça em maio de 2012 como consultora especializada em energias alternativas, tendo sido comprada em dezembro de 2013. Nos registos comerciais suíços consta uma mudança de morada em janeiro e 2014.
A empresa transferiu-se de cidade, de Baar para Zug, e ficou a 900 metros de distância da Quantum Global. No site oficial da Tomé International, onde passou a vir escrito que a consultora tem experiência em gerir “o desenvolvimento de infraestruturas críticas e de larga escala em todo o mundo” e que esses projetos vão da América do Sul à Europa e a África, nada diz sobre a sua estrutura acionista. Mas nos contactos, além da sede em Zug, também vem um endereço em Luanda, uma caixa postal na rua Comandante Gika. A mesma rua onde fica a sede do banco da Global Quantum.
Nem a consultora de recursos humanos contratada para dar uma ajuda no recrutamento de pessoas para o fundo escapou a esta lógica fechada. A Uniqua Consulting GmbH, que recebeu 5,8 milhões de dólares pela consultoria prestada em 2014, era até fevereiro deste ano propriedade da Quantum Global. Sendo que nos últimos quatro meses passou a ser detida por uma empresa com sede em Chipre, a Varintia Holding Limited. Cujo administrador é Jean-Claude Bastos de Morais.
Todas as seis consultoras contratadas pelo Fundo têm, pois, Jean-Claude por trás. Ou seja, dos 121 milhões de dólares pagos em consultorias, em 2014, 117 milhões foram parar ao amigo e antigo sócio de “Zenu”. Uma outra sociedade da Global Quantum recebeu, além disso, um adiantamento de 7,2 milhões de dólares, a propósito de um contrato assinado em maio de 2014. Eram as duas primeiras prestações para uma consultoria no valor de 11,6 milhões e com a duração de três anos que “visa o desenvolvimento de um modelo econométrico para simulação de aspetos da economia nacional que permita aos economistas especialistas do Fundo compreenderem de forma eficaz os processos fundamentais que afetam a economia nacional”.
Por cima desses valores todos, houve ainda 23 milhões de dólares atribuídos pelo Fundo a uma organização chamada African Innovation Foundation (AIF) “para o financiamento de projetos de cariz social”, sendo que foram pagos 11 milhões à cabeça. “Os acordos de doação celebrados entre as partes preveem a realização de um total de dez projetos no âmbito do Programa de Impacto Social para Angola, o qual será coordenado pela AIF. No âmbito dos acordos de doação celebrados entre as partes, a AIF disponibilizará ao Fundo relatórios de atividades semestrais e anuais sobre cada um dos projetos a desenvolver.” Esses relatórios não estão, no entanto, publicados pelo Fundo. E quem é que está por trás da African Innovation Foundation? Jean-Claude Bastos de Morais.
“Tudo o que sai da cabeça de ‘Zenu’, sai da cabeça de Jean-Claude”, acredita Rafael Marques. O antigo sócio de José Filomeno no Bank Kwanza Invest considera-se, ele próprio, uma “máquina de ideias”, chegando a assumir-se numa entrevista a um jornal suíço como “o cérebro” do Fundo Soberano de Angola, o homem que deu a ideia para que ele fosse criado.
Independentemente de quem foi a ideia, o certo é que num ano, em vez de aumentar de valor, o Fundo perdeu 157 milhões de dólares. Pela pouca informação que existe, até ao final de 2014, o Fundo tinha 2,7 mil milhões aplicados em obrigações e títulos do tesouro, sendo que a maioria desse dinheiro serviu para comprar títulos com maturidades superiores a um ano. Menos de 280 milhões de euros foram jogados na bolsa.
Tudo somado, 3 mil milhões de dólares de capital investido deram 15,6 milhões de proveitos.
Ou seja, tiveram 0,52% de rentabilidade, apesar de todo o dinheiro extra gasto em consultorias de gestão. E nunca entrou um barril de petróleo a mais que fosse das receitas do Estado desde que o Fundo foi lançado.
Em abril deste ano, os ‘Panana Papers’, a maior fuga de informação de sempre, levaram uma rede africana de centros de jornalismo de investigação, a ANCIR, a publicar no Expresso e noutros jornais um artigo onde se revelava os bastidores das relações entre “Zenu” e Jean-Claude com um ex-diretor da Quantum Gobal e atual diretor do Bank Kwanza, Marcel Krüse, e com Ernst Welteke, administrador de ambas as entidades e ex-presidente do banco central alemão, o Bundesbank, de onde foi forçado a demitir-se.
