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Cento e vinte e seis anos depois, a evocação dos factos que estiveram na origem da comemoração do primeiro de Maio como dia do trabalhador mantém plena actualidade.
Sob a capa de um cosmopolitismopost moderno, revela-se-nos uma realidade com novos contornos e cores brilhantes mas que continua a comportar o mundo velho da exploração do homem pelo homem, do egoísmo e do desrespeito perante quem depende do seu trabalho para viver.
A um de Maio de 1886 muitos milhares de trabalhadores de Chicago reivindicaram nas ruas uma jornada de trabalho de oito horas diárias. A manifestação foi reprimida e viria a acabar com um significativo saldo de mortos e feridos. Um panorama que o Portugal do Estado Novo bem conheceu – o dia dos trabalhadores era data proibida e aqueles que se atreviam a comemorá-lo eram severamente perseguidos, espancados e encarcerados.
Viriam a passar muitos anos e muitas lutas antes que as oito horas fossem reconhecidas como horário de trabalho um pouco por todo o mundo – a primeira República portuguesa consagrou-o em 1919.
Um longo percurso foi percorrido ao longo do século XX. A germinação dos ideais socialistas, anarquistas e comunistas, o fortalecimento do movimento operário e a estruturação de pujantes movimentos sindicais foram alguns dos aspectos que contribuíram para mudar a face das sociedades europeias ao longo do século passado. E que forçaram à regulação um capitalismo inicialmente selvagem… mas que sempre espreita e tenta regressar.
O direito a uma jornada de trabalho digna, ao salário mínimo, a férias pagas, à contratação, ao apoio na doença, no desemprego e na velhice, o acesso à saúde, à educação ou à cultura, foram sempre o resultado de árduas batalhas travadas por gerações e gerações de trabalhadores. Direitos sempre conseguidos “a ferros”, com elevados custos para muitos dos seus protagonistas, não raro pagos com a vida. Sempre em risco de serem confiscados na primeira curva. E sempre carentes de serem activamente defendidos numa luta permanente.
É num desses momentos em que nos encontramos. Numa curva da história, em que alguns pretendem, de uma assentada, cumprir uma agenda secular – restringir o trabalho a uma reserva abundante, dócil e barata, que esteja ali à mão. Com o mínimo de direitos e sem garantias. A mesma agenda que aponta para a privatização dos mais básicos dos bens públicos – como a água!
O proto Estado Social que os portugueses conseguiram construir nas últimas décadas está em risco. A crise das dívidas soberanas e a imputação dos seus custos aos salários e aos direitos laborais são apenas uma “boa desculpa” para uma revanche histórica nunca conseguida.
Mas será um erro considerar que cada país poderá hoje manter, de per si, o seu Estado Social. A globalização e a criação de espaços económicos amplos e transnacionais devem ser acompanhadas por adequadas respostas dos cidadãos e dos trabalhadores. Por isso são necessários amplos entendimentos internacionais, entre partidos e movimentos políticos, confederações sindicais – os desafios transcendem já cada uma das nações. Nações onde, aliás, resta já muito pouca da sua soberania.
Concertação?
Apresentado como um troféu em todas as deslocações que o ministro das finanças tem feito pelo estrangeiro, o acordo do Governo com o patronato e a UGT esconde o principal. É que foi para “inglês ver” (UE, BCE, FMI e outros, entenda-se) e uma das partes, os trabalhadores e os seus sindicatos, ficou claramente sub-representada.
O acordo foi esquecido logo após a sua assinatura. O próprio líder da UGT, João Proença, o confirmou afirmando que só houve preocupação com a implementação das medidas de natureza laboral – aliás, profundamente lesivas para os trabalhadores.
O verdeiro acordo foi o do medo. O mesmo medo do presente e do futuro que se abateu sobre as pessoas e sobre o país.
Que o Primeiro de Maio seja uma demonstração contra o medo.
Praça do Bocage