TARRAFAL É UMA MANCHA NO PASSADO DE ADRIANO MOREIRA
Este artigo foi copiado e publicado no nosso site, para mais uma vez, confirmar que tipos de pessoas ainda têm em Portugal. O senhor até pode ser bom familiar, bom pai, bom amigo do seu amigo, mas há erros que na vida de uma pessoa não podem ser cometidos. Não nos pudemos esquecer que este senhor, abriu portas à tortura e a um campo de concentração, em que só por pensar diferente eram excluídos e torturados.
Foi este senhor o culpado de muitas prisões políticas e torturas, e o mesmo deveria ser julgado por tais actos. Foi ministro de um ditador e agora fala abertamente sobre o que pensa nesta democracia aberta, até para criminosos. Deveriam ter vergonha na cara, mas normalmente mais tarde o pecador acaba por pagar pelos seus erros. A sua filha é o melhor exemplo disso........
Viva o 25 de Abril e à liberdade, viva ao fim dos campos de concentração. Mas caso exista ainda algum aberto, podem sempre pôr lá alguns senhores para verem e sentirem o que os outros passaram, só por serem livres de pensamento.
Esquecimento ou mero jogo de palavras? José Vicente Lopes, autor de "Tarrafal/Chão Bom – Memórias e verdades", comenta a afirmação de Adriano Moreira na qual recusa que tenha sido ele, enquanto ministro do Ultramar de Portugal, a ordenar reabertura do tristemente célebre campo de concentração.
A atribuição pela Universidade do Mindelo do doutoramento "honoris causa" a Adriano Moreira mereceu, através de Pedro Martins, a condenação da Associação dos Ex-Presos Políticos.
Abordado pela agência Lusa afirmei, e reafirmo, que não vejo nada de mais que uma instituição privada tenha querido honrar o académico Adriano Moreira com a sua mais alta distinção.
Questionado, por seu turno, sobre o mesmo assunto, foi com espanto que vi o visado, Adriano Moreira, a recusar que tenha sido ele a mandar reabrir o campo do Tarrafal, sugerindo os cabo-verdianos a investigarem esse momento da sua história.
Ora, essa investigação existe, e sem querer puxar a brasa para a minha sardinha, o livro chama-se "Tarrafal/Chão Bom – Memórias e verdades". Foi publicado no ano passado pelo IIPC. Quem quiser poderá encontrar na net o muito que se escreveu sobre o assunto, especialmente, em Portugal e Angola. O Tarrafal, pelo que vi desses comentários, e constato agora com a atribuição do "honoris causa" a Adriano Moreira pela UM, ainda mexe com muita gente.
Por isso, não acredito que Moreira não tenha tido, pelo menos, os ecos do meu livro. Nele é publicado nos anexos, na página 224, o fac-símile da Portaria nº 18539, dando corpo ao decreto-lei nº 43600, na qual se institui o "Campo de Trabalho de Chão Bom". A portaria, de 17 Junho de 1961, é assinada pelo Ministro do Ultramar, José Alves Moreira.
Portanto, dizer que no tempo em que foi ministro o Tarrafal estava encerrado é fugir à verdade, como de resto já se sabe. Pois, criado em 1936, a antiga Colónia Penal, que passou à história como Campo de Concentração ou Campo da Morte Lenta, funcionou até 1954. Com o levantamento dos angolanos contra o colonialismo, e a condenação dos integrantes do "Processo dos Cinquenta", o campo reabriu, em Junho de 1961, com o nome de Campo de Trabalho de Chão Bom, para receber, em Fevereiro do ano seguinte, os referidos nacionalistas.
A primeira solução passava, na verdade, por criar um grande centro prisional em Santo Antão (o decreto nº 43600), com capacidade para cinco mil reclusos. Mas, até que essa cadeia ficasse pronta, foi para o Tarrafal que os nacionalistas de Angola tiveram de ser metidos. Aliás, facto curioso, embora localizado em Cabo Verde, o CTCB era, à luz da lei, "território" angolano e, como tal, gerido a partir de Luanda, que mandou guardas, polícias, militares e administradores, dentre eles o cabo-verdiano Eduardo Vieira Fontes.
