Um poema de Jaime Cortesão que me foi dado a conhecer recentemente, uma alusão a um episódio protagonizado pelo homem que não traíu, que cortou a própria língua para não falar...: Jaime Rebelo.
ROMANCE DO HOMEM DE BOCA FECHADA
—Quem é esse homem sombrio
Duro rosto, claro olhar,
Que cerra os dentes e a boca
Como quem não quer falar?
— Esse é o Jaime Rebelo,
Pescador, homem do mar,
Se quisesse abrir a boca,
Tinha muito que contar.
Ora ouvireis, camaradas,
Uma história de pasmar.
Passava já de ano e dia
E outro vinha de passar,
E o Rebelo não cansava
De dar guerra ao Salazar.
De dia tinha o mar alto,
De noite, luta bravia,
Pois só ama a Liberdade,
Quem dá guerra à tirania.
Passava já de ano e dia...
Mas um dia, por traição,
Caiu nas mãos dos esbirros
E foi levado à prisão.
Algemas de aço nos pulsos,
Vá de insultos ao entrar,
Palavra puxa palavra,
Começaram de falar
—Quanto sabes, seja a bem,
Seja a mal, hás de contá-lo,
— Não sou traidor, nem perjuro;
Sou homem de fé: não falo!
— Fala: ou terás o degredo,
Ou morte a fio de espada.
— Mais vale morrer com honra,
Do que vida deshonrada!
—A ver se falas ou não,
Quando posto na tortura.
—Que importam duros tormentos,
Quando a vontade é mais dura?!
Geme o peso atado ao potro
Já tinha o corpo a sangrar,
Já tinha os membros torcidos
E os tormentos a apertar,
Então o Jaime Rebelo,
Louco de dor, a arquejar,
Juntou as últimas forças
Para não ter que falar.
— Antes que fale emudeça! -
Pôs-se a gritar com voz rouca,
E, cerce, duma dentada,
Cortou a língua na boca.
A turba vil dos esbirros
Ficou na frente, assombrada,
Já da boca não saia
Mais que espuma ensanguentada!
Salazar, cuidas que o Povo
Te suporta, quando cala?
Ninguém te condena mais
Que aquela boca sem fala!
Fantasma da sua dor,
Ainda hoje custa a vê-lo;
A angústia daquelas horas
Não deixa o Jaime Rebelo.
Pescador que se fez homem
Ao vento livre do Mar,
Traz sempre aquela visão
Na sombra dura do olhar,
Sempre de boca apertada,
Como quem não quer falar.
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