Já não há pachorra para os Calimeros
O Calimero diz que o país não lhe deu as oportunidades que ele merecia. Chora, porque vai ter que deixar para trás os pais, os amigalhaços do peito, o Citroen, o gato Xoné e a vidinha que por cá fazia
O jovem Calimero é cada vez mais uma figura de relevo em Portugal. Não há semana em que não apareça a dar entrevistas na televisão ou a ser retratado por jornalistas que adoram dar palco aos coitadinhos a quem foi amputado o futuro e que se vêem agora forçados a refazer a vida noutras paragens.
O Calimero diz que o país não lhe deu as oportunidades que ele merecia. Chora, porque vai ter de deixar para trás os pais, os amigalhaços do peito, o Citroën, o gato Xoné e a vidinha que por cá fazia. E quando chega ao estrangeiro aproveita para ulular que lá é que é bom. Que aquilo é um admirável mundo novo. E, se puxarem por ele, até se refere a Portugal como uma piolheira onde não se importa de passar férias em Agosto, mas à qual muito dificilmente voltará. “A não ser que o país dê a volta. O que não acredito”, diz.
Felizmente não sou grande amigo destes Calimeros. Acredito mesmo que constituem uma minoria hiperbolizada por alguma comunicação social que adora dar de beber a um povo a salivar por histórias de fracos e oprimidos. Prefiro dar-me com os emigrantes normais. Aqueles que até estavam no “bem bom” ou no “vai-se andando” em Portugal. Mas que decidiram emigrar, porque acharam, e bem, que o país era pequeno para eles. Ambicionaram mais. E partiram com o objectivo de se tornarem ainda melhores.
E nem estou a falar de Ronaldo ou de um desses gestores capa de revista de negócios. Refiro-me ao comum responsável de recursos humanos, que aceitou uma oferta da empresa onde trabalhava em Lisboa para ir para Luanda ajudar a recrutar pessoas no novo escritório que lá abriram. Ou ao jovem engenheiro que estava quase a perder o emprego em Portugal, mas que se antecipou e emigrou para o Dubai, onde agora lhe pagavam um múltiplo que cá nunca conseguiria replicar. Ou mesmo do recém-licenciado que não se limitou a esperar que Portugal lhe desse a mão e foi à procura de trabalho onde pudesse aplicar o que aprendeu durante o curso.
Já o emigrante Calimero tem uma génese diferente. Com 20 e poucos anos de idade, uma licenciatura de Bolonha na mão e militante activo da geração Lol, acredita que tudo na vida é fácil e instantâneo como os likes do Facebook ou os posts do Instagram. Quer um emprego, uma oportunidade. De preferência no burgo onde vive, bem pago e, claro está, de acordo com o que andou a aprender nas cadeiras na faculdade. Habituou-se à boa vidinha que Portugal oferece. Mas esqueceu-se que a boa vidinha tem que ser paga com bom trabalhinho. E o bom trabalhinho nem sempre é aquele que queremos. Mas aquele que há.
A choradeira desta gente é alimentada pelo mito que o país investiu milhões a formar a melhor geração que Portugal viu nascer. E que agora a desperdiça e a enxota para fora da zona de conforto. “É a fuga de talentos”, dizem alguns jornais.
O que muitos se esquecem, e o que os Calimeros não querem ver, é que o país não tem de concretizar os sonhos de menino destes imberbes adultos cheios de “talento”. Ou sustentar profissões que já não fazem sentido. E que o curso que eles tiraram é irrelevante se não tiver sustento no lado da procura.
É importante que alguém desengane este jovem parvenu e lhe explique que uma licenciatura não é mais que uma licença para desempenhar uma função. E em nenhum lugar foi dito ou escrito que o detentor dessa licença tem o direito a desempenhá-la. Muito menos à porta da casa dos papás!
E quando existem quase 1,5 milhões de licenciados (a que todos os anos se juntam mais 80 mil), não será difícil adivinhar que, num futuro próximo, alguns caixas de supermercado, empregadas da limpeza ou empregados de balcão sejam licenciados. É uma evolução vulgar de Lineu: se caminhamos, e bem, para a educação superior de quase todos, alguns vão ter de fazer o que tem de ser feito e não o que gostariam de fazer.
Estes Calimeros têm por isso duas opções: ou ficam, acordam para vida e se adaptam. Ou vão sonhar para outro lado. Emigrando para países onde as suas valências sejam sustentadas por quem consuma e lhes pague o mundo de fantasias onde eles querem viver.
Mas sem choros, por favor. É que já ninguém os pode ouvir.
Texto de Nuno Abrantes Ferreira
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