O Programa de Estabilidade apresentado pelo Governo à Comissão Europeia e o documento Uma década para Portugal, elaborado por um grupo de economistas a solicitação da direção do Partido Socialista (PS), têm sido tomados por vários analistas e comentadores políticos como quase-programas de governo. Em alguns desses comentários enaltece-se o facto de as propostas estarem a surgir cedo e de serem "bem distintas", o que poderá contribuir para que "os eleitores possam fazer escolhas claras e seguras".
Respeito essas opiniões e a sua bondade democrática, mas considero que o documento do PS (docPS), podendo ser valorizado como contributo para a clarificação em vários aspetos, está muito longe de prefigurar uma verdadeira alternativa. Tendo em conta as relações de forças existentes no cenário político nacional e europeu e no interior do PS, ou surge como uma séria análise crítica que não se fique por "paradigmas" económico-financeiros e contabilísticos, ou nos próximos meses assistiremos a uma progressiva aproximação entre as duas "propostas programáticas".
O Tratado Orçamental e outros condicionalismos das políticas europeias, o peso da nossa dívida pública e os constrangimentos dela resultantes colocam-nos dentro de uma gaiola, e o docPS, no diagnóstico apresentado, faz de conta que estamos em plena liberdade, não questiona as grades que nos aprisionam e, num exercício teórico da quadratura do círculo, diz-nos que vamos conseguir cumprir os saldos orçamentais positivos que o tratado impõe e, simultaneamente, atingir taxas de crescimento muito significativas. Precisamos, sem dúvida, de apostar no crescimento e na melhoria das condições de vida dos portugueses, mas isso não se obtém com milagres. São indispensáveis mudanças estruturais que o permitam.
No que se refere às questões do trabalho e dos rendimentos diretos e indiretos dos trabalhadores, o docPS é de um silêncio arrepiante. Nada diz sobre as inúmeras maldades a que os trabalhadores foram sujeitos: perdas salariais, destruição da contratação coletiva, redução da remuneração do trabalho extraordinário e dos dias de férias e feriados, liberalização acentuada das relações laborais, aumento do horário de trabalho na Administração Púbica, entre muitas outras, donde resultou que, desde 2010, em cada ano, vão passando mais de três mil milhões de euros do fator trabalho para o fator capital.
Sobre o salário mínimo nacional não há proposta. A aparente contrapartida é a criação de um "complemento salarial anual" para as famílias que, mesmo trabalhando, estejam com rendimentos abaixo da linha da pobreza. O salário jamais pode ser mera retribuição de subsistência: o salário deve ser remuneração justa em função da riqueza produzida e tem de ser pago pelas empresas e serviços e não pelas contribuições dos cidadãos. Por outro lado, a perspetiva de se criar um "regime conciliatório" para despedimento é uma aberração, no plano conceptual e perante o existente desequilíbrio nas relações de poder entre patrão e trabalhador.
Quanto às medidas enunciadas para a redução da taxa social única (TSU) o mínimo que se pode dizer é que o PS parece querer engrossar o ataque ao sistema da Segurança Social. É verdade que se apresentam duas ideias com interesse quanto à busca de novas fontes de financiamento para o sistema, mas o avanço de propostas concretas para redução da TSU consubstanciam a conceção de um sistema de segurança social ao serviço do fator capital.
Antes do 25 de Abril é que os descontos dos trabalhadores se usaram para financiar empresas e a guerra colonial. Depois, com forte contributo do PS, construiu-se um sistema que procura dar dignidade às pessoas quando já não podem trabalhar. Não acenem aos trabalhadores com a cenoura de poderem receber agora mais uns tostões quando estão a desproteger o futuro, nem arranjem mais argumentos para as empresas não pagarem salários justos.
É de assinalar o empenho na execução dos fundos europeus, o imposto sobre as heranças ou a reposição de alguns mínimos sociais e do RSI, mas isso não chega. A quadratura do círculo só é interessante como exercício teórico.
Respeito essas opiniões e a sua bondade democrática, mas considero que o documento do PS (docPS), podendo ser valorizado como contributo para a clarificação em vários aspetos, está muito longe de prefigurar uma verdadeira alternativa. Tendo em conta as relações de forças existentes no cenário político nacional e europeu e no interior do PS, ou surge como uma séria análise crítica que não se fique por "paradigmas" económico-financeiros e contabilísticos, ou nos próximos meses assistiremos a uma progressiva aproximação entre as duas "propostas programáticas".
O Tratado Orçamental e outros condicionalismos das políticas europeias, o peso da nossa dívida pública e os constrangimentos dela resultantes colocam-nos dentro de uma gaiola, e o docPS, no diagnóstico apresentado, faz de conta que estamos em plena liberdade, não questiona as grades que nos aprisionam e, num exercício teórico da quadratura do círculo, diz-nos que vamos conseguir cumprir os saldos orçamentais positivos que o tratado impõe e, simultaneamente, atingir taxas de crescimento muito significativas. Precisamos, sem dúvida, de apostar no crescimento e na melhoria das condições de vida dos portugueses, mas isso não se obtém com milagres. São indispensáveis mudanças estruturais que o permitam.
No que se refere às questões do trabalho e dos rendimentos diretos e indiretos dos trabalhadores, o docPS é de um silêncio arrepiante. Nada diz sobre as inúmeras maldades a que os trabalhadores foram sujeitos: perdas salariais, destruição da contratação coletiva, redução da remuneração do trabalho extraordinário e dos dias de férias e feriados, liberalização acentuada das relações laborais, aumento do horário de trabalho na Administração Púbica, entre muitas outras, donde resultou que, desde 2010, em cada ano, vão passando mais de três mil milhões de euros do fator trabalho para o fator capital.
Sobre o salário mínimo nacional não há proposta. A aparente contrapartida é a criação de um "complemento salarial anual" para as famílias que, mesmo trabalhando, estejam com rendimentos abaixo da linha da pobreza. O salário jamais pode ser mera retribuição de subsistência: o salário deve ser remuneração justa em função da riqueza produzida e tem de ser pago pelas empresas e serviços e não pelas contribuições dos cidadãos. Por outro lado, a perspetiva de se criar um "regime conciliatório" para despedimento é uma aberração, no plano conceptual e perante o existente desequilíbrio nas relações de poder entre patrão e trabalhador.
Quanto às medidas enunciadas para a redução da taxa social única (TSU) o mínimo que se pode dizer é que o PS parece querer engrossar o ataque ao sistema da Segurança Social. É verdade que se apresentam duas ideias com interesse quanto à busca de novas fontes de financiamento para o sistema, mas o avanço de propostas concretas para redução da TSU consubstanciam a conceção de um sistema de segurança social ao serviço do fator capital.
Antes do 25 de Abril é que os descontos dos trabalhadores se usaram para financiar empresas e a guerra colonial. Depois, com forte contributo do PS, construiu-se um sistema que procura dar dignidade às pessoas quando já não podem trabalhar. Não acenem aos trabalhadores com a cenoura de poderem receber agora mais uns tostões quando estão a desproteger o futuro, nem arranjem mais argumentos para as empresas não pagarem salários justos.
É de assinalar o empenho na execução dos fundos europeus, o imposto sobre as heranças ou a reposição de alguns mínimos sociais e do RSI, mas isso não chega. A quadratura do círculo só é interessante como exercício teórico.
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