Compreende-se.
Lá se vai a única bandeira que conseguiam ainda empunhar contra a gestão camarária da CDU. Por aquelas bandas já se veem lágrimas a rolar pelo canto do olho perante a perspetiva de perder o único argumento que ainda conseguiam usar contra a Câmara Municipal.
O choro convulsivo e os gritos de virgem ofendida soaram após ser conhecida a notícia que indicava que a DGAL, a Direção Geral das Autarquias Locais, havia respondido por carta à Assembleia Municipal, a pedido dos eleitos da CDU (pedido contra o qual o PSD votou contra), indicando que nada, no entender desta entidade, impedia a câmara de baixar as taxas de IMI praticadas em Setúbal, mantidas no máximo por a edilidade entender que o Contrato de Reequilíbrio Financeiro celebrado em 2004 para impedir a bancarrota municipal provocada pelo PS a tal obrigava.
Convém, no entanto, recordar que já tinha sido o próprio Ministério das Finanças a caucionar o entendimento municipal numa resposta sobre o assunto dada a deputados do CDS-PP no âmbito da sua atividade parlamentar. Vale a pena ler aqui a opinião jurídica da Inspeção Geral de Finanças sobre a matériapara se compreender que as opiniões legais sobre esta questão não são consensuais, pelo que todo o cuidado é pouco.
A Câmara Municipal, porque – de acordo com o que se lê nos jornais – considerou que estava perante uma clarificação de uma outra carta sobre o mesmo assunto já enviada pela DGAL, entendeu que poderia, agora sim, haver condições para baixar o IMI, ainda que, por segurança, tenha decidido pedir um novo parecer jurídico para apoiar a possibilidade de redução da taxa deste imposto.
Nenhuma outra atitude responsável poderia ter sido tomada, em particular numa autarquia que, nos últimos anos, talvez tenha sido das que mais vezes foi sujeita a variadas inspeções do poder central, o que significa que – e em especial nesta matéria – nenhum risco poderia ser corrido.
Só não entende isto quem não quer.
O verdadeiro escândalo desta história reside, porém, no manto de esquecimento com que o PS e o PSD querem cobrir as decisões que motivaram o brutal aumento do IMI em todo país, aumento que o PSD tentou atenuar com cláusulas de salvaguarda destinadas a caducarem em 2015 (cláusula que o PCP tentou que se prolongasse) ou com o IMI familiar, embora neste caso estejamos perante umamedida demagógica e oportunista, com a qual o poder central se intromete ostensivamente nas receitas do poder local, empurrando muitas câmaras municipais para becos sem saída ao colocarem-nas perante a pressão das famílias desejosas de algum alívio no brutal aumento de impostos a que foram submetidas nestes anos de Passos e Portas. E mais encostadas à parede ficam ainda as autarquias quando lhes vão reduzindo transferências do Orçamento de Estado por via de novas alterações à Lei das Finanças Locais, quando lhes querem transferir novas competências sem o devido envelope financeiro, quando o abrandamento da atividade económica lhes retira receitas fundamentais para a gestão corrente e novos e necessários investimentos.
No governo da nação, porém, já o PSD não é tão simpático, em especial quando anuncia em campanha eleitoral devoluções de 35 por cento da sobretaxa de IRS, redução que, depois de contados os votos, lá se vem a saber que não será assim tão significativa.
É, pois, necessário recordar que a reforma dos impostos sobre o património imobiliário de onde nasceu o IMI foi decidida e aprovada por um governo do PSD e a reavaliação deste património foi acelerada pelo memorando da troika negociado entre PS e PSD (pontos 6.3 e 6.4), os mesmos partidos que tanto se escandalizam com as taxas máximas praticadas em Setúbal desde 2002, quando o presidente Carlos Sousa, perante a situação de pré-falência em que o PS deixou a câmara, foi forçado a subir a Contribuição Autárquica, a antecessora do IMI, para valores máximos, valores que se mantiveram no máximo graças ao entendimento de que o Contrato de Reequilíbrio Financeiro a tal obrigava.
As taxas máximas não constituíram motivo de preocupação até ao momento em que os prédios foram reavaliados em 2012 e 2013, alguns para valores dez a quinze vezes acima do valor que tinham até então, o que significa que a taxa teria, obrigatoriamente, de subir na mesma proporção. Por que razões ocultam o PS e o PSD estas questões? Será porque sabem as culpas que têm no cartório?
Avaliar politicamente a questão do IMI em Setúbal sem recordar o que está na base do problema (a reavaliação de imóveis decidida com a troika) como fazem o PS e o PSD só pode ser entendido como mais uma evidência de pouca seriedade política, em particular porque o problema das taxas máximas não é exclusivo de Setúbal. Veja-se o caso de Portimão, uma autarquia socialista na falência, onde se aplicam taxas máximas por imposição dos programas de recuperação financeira em vigor.
Ou será que aí já se justifica taxa máxima sem que nenhuma virgem ofendida venha para a rua vociferar contra os valores praticados pelo mesmo que em Setúbal tanto protesta?
Finalmente, é verdadeiramente incompreensível que, no plano nacional, o PS e o PSD não manifestem o mesmo vigor na defesa da redução das taxas de IMI para todos os concelho do país, reduções que, de resto, foram até propostas pela ANMP, que defende uma baixa da taxa máxima de 0,5 para 0,4 por cento. Digam-nos então porquê sff.
(É uma vergonha que o Estado não consiga (queira) introduzir mecanismos automáticos de avaliação dos valores patrimoniais dos imóveis, o que permitiria que muita gente tivesse, automaticamente, significativas reduções de IMI. Enquanto isso não acontece, a DECO tem um guia muito completo para quem queira mandar reavaliar o seu imóvel e, assim, eventualmente, pagar menos)
pracadobocage.wordpress.com
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