DOS MENINOS QUE NASCEM... E DOS QUE MORREM
O menino sentiu, quis e bateu à porta; - Truz, truz…
Era já uma decisão pessoal. Transcendia-o, mas era a mais importante das decisões que uma vida pode tomar assim que o tempo e as variáveis apontam o instante e o passo inicial do primeiro caminho…
A porta abriu-se de rompante deixando filtrar uma luminosidade vaga, macia, imperiosa. Sabia exactamente o que fazer. Foi em frente, sem hesitar um segundo. Impunha-se-lhe ser o primeiro a alcançar aquele indefinível pontinho rosado que sabia sem conhecer.
Assim se cumpria no seu primeiríssimo destino. O segundo seria o da transformação e também a esse foi cumprindo no mais pleno usufruto de todas as suas potencialidades. Cresceu no conforto morno do nicho, utilizando cada novo pedacinho de si, cada instrumento que o tempo e a vida lhe legavam no momento certo, sem questionar-se mais do que o que empenho do próprio gesto lhe poderia impor… fruindo apenas, aprendendo a cada segundo, trabalhando, sempre, na sua própria construção.
Ao cabo de uns poucos meses, aprendeu a chuchar nos deditos que acabavam de formar-se, a ensaiar os movimentos respiratórios que o futuro lhe viria a exigir, a pontapear o líquido amniótico que o envolvia por inteiro e a dar cambalhotas, como se adivinhasse que todos, mais tarde ou mais cedo, nos poderemos ver forçados a experimentá-las. Cumpriu-se, cumprindo-se assim. Simplesmente.
Ouviu sons e aprendeu a entendê-los. Reconheceu-lhes as modulações e, sem que ninguém o sonhasse, dançou as suas primeiras danças.
Descobriu que há horas estáticas, silenciosas em que o sono nos embala e seduz e horas apressadas, trepidantes, em que importa estar alerta, escutando e assimilando cada novo impulso externo. Por vezes – tantas… - respondeu aos mais ínfimos estímulos naquele morse muito pessoal, mal-amanhado na ternura da curiosidade animal que desponta. Comunicava. Sabia-SE e dava-se a conhecer, respondendo a quem o saudasse desde o lado de fora e entendeu – entendeu mesmo! – que a vida continuava para além do oco macio onde lhe coubera começar a ser.
Resmungou e chorou sem que outros ouvidos o pudessem ouvir e sorriu, sorriu muito, sem que outros olhos o pudessem ver, mas ensaiou e burilou, a cada segundo, o seu novo estatuto de ser vivo em construção.
Um dia… um dia chegou o momento da grande aventura, da assustadora viagem, do aperto, do sufoco, do rude encontro com um desconhecido que apenas pudera pressentir. Foi duro. Nada se consegue facilmente nesta vida e até os meninos que nascem têm de lutar pela sobrevivência.
Sofreu pela primeira vez e protestou gritando a plenos pulmões enquanto as mãos, desesperadamente, tentavam segurar coisa nenhuma.
Alguém lhe estendeu um dedo que agarrou com a força de quem conquista um mundo… ou um direito. Adormeceu a seguir, exausto, por um instante rendido ao novíssimo desconforto. E continuou a viver…
Era já uma decisão pessoal. Transcendia-o, mas era a mais importante das decisões que uma vida pode tomar assim que o tempo e as variáveis apontam o instante e o passo inicial do primeiro caminho…
A porta abriu-se de rompante deixando filtrar uma luminosidade vaga, macia, imperiosa. Sabia exactamente o que fazer. Foi em frente, sem hesitar um segundo. Impunha-se-lhe ser o primeiro a alcançar aquele indefinível pontinho rosado que sabia sem conhecer.
Assim se cumpria no seu primeiríssimo destino. O segundo seria o da transformação e também a esse foi cumprindo no mais pleno usufruto de todas as suas potencialidades. Cresceu no conforto morno do nicho, utilizando cada novo pedacinho de si, cada instrumento que o tempo e a vida lhe legavam no momento certo, sem questionar-se mais do que o que empenho do próprio gesto lhe poderia impor… fruindo apenas, aprendendo a cada segundo, trabalhando, sempre, na sua própria construção.
Ao cabo de uns poucos meses, aprendeu a chuchar nos deditos que acabavam de formar-se, a ensaiar os movimentos respiratórios que o futuro lhe viria a exigir, a pontapear o líquido amniótico que o envolvia por inteiro e a dar cambalhotas, como se adivinhasse que todos, mais tarde ou mais cedo, nos poderemos ver forçados a experimentá-las. Cumpriu-se, cumprindo-se assim. Simplesmente.
Ouviu sons e aprendeu a entendê-los. Reconheceu-lhes as modulações e, sem que ninguém o sonhasse, dançou as suas primeiras danças.
Descobriu que há horas estáticas, silenciosas em que o sono nos embala e seduz e horas apressadas, trepidantes, em que importa estar alerta, escutando e assimilando cada novo impulso externo. Por vezes – tantas… - respondeu aos mais ínfimos estímulos naquele morse muito pessoal, mal-amanhado na ternura da curiosidade animal que desponta. Comunicava. Sabia-SE e dava-se a conhecer, respondendo a quem o saudasse desde o lado de fora e entendeu – entendeu mesmo! – que a vida continuava para além do oco macio onde lhe coubera começar a ser.
Resmungou e chorou sem que outros ouvidos o pudessem ouvir e sorriu, sorriu muito, sem que outros olhos o pudessem ver, mas ensaiou e burilou, a cada segundo, o seu novo estatuto de ser vivo em construção.
Um dia… um dia chegou o momento da grande aventura, da assustadora viagem, do aperto, do sufoco, do rude encontro com um desconhecido que apenas pudera pressentir. Foi duro. Nada se consegue facilmente nesta vida e até os meninos que nascem têm de lutar pela sobrevivência.
Sofreu pela primeira vez e protestou gritando a plenos pulmões enquanto as mãos, desesperadamente, tentavam segurar coisa nenhuma.
Alguém lhe estendeu um dedo que agarrou com a força de quem conquista um mundo… ou um direito. Adormeceu a seguir, exausto, por um instante rendido ao novíssimo desconforto. E continuou a viver…
Assim nasceu o menino-vivo.
Em tudo o mais o meu viveu, sentiu, aprendeu e se cumpriu mas, na hora do sufoco, não teve mãos que o amparassem na inevitável aventura. A grande, grande viagem foi a primeira… e a última.
Maria João Brito de Sousa – Verão de 1989
contra-sensual.blog.sapo.pt
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