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quarta-feira, 2 de maio de 2012

ROMANCE DO HOMEM DE BOCA FECHADA

Um poema de Jaime Cortesão que me foi dado a conhecer recentemente, uma alusão a um episódio protagonizado pelo homem que não traíu, que cortou a própria língua para não falar...: Jaime Rebelo.










ROMANCE DO HOMEM DE BOCA FECHADA





—Quem é esse homem sombrio

Duro rosto, claro olhar,

Que cerra os dentes e a boca

Como quem não quer falar?

— Esse é o Jaime Rebelo,

Pescador, homem do mar,

Se quisesse abrir a boca,

Tinha muito que contar.



Ora ouvireis, camaradas,

Uma história de pasmar.



Passava já de ano e dia

E outro vinha de passar,

E o Rebelo não cansava

De dar guerra ao Salazar.

De dia tinha o mar alto,

De noite, luta bravia,

Pois só ama a Liberdade,

Quem dá guerra à tirania.

Passava já de ano e dia...

Mas um dia, por traição,

Caiu nas mãos dos esbirros

E foi levado à prisão.



Algemas de aço nos pulsos,

Vá de insultos ao entrar,

Palavra puxa palavra,

Começaram de falar

—Quanto sabes, seja a bem,

Seja a mal, hás de contá-lo,

— Não sou traidor, nem perjuro;

Sou homem de fé: não falo!

— Fala: ou terás o degredo,

Ou morte a fio de espada.

— Mais vale morrer com honra,

Do que vida deshonrada!



—A ver se falas ou não,

Quando posto na tortura.

—Que importam duros tormentos,

Quando a vontade é mais dura?!



Geme o peso atado ao potro

Já tinha o corpo a sangrar,

Já tinha os membros torcidos

E os tormentos a apertar,

Então o Jaime Rebelo,

Louco de dor, a arquejar,

Juntou as últimas forças

Para não ter que falar.

— Antes que fale emudeça! -

Pôs-se a gritar com voz rouca,

E, cerce, duma dentada,

Cortou a língua na boca.



A turba vil dos esbirros

Ficou na frente, assombrada,

Já da boca não saia

Mais que espuma ensanguentada!



Salazar, cuidas que o Povo

Te suporta, quando cala?

Ninguém te condena mais

Que aquela boca sem fala!



Fantasma da sua dor,

Ainda hoje custa a vê-lo;

A angústia daquelas horas

Não deixa o Jaime Rebelo.

Pescador que se fez homem

Ao vento livre do Mar,

Traz sempre aquela visão

Na sombra dura do olhar,

Sempre de boca apertada,

Como quem não quer falar.

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