Após ser conhecida como a "lobista de Francisco", a misteriosa e influente Francesca caiu em desgraça. Acusada de revelar segredos do Vaticano, habilita-se a oito anos de prisão
A sua carteira de contactos impressiona qualquer pessoa. Políticos, empresários, jornalistas, magistrados e um sem fim de gente influente, em Itália, privou nos últimos anos com uma jovem de origens humildes, chamada Francesca Immacolata Chaouqui. Filha de um emigrante marroquino que nunca conheceu, foi criada pela mãe e pela avó numa pequena aldeia da Calabria, San Sosti. O pároco local, don Carmelo Terranova, encarregou-se de substituir o seu progenitor e, confessou ela numa entrevista em 2013, ensinou-lhe "o que é a vida".
Foi há pouco mais de dois anos que o seu nome se tornou conhecido do grande público transalpino e do mundo católico. Motivo: foi contratada para integrar a Comissão de Estudo e Orientação da Estrutura Administrativa da Santa Sé (COSEA), órgão criado pelo Papa Francisco com o propósito de tornar mais transparente e eficaz o funcionamento do Vaticano e no qual ela era a única mulher e também a única personalidade com nacionalidade italiana, pois havia igualmente a intenção de internacionalizar o pessoal ao serviço da Cúria.
Vários jornais traçaram-lhe então o perfil e ilustraram as peças com as fotografias em pose de modelo que Francesca gostava de colocar de si própria nas redes sociais. A menina que viera da província para conquistar Roma, tornara-se uma celebridade. O seu currículo incluía uma licenciatura em direito, uma breve passagem por uma ilustre sociedade de advogados, uma experiência como jornalista que lhe permitiu conhecer vários deputados e senadores, até chegar ao cargo de diretora de comunicação da multinacional Ernst&Young. Mas ser recrutada pela Igreja Católica, aos 30 anos, ainda por cima com o propósito de contribuir para a boa gestão do estado mais pequeno do planeta e participar diretamente na revolução institucional promovida por Jorge Mario Bergoglio, deixou-a eufórica. "O meu coração, a minha fé, o meu compromisso e o meu profissionalismo ao serviço da Igreja e do Santo Padre. Sempre", escreveu ela na sua conta do Twitter.
MÁRTIR, MORDOMIAS E FALÊNCIA
Neste momento é bem provável que Francesca se interrogue sobre as suas fidelidades religiosas. A antiga relações públicas que muitos comentadores e cardeais chegaram a cunhar de "lobista papal" é agora uma figura central no novo escândalo que abala o Vaticano, acusada de ser uma das responsáveis pela fuga de documentos confidenciais que acabaram nas mãos de dois jornalistas. Detida a 1 de novembro durante algumas horas, aguarda em liberdade o início do seu julgamento, num processo que promete expor ainda mais os desvarios da elite que governa a Igreja Católica e onde se habilita a uma pena de oito anos de prisão. Ela e um sacerdote espanhol, Lucio Ángel Vallejo Balda, que também integrava a COSEA, são ambos suspeitos de terem fornecido as informações que terão dado origem aos livros Avarizia (Avareza), de Emiliano Fittipaldi, e Via Crucis, de Gianluigi Nuzzi, duas obras lançadas na passada semana e que estão por detrás daquilo que já é designado como Vatileaks2 um escândalo equivalente ao que, em 2012, conduziu à condenação do mordomo do Papa Bento XVI, também por roubo de documentos confidenciais, a 18 meses de cárcere. Desta vez, o processo parece mais delicado. Para Gianluigi Nuzzi, o repórter do Corriere della Sera decisivo na revelação dos dois casos, o Vaticano está «à beira da falência» e as reformas iniciadas pelo primeiro Papa não europeu em 1300 anos põem em causa demasiadas mordomias. «As finanças de certos dicastérios [os diferentes órgãos de governo do Vaticano] estão no vermelho. O óbulo de São Pedro, que deveria servir para ajudar os mais pobres, é usado para tapar os buracos orçamentais da Cúria e garantir o funcionamento do estado. Os cardeais não sabem o que é gastar três euros numa sanduíche. Nem sei o que é mais grave se a corrupção, se o amadorismo. (...) O Papa é visto como um intruso. Para ele é muito mais fácil reconciliar os EUA com Cuba do que reformar o Vaticano», explicou Nuzzi numa entrevista ao Le Monde.
A tudo isto convém somar alguns outros episódios menos mediáticos. No final do mês passado, o computador do principal revisor de contas da Igreja Católica, Libero Milone, foi assaltado e desaparecerem milhares de ficheiros. As contas da IOR, o banco do Vaticano, e da APSA, órgão que gere o património, estão a ser passadas a pente fino e a Suíça e a Itália estão a colaborar na investigação a inúmeras transações suspeitas. Quanto a Francesca Chaouqui, que se diz inocente e grávida, é pouco provável que tenha o mesmo destino de Beatrice Cenci, decapitada em 1599 devido às guerras de poder em Roma.
PECADOS CAPITAIS
Exemplos dos desvarios do Vaticano, segundo os livros lançados a 5 de novembro
1 - Santa Sé possui mais de 5 mil imóveis, em Roma e em Paris, sem que haja um registo detalhado. Podem valer mais de €4 mil milhões
2 - Muitos estão arrendados a cardeais e a personalidades que pagam menos de €10 anuais por apartamentos de 300 m2
3 - Banco do Vaticano continua a ter contas misteriosas. O Papa Paulo VI, falecido em 1978, tem aí dois depósitos de €350 mil
4 - Cada processo de beatificação e canonização é um negócio que pode ascender a €500 mil
5 - Sistema de Pensões é «um buraco negro», com um défice superior a €700 milhões em 2014
6 - Farmácia, tabacaria e estações de combustível do Vaticano, isentas de impostos, prestam-se a todo o tipo de tráficos
1 comentário:
Desde que o lendário Jesus nazareno/foi no Cristo grego transformado/e depois Rei dos Reis coroado/o Cristianismo tornou-se obsceno.
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