ATAQUE AO SOLO
Nos centros decisores do capitalismo internacional, com destaque para as instituições financeiras sediadas nos EUA, prepara-se a intensificação de uma nova onda de privatizações de tipo novo e radical: vender o máximo possível bens imobiliários estatais, incluindo patrimónios histórico-culturais caso seja considerado necessário.
Reconhecendo-se, no entanto, que seria difícil avaliar alguns ativos como o Louvre , o Partenon ou Parque Nacional de Yellowstone, conclui-se que não se vê como serem incluidos. Ou seja, para já, o Mosteiro dos Jerónimos não será alvejado!
Na sua edição de 17 de janeiro a revista Economist não deixa margem para dúvidas quando, no editorial e sob o título “The $9 trillion sale”, escreve que Thatcher e Reagan usaram as privatizações como ferramenta para combater os sindicatos e transformar em receitas diversos serviços públicos, telecomunicações e transportes, e que os seus sucessores no século XXI, “necessitam fazer o mesmo com os edifícios , terrenos e recursos naturais, porque é um enorme valor que está à espera de ser desbloqueado”, dizem!
O recado está dado de uma forma global quanto à nova onda de privatizações, desta feita centrada na propriedade imobiliária, isto é, nos edifícios públicos e nos terrenos de vários tipos, passando pelos recursos existentes no subsolo.
É notável perceber que, em muitos países-chave do mundo capitalista, ainda existem largas posses e participações publicas no universo empresarial.
De facto, as empresas estatais em países da OCDE valerão cerca de 2 trilhões de USD (qualquer coisa como 2,2 biliões de €). Depois, há que considerar as participações estatais minoritárias em diversas empresas e serviços de interesse público que representam outro tanto.
Contudo, os verdadeiros tesouros agora sob a mira da grande finança (os “mercados”), são os ativos “não-financeiros “, tais como edifícios , terrenos, recursos do subsolo, que o FMI acredita valerem três quartos do PIB , em média, nas economias ricas : ou seja, 35 trilhões de dólares (35×1012 USD).
O governo federal dos Estados Unidos possui um milhão de imóveis (dos quais 45.000 foram consideradas desnecessárias ou sub-utilizados numa auditoria de 2011) e, cerca de um quinto da área terrestre do país, sob o qual se encontram vastas reservas de petróleo, gás e outros minerais, é propriedade pública federal, pelo que existe uma grande pressão sobre o governo de Obama no sentido de que se proceda à alienação destes bens para “pagar a dívda”.
As maiores “reservas” do setor público da Grécia, que ainda não foram usadas no contexto da crise, encontra-se nos mais de 80 mil edifícios e terrenos.
Analistas da PWC apontam que a Suécia tem propriedades estatais comercializáveis no valor de 100 a 120 bilhões de USD.
Os mercados financeiros estão sequiosos por este solo que é pertença dos estados, parte dele constitudo por florestas como é o caso da Alemanha, e pelos diversos tipos de edifícios públicos.
Por cá já se tem vindo a assistir a algumas alienações de edifícios e solos, por exemplo de origem militar e hospitalar, que, no mínimo, podem ser consideradas obscuras.
O editorialista, atento e moderado, alerta para as dificuldades que podem surgir por parte de “sensibilidades particulares”, como aquelas que afligiram Reagan quando pretendeu vender lotes de terrenos públicos no oeste americano e uma coligação de ecologistas e proprietários pecuarios se oposeram. Recorda, também, que o governo britânico encontrou grandes dificuldades quando, em 2010, pretendeu por à venda partes significativas de floresta pública.
Para que tudo isto avance mundo fora será necessários que os governos sejam “diligentes”, e, sobretudo, sejam “muito competentes” nas atualizações cadastrais públicas. Para além disso, as avaliações devem ter na sua base critérios de medida usados pelas empresas financeiras privadas.
A Itália, lembra a Economist, carrega um fardo da dívida pública de 132% do PIB e os seus planos de privatização são considerados “tímidos”. Mas o estado italiano tem proporcionalmente mais para vender do que a maioria dos outros países ricos, com participações societárias no valor de cerca de 225 biliões de dólares (cerca de 200 mil milhões de €) e – é aqui que está o novo filão – ativos não-financeiros que valem 1 600 triliões de dólares (ou 1 400 biliões de €) .
Entre os diversos conselhos dados diz-se que “os governos devem suar para determinar o que resta nas mãos do Estado” e que, “não existindo um modelo único para a gestão de bens públicos”, uma norma se impõe: substituir os funcionários públicos (designados por camaradas) por “gestores experientes, protegidos das interferências políticas”. Ora bem, e nós que ainda não tinhamos percebido!
Aqui chegados importa estabelecer conexão com algumas tendências já evidenciadas pelos governos portugueses, com particular destaque para a comissão liquidatária instalada em S. Bento.
A proposta de Lei de bases do solo, em trânsito na Assembleia da República, apresenta alguns alçapões no sentido de facilitar a concentração patrimonial imobiliária em mãos de privados e centros financeiros poderosos.
Também no que se refere à “politicamente correta” proposta de limpeza obrigatória das matas e florestas, subsistem dúvidas se os milhares de pequenos proprietários, que nem sabem, bastas vezes, onde estão as suas parcelas, não irão ser empurrados para alienações forçadas, por exemplo, às celuloses.
No futuro, não serão apenas as poucas participações públicas sobrantes em empresas estratégicas que serão vendidas a chineses, indianos, espanhóis, árabes, angolanos, americanos e alemães.
Para além dos imóveis e dos terrenos produtivos particulares em venda acelerada no âmbito do programa “vistos Gold”, será o solo e o património imobiliário público que serão alienados. E, quem sabe, parte do mar português.
Isto se nós deixarmos.
pracadobocage.wordpress.com
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