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quarta-feira, 2 de maio de 2012



A mulher que segurava uma caixa de madeira

A mulher estava ali de novo. O João tinha reparado nela pela primeira vez havia talvez umas duas semanas. Estava sentada num banco do jardim que ficava do outro lado da rua, mesmo em frente de casa. Provavelmente aquela mulher já devia frequentar o jardim há mais tempo. Mas só tinham passado duas semanas desde que o João a vira pela primeira vez. Costumava sair apressado para apanhar o autocarro, na paragem que se encontrava a cinquenta metros dali. Como ele, à mesma hora do dia, muitas pessoas aguardavam o autocarro que as levaria para o trabalho. A rua fervilhava de gente, de carros, de buzinas, de fumos… e do lado de lá da estrada, sentada no banco do jardim, estava aquela mulher. Imóvel, olhando fixamente para os prédios que se encontravam na sua frente, no lado da rua por onde João passava todos os dias. A mulher segurava uma pequena caixa. Era uma pequena caixa de madeira. Olhando para aquela mulher o João parecia conhecê-la de algum lugar. Esforçava a memória mas não conseguia perceber de onde. Já na paragem do autocarro, olhava para trás, para o lado o banco do jardim e para aquela mulher e concluía que a conhecia dali. Mais nada.

Ultimamente, também aos fins de semana, quando o João saía de casa, via ali a mulher. Imóvel, sempre sentada no mesmo banco do jardim, a mulher segurava uma pequena caixa de madeira. Por vezes levantava a cabeça e olhava para o lado do prédio onde o João morava. E logo olhava de novo para a caixa.

Havia cinco anos já que o João morava naquele prédio. Tinha-se mudado depois da morte do pai. Ali sempre estava mais próximo do emprego e de alguns amigos com quem partilhava esporadicamente saídas à noite. Tinha sido criado pelo pai e sempre tinha vivido com ele. Quando este morreu não suportou continuar na mesma casa. Vivia só mas gostava daquele lugar. O jardim, ali tão próximo, levava até ele os sons das brincadeiras das crianças que todos os dias usavam os baloiços e o canto das aves, logo pela manhã. A vida corria-lhe sem sobressaltos mas desde que reparara naquela mulher sentia-se inquieto. Não conseguia perceber porque razão isso sucedia mas dava por si a espreitar com certa frequência pela janela da sala, procurando com o olhar aquele banco de jardim onde a mulher costumava estar sentada.

Numa tarde de sábado, estava nas traseiras ocupado na rega das plantas que tinha na marquise, quando ouviu a sirene da ambulância. Terminou a sua tarefa e dirigiu-se à janela da sala como tantas vezes fazia. Olhando para o lado do jardim percebeu que os socorristas se afadigavam junto ao banco onde a mulher costumava estar sentada. Pouco depois a ambulância retomava a sua marcha e alguns transeuntes que assistiam ao socorro dispersaram. Parado, à janela, o João continuava a olhar para o banco do jardim, agora vazio. A fim de uns instantes avistou junto ao banco, quase por baixo dele, um pequeno volume. Esforçou o olhar e percebeu que devia ser a caixa de madeira que aquela mulher costumava segurar. Num impulso saiu de casa, atravessou a estrada e correu para aquele banco. Pegou na caixa. Sentou-se, tal qual aquela mulher costumava estar sentada. Sentia uma agitação no peito enquanto uma força maior lhe movia os dedos das mãos que, como autómatos, abriram a caixa de madeira. Lá dentro o João encontrou apenas uma velha fotografia. Trémulo pegou-lhe e viu-se, menino, ao colo de uma desconhecida.

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