Portugal como Deus quer
Como lidar com a actual crise mantendo intactos os privilégios de quem a gerou? Mais detalhe, menos detalhe, com dose reforçada de futebol pelo meio, assim decorreu Junho, tal como toda a série de meses anteriores. Há demasiado tempo que vem sendo assim, cada dia com notícias piores que o anterior, sem que o público, as vítimas desta realidade, se organize numa reacção firme de escolha de outro caminho. As percepções permanecem bem comandadas.
Muito se escreveu sobre a última Cimeira europeia e sobre o alegadamente herói Monti, autor de uma bravata que fez chorar Angela Merkel, pintada agora pelos seus anteriormente indefectíveis como cada vez mais sozinha e à espera de uma morte política anunciada. Tratou-se, tão-somente, de nova versão, como é tradição, a pôr em prática lá mais para diante, do mesmo caminho de austeridade e de “reformas estruturais” que até aqui nos trouxe, desta feita, uma tentativa de redefinição do enquadramento financeiro de recapitalização de um sector financeiro falido que, no essencial, permita prosseguir com a agenda de reconfiguração social e de concentração de riqueza em curso.
Sobre os eurobonds, ou de outro mecanismo que possibilite aos estados financiarem-se directamente e nas mesmas condições em que actualmente o fazem os bancos junto do BCE, sem a sua intermediação financeira, que custa anualmente aos contribuintes portugueses mais de 5 mil milhões de euros, nem ouvir falar. Ou melhor, quase. Na Alemanha, Angela Merkel aprovou um mecanismo de "deutsche bonds", em tudo semelhante aos odiados eurobonds, que torna mais barato o financiamento dos estados alemães. Pedro Passos Coelho mantém-se na linha da frente daqueles que aplaudem, ao mesmo tempo que defendem que o que é bom para a pátria da virtude, a Alemanha, seria mau para antros de vício e de preguiça, bem mais vocacionados para a acção purificadora do sacrifício e do chicote.
Como Portugal. Graças a Deus que temos um Governo que prima pela competência, pelo rigor e pela transparência. A competência que continuou a dar total liberdade à destruição da economia por si conduzida para fazer resvalar a despesa pública e para encolher as receitas fiscais. O rigor que deixa mais austeridade prometida para tão breve quanto seja possível anunciá-la. E a transparência que catapultou mais um nome laranja do escritório de advogados que produziu 20 anos de acordos entre governos e o sector da energia directamente para a administração de uma das mais recentes alienações estatais a preços de saldo: a REN.
“As tarifas de gás e electricidade voltaram a aumentar”, “Enfermeiros contratados a 4 euros por hora”, “doentes diabéticos internados em hospitais deixam de receber uma refeição durante a noite e deste modo passam a correr risco de vida”, “"as populações de várias aldeias da Linha do Tua perderam hoje o único transporte público com o fim do serviço dos táxis alternativos ao comboio"”, “"Segurança Social encerra call center e despede 400 funcionários"”, que importa? Onze por todos e todos por onze. Há três portugueses entre os melhores vinte e três do euro-2012. Défice de 7,9% no primeiro trimestre, desemprego a pular os 20% e os juros da nossa dívida bem acima do sustentável, a atestar que a credibilidade de Portugal “lá fora” está melhor do que nunca. Venha Julho, pior do que Junho. E as sondagens que voltem a mostrar que está tudo como Deus quer.
O país do burro
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