Um diplomata na Revolução
Na passada sexta-feira, à volta de um café nos couros queirosianos do Grémio Literário, um capitão de abril lembrava-me que fora daquele mesmo local que, em 25 de abril de 1974, um diplomata português, então no exercício de funções políticas, organizara a mediação entre Marcelo Caetano e António de Spínola, que acabou com a rendição do chefe do governo, aquando da célebre deslocação de Spínola ao Carmo.
O diplomata chamava-se Pedro Pinto e era, à altura, subsecretário de Estado da Informação. Morreu há semanas. Nesse dia, ao aperceber-se pela rádio do impasse que estava criado no largo do Carmo, com o quartel da GNR rodeado pelas tropas de Salgueiro Maia, que se confrontava com a recusa de Caetano de se render às forças do Movimento das Forças Armadas, Pedro Pinto tomou a iniciativa de enviar ao Carmo o diretor-geral da Informação, Pedro Feytor Pinto, acompanhado de Nuno Távora. Feytor Pinto, homem muito próximo de Caetano, constatou então a disponibilidade deste último de se render, evitando o assalto ao quartel pelas forças do MFA que estava iminente, desde que o poder "não caísse na rua". Caetano aceitou a hipótese de transmitir o poder a António de Spínola que, para tal, foi mandatado pelo Movimento, depois de uma chamada telefónica para o "posto de comando" do MFA, na Pontinha.
A iniciativa de Pedro Pinto terá tido duas consequências importantes. Por um lado, terá evitado um número significativo de vítimas, que o assalto ao quartel e a reação das respetivas tropas iriam seguramente provocar, não apenas entre militares mas igualmente entre os milhares de civis que enchiam o Carmo, bem como nas famílias dos GNR, que com eles viviam no quartel. A decisão de ataque ao quartel fora já tomada, tendo Salgueiro Maia recebido ordem escrita de Otelo Saraiva de Carvalho para assim proceder, depois das muitas horas de impasse que se viveram.
Mas houve uma consequência política muito importante que a espetacular deslocação de Spínola ao Carmo acabou por ter. O general, que estava a par do Movimento mas que estava longe de ser o seu líder ou sequer a personalidade que o MFA pretendia ver à frente da nova Junta de Salvação Nacional, terá ganho, pelo protagonismo criado nesse momento, uma vantagem imediata na luta pelo poder. Esta sua momentânea proeminência desequilibrou, em definitivo, a relação de forças em seu favor, potenciando a retração de Costa Gomes para assumir a liderança da Junta. A História seria seguramente muito diferente se tivesse sido este último e não Spínola a titular a Revolução.
Se acaso Caetano se tivesse rendido a Salgueiro Maia, se tivesse sido preso e posteriormente julgado com outros responsáveis pelos crimes regime ditatorial, talvez tivesse sido possível fazer o processo do "Estado Novo", talvez os agentes da PIDE e os magistrados cúmplices dos Tribunais Plenários tivessem sido condenados. Nada assim aconteceu. Sem consultar o MFA, contrariando os termos do "memorando" assinado na Pontinha na noite de 25 de abril, a Junta decidiu, poucos dias depois, exilar Caetano, Tomaz e outras figuras para o Brasil. Se os mandantes tinham sido postos a salvo, que legitimidade tinha a condenação dos subordinados?
Hoje, dia em que falo em Paris sobre a Revolução de abril, apeteceu-me lembrar este episódio e o papel histórico que um diplomata português acabou por nela desempenhar.
duas-ou-tres.blogspot.pt
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