Pela sua craveira académica, entendo que Adriano Moreira não se sinta bem quando o assunto é Tarrafal. A prova disso é que nas suas memórias, "A espuma do tempo" (Almedina, Coimbra, 2008), ele fala do seu apreço por Amílcar Cabral, da sua relação pessoal com Eduardo Mondlane, o que fez em defesa de Agostinho Neto quando desterrado em Cabo Verde, e até da visita que fez a este arquipélago, em Setembro de 1962, mais uma vez, como Ministro do Ultramar, durante a qual pôde percorrer todas as ilhas, inclusive Santa Luzia. Mas sobre o Tarrafal não há uma palavra sequer!
Isto, note-se, quando nessa aludida visita esteve no CTCB onde se avistou com os presos angolanos, ordenando ao director da prisão, Queimado Pinto, a dar-lhes uma bola de futebol para assim passarem parte do seu tempo. Os nacionalistas guineenses, esses, chegariam dois meses depois, em Novembro.
Mas a visita do Ministro do Ultramar a Cabo Verde conheceu várias outras peripécias. Ao fim de um mês a pular de ilha em ilha, essa visita deveria culminar com a atribuição a esta colónia do estatuto de "ilhas adjacentes" e isso só não aconteceu porque o geógrafo e cientista Humberto Duarte Fonseca mobilizou as "forças vivas" de São Vicente contra esse projecto. Fonseca intuiu que caso Cabo Verde se tornasse ilhas adjacentes, muito dificilmente chegaria à independência. Isto está relatado em "Os bastidores da independência", para quem quiser conhecer mais detalhes.
Uma outra peripécia da mesma visita que importa mencionar é o surgimento do jornal "Arquipélago", que Pedro Martins considera "desqualificado". Não é verdade que o surgimento desse semanário tenha ditado o fim do "Boletim Cabo Verde", cuja qualidade Martins parece reconhecer. Aqui a história resume-se no seguinte: quando Moreira chega a Cabo Verde, terra de José Lopes, Baltasar Lopes, Jorge Barbosa e vários outros insignes escritores e intelectuais, estranhou que não houvesse aqui um jornal – o que existia, "Notícias de Cabo Verde", com sede no Mindelo, há muito entrara em declínio e se tornara num "quandocalhário". Diante disso, enquanto ministro do Ultramar, ordenou que se criasse um jornal, que vem a ser o "Arquipélago".
O "Arquipélago" e o "Boletim Cabo Verde" coexistiram até 1964, sendo ambos dirigidos pelo director da Imprensa Nacional, Bento Levy. É certo que o "Boletim", com surgimento do "Arquipélago", torna-se um órgão mais cultural e menos informativo e propagandístico como era desde o seu surgimento, em 1949. Independentemente do seu lado propagandístico, pelas suas páginas passaram todos os escritores do seu tempo, tendo sido nele que Amílcar Cabral, por exemplo, publicou os seus primeiros textos, seguindo de resto o exemplo do pai, Juvenal, que também recorreu a esse periódico, amiúde, para expor algumas das suas tomadas de vista.
Entretanto, de mensário, o "Boletim" passa a trimestral, tornando-se irregular até à sua extinção em 1964. E, quanto a mim, a razão é esta: além de director da Imprensa Nacional, do "Boletim" e do "Arquipélago", Bento Levy foi escolhido deputado por Cabo Verde, na Assembleia Nacional, em substituição de Adriano Duarte Silva, que falece em 1962. Ora, gerir todos estes afazeres, na Praia ou em Lisboa, não era fácil.
