Tragédia do Meco: as televisões e a procura da verdade
A tragédia do Meco poderá ficar para a história do jornalismo, em particular para a história da televisão, como um caso em que o jornalismo forçou a justiça a investigar a morte dos jovens que perderam a vida numa noite fatídica do mês de Dezembro. É ainda cedo para tirar conclusões mas até ao momento, no essencial, as televisões têm estado à altura de uma das funções mais importantes do jornalismo: a procura da verdade.
A concorrência entre televisões levou cada uma a avançar mais longe nessa procura e cada qual a marcar nas peças emitidas o seu estilo próprio – nuns casos a maximização das audiências, noutro a contenção, sem prejuízo do aprofundamento dos elementos disponíveis.
Este caso contou com um novo ”player” no terreno: a CMTV – o canal de televisão do Correio da Manhã. Dotada de jovens repórteres “agressivos”, como se viu na “perseguição” ao sobrevivente do Meco, João Miguel Gouveia, com a repórter a insistir nas perguntas expondo à exaustão o silêncio absurdo e ensurdecedor do jovem sobrevivente, a CMTV constitui um desafio para as suas “rivais” mais antigas, nomeadamente a SIC e a TVI. A entrevista de Andreia Vale aos pais de uma das vítimas do Meco, esta noite, foi um momento de televisão de grande expressividade e verdade.
A TVI tem-se destacado pela procura de documentos e de pistas na procura de explicações para o sucedido, em peças que exploram de maneira eficaz e persuasiva as potencialidades das imagens e dos sons, criando uma narrativa verosímil para a tragédia do Meco. Não obstante o deslize de uma reconstituição ficcionada, a TVI tem-se destacado pela descoberta de elementos que poderão revelar-se essenciais para algumas das respostas que tardam.
Finalmente, a RTP. Se dúvidas houvesse sobre a marca de serviço público que distingue a RTP das suas congéneres privadas, a cobertura da tragédia do Meco tem mostrado essa distinção. A reconstituição feita no último programa “Sexta às 9″ monitorizada por um antigo investigador da Polícia Judiciária, Paulo Santos, teve um cunho didáctico, com o investigador problematizando as questões colocadas por cada pista, mostrando como uma certeza pode não ser mais que uma de muitas dúvidas e uma prova pode efectivamente não o ser. A RTP deu um passo gigante para uma melhor compreensão do trabalho da investigação criminal, sem especulações mas sem deixar de introduzir o telespectador nas contradições entre algumas respostas de jovens estudantes entrevistados em programas anteriores e as explicação do investigador Paulo Santos. A RTP mostra que também num caso que tem tudo para se transformar num terreno fértil em derrapagens éticas é capaz de fazer serviço público.
Vai ser interessante seguir o que fará a justiça com este caso. Poderemos talvez vir a saber se a investigação jornalística caminhou paralelamente à investigação judicial, se chegarão a confluir e se alguma descobrirá a verdade sobre a tragédia do Meco. Talvez possamos saber quem conduziu o processo e se as descobertas dos jornalistas foram apenas excelentes peças televisivas ou se acrescentaram algo ao nosso conhecimento da verdade. E saberemos também se a Justiça cumpriu o seu dever e foi capaz de, por uma vez, chegar à verdade.
Seja como for, há um enorme avanço ético e qualitativo do jornalismo desde o caso “Casa Pia” até ao Meco. Espero que os próximos tempos não desmintam esta convicção.
vaievem.wordpress.com
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