O artigo abordava o pagamento do Fundo de Soberano de Angola numa única transação de 100 milhões de dólares a uma empresa chamada Kijinga, bem como outros pagamentos a companhias em paraísos fiscais criadas pela operadora de offshores Mossack Fonseca, cujos beneficiários finais estão ainda por descobrir.
“O sistema estabelecido pelos arquitetos responsáveis pelo FSDEA e o Banco Kwanza é um esquema perfeito”, escrevia o ANCIR. “Há um conselheiro financeiro, uma fonte de fundos, bancos privados e inúmeros beneficiários desconhecidos. As possibilidades de criar atividades ilícitas, especialmente no que toca a capital político, são tão ilimitadas quanto as formas de as levar a cabo.”
O cenário promissor anunciado em 2012 não está a acontecer. Jean-Claude parece ser apenas o mais visível dos calcanhares de Aquiles que o filho varão do Presidente tem vindo a colecionar. Somam-se as suspeitas de testas de ferro. O amigo Jorge Gaudens Sebastião comprou 49% do Standard Bank alegadamente em seu nome, além de o representar de forma não assumida como investidor no complexo de edifícios que está a ser construído na ilha da Chicala. Joaquim Sebastião, antigo diretor do Instituto Nacional de Estradas (INEA) e atual presidente do Benfica de Luanda, é um dos outros nomes de que se fala.
Consta que foi a algumas empresas fictícias de “Zedu” que terá entregue mais de 200 milhões de dólares em empreitadas sobrefaturadas.
Armando Manuel, que assumiu a pasta das Finanças em 2012 porque “Zenu” assim o quis, segundo uma fonte do palácio presidencial, tornou-se entretanto um dos seus mais fiéis aliados. Com Óscar Tito Fernandes, outro jovem empresário, formam um trio com várias ramificações empresariais. A amizade com o ministro terá estado na origem de um negócio que está a provocar uma onda de indignação pública.
O caso envolve a compra pelo Estado de um edifício de 35 andares por 115 milhões de dólares, apesar de o seu custo total ter sido de 40 milhões, segundo dados públicos da Mota-Engil, a construtora da obra.
A 12 de setembro de 2014, José Eduardo dos Santos instruiu o ministro das Finanças que procedesse à aquisição do edifício através de um contrato de compra e venda entre o Governo e a Imob Angola — Empreendimentos Imobiliários, Lda., uma empresa detida em 45% por Maíra Isungi Campos Costa dos Santos, mulher de José Filomeno dos Santos, e em 10% por Óscar Tito Fernandes. Os restantes 45% pertenciam ao brasileiro Valdomiro Minoro, mas foram vendidos à Incasa, propriedade, em partes iguais, de Óscar Tito Fernandes e do brasileiro António Perruci Alves.
Dez dias depois da compra do prédio pelo Ministério das Finanças, a titularidade da Imob Angola passaria para as mãos de uma empresa-fantasma, a Bertoli Investment Participações, cujas sócias — Maria Isabel João e Domingas Zanda Muenho — são duas figuras desconhecidas registadas no notariado sem que os seus endereços estejam completos.
O tapete vermelho estendido a José Filomeno tem vindo a transformar-se, aparentemente, numa armadilha. Em Luanda, pessoas que têm acompanhado de perto o drama da sucessão de José Eduardo admitem como pouco provável a hipótese de ser “Zenu” a suceder-lhe. Não necessariamente por causa dos rumores de se ter envolvido em desvios do dinheiro do Estado.
“Na verdade, não revela inclinação para a coisa, é muito inseguro e o pai não parece dar mostras de lhe depositar confiança para o substituir”, admite uma fonte da família.
“Zenu” sabe que, se quiser sobreviver, terá de ir mais longe do que já foi e entrar diretamente na política.
“Não há futuro empresarial para os nossos príncipes, sem cobertura política” — confessa Jeremias Félix, um informático, militante do MPLA, desencantando com a atual liderança de Eduardo dos Santos. Mas para isso é preciso que José Filomeno chegue a tempo.
A combinação dos dados, outrora propícia, mudou.
O pai já confirmou que vai fazer o que tinha dito que não ia fazer, recandidatando-se a Presidente nas eleições gerais de 2017, quando completar 75 anos, na esperança de aguentar as pontas do regime enquanto Angola não recuperar um pouco da grave crise financeira e económica que está a assolar o país. E a única irmã que lhe podia fazer sombra acabou de assumir a administração da Sonangol, num anúncio inesperado feito em maio e que pôs fim à teoria de que Isabel dos Santos nunca iria ocupar cargos públicos. “Zenu”, que tinha tudo para ser ele o sucessor, tem agora tudo para não o ser.
Com Gustavo Costa em Luanda
Artigo publicado na edição do EXPRESSO de 9 junho 201
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