Isto para dizer: sendo os dois periódicos dirigidos pela mesma pessoa, não entendo como é que o "Arquipélago" é um jornal "desqualificado" e o "Boletim" não. Da minha parte, entre ter uma comunidade sem um jornal e uma comunidade com um mau jornal, prefiro a segunda hipótese. Para todos os efeitos, é da leitura de um mau jornal que dia ter-se-á um bom jornal. Até porque, mostra a História, extinguiu-se o "Arquipélago" em Junho de 1974 por pressão do PAIGC, partido de que Pedro Martins era destacado militante, e no seu lugar surgiram vários outros maus jornais até dar lugar aos que hoje existem, bem melhores que os seus antecessores, diga-se.
Em suma, da mesma forma que não cultivo o ressentimento histórico, não cultivo o esquecimento da história. Ao apostar no esquecimento, Adriano Moreira insultou os cabo-verdianos que conhecem o seu papel na reabertura do Tarrafal, comprometendo os vários "atenuantes" que poderia evocar para justificar a justeza do doutoramento que a UM lhe atribuiu. Poderia, em seu favor, dizer que foi um dos promotores da revogação do famigerado Acto Colonial, do não menos famigerado estatuto do indígena ou ainda da lei do trabalho forçado, leis essas que imenso sofrimento causaram aos povos de Angola, Moçambique e Guiné.
Enquanto ministro do Ultramar, Moreira procurou com essas medidas políticas e outras de natureza administrativa fazer, em contra-relógio, o que o colonialismo luso não fora capaz em todos os anos de suposta acção civilizadora dos seus domínios africanos, designadamente, através da construção de escolas e serviços de saúde às populações. Até Cabo Verde acabou por ter a sua parte desse investimento apressado. A ilha de Santiago, por exemplo, passou a ter o seu primeiro liceu, por sinal, o Liceu Nacional Adriano Moreira, São Vicente viu finalmente inaugurado o seu cais acostável e Santo Antão, mais precisamente Porto Novo, também...
Mas, como todos os reformistas de regimes autoritários, Adriano Moreira acabou vítima das contradições que as suas acções acabaram por gerar. Logo depois da sua visita a Cabo Verde envolveu-se numa disputa com o então governador-geral de Angola, Venâncio Deslandes, acabando os dois exonerados por Salazar. A História, essa, prosseguiu o seu rumo, culminando com o 25 de Abril e com a independência das antigas colónias portuguesas.
Volvidos quase 40 anos é tempo de olharmos para esse passado sem ressentimento, é certo, mas sem o seu apagamento, algo que Adriano Moreira parece não conseguir quando recusa que foi do seu punho que saiu a portaria que estabelece o Campo de Trabalho de Chão Bom. A um académico exige-se rigor e, acima de tudo, respeito pela verdade, e isso – vê-se – faltou ao primeiro "honoris causa" da Universidade do Mindelo. É pena.
In www.alfa.cv
O Campo de Concentração do Tarrafal foi criado em abril de 1936 sob o nome de "Colónia Penal do Tarrafal" e, durante a primeira fase do seu funcionamento, até janeiro de 1954, estiveram lá presos, arbitrariamente e sem qualquer direito de defesa, 340 prisioneiros antifascistas portugueses.
Em junho de 1961, com a luta das forças nacionalistas desencadeadas pelas colónias portuguesas em África, o campo de concentração foi reaberto pelo regime colonial com o nome de Campo de Trabalho de Chão Bom, para encarcerar resistentes à guerra colonial em Angola, Cabo Verde e Guiné-Bissau.
A segunda fase do "campo da morte lenta", já sem a célebre "frigideira" -- hoje totalmente impercetível -, durou 13 anos, até à data em que se deu o seu encerramento definitivo, a 01 de maio de 1974.
Nesse período, 238 combatentes da luta pela independência das colónias portuguesas -- 107 angolanos, 20 cabo-verdianos e 100 guineenses - estiveram presos no Tarrafal. Atualmente, apenas cerca de 50 estão vivos.
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