Há 50 anos, um Homem com Três Metros de Altura foi assassinado
19Segunda-feiraDez 2011
José Dias Coelho vem de Pinhel para Lisboa com o olhar carregado pelas cores sombrias que cobriam um país pobre, de homens violentamente explorados, calados pela repressão policial, condenados à ignorância por um regime brutal de crueldades dissimuladas e moralismos sonsos. Vai acumulando indignações contra esses dias, esses anos de chumbo em que faz o percurso liceal que o conduzirá à Escola de Belas-Artes onde entrará e irá conviver com um grupo de jovens, Victor Palla, Júlio Pomar, Vespeira, Sá Nogueira, João Abel Manta, Bartolomeu Cid dos Santos, Fernando Azevedo, Jorge Vieira, Vitório David, Jorge de Oliveira, entre outros, que vivem intensamente as artes que lá fora, bem longe, tumultuam a modernidade que muito os entusiasma. Vão mergulhar e enfrentar o pó espesso que andava suspenso no ar da escola. Que se infiltrava por todas as frinchas, habitava a cabeça dos professores, as excepções eram raríssimas. É um ambiente sufocante, perverso. As revoltas crescem dentro dele. Ganham sentido. Direccionam-se. Nas Juventudes Comunistas, onde começa a militar, encontra a forma de as objectivar. O seu tempo é preenchido e dividido entre a actividade artística e a política.
A sua capacidade de intervenção e de organização distinguem-se tanto na política como nas artes. É um dos organizadores das Exposições Gerais de Artes Plásticas, numa Sociedade Nacional de Belas-Artes, recuperada pelos artistas democratas. Nessa altura Dias Coelho, que tinha começado por frequentar o curso de arquitectura, muda de rumo e inscreve-se em escultura, numa escola que continua dramaticamente parada no tempo.
Faz inúmeros desenhos preparatórios de esculturas que também começam a soltar-se das suas mãos. O desenho sai fácil. O traço é de grande clareza. O seu acentuado realismo deixa, no entanto transparecer o conhecimento e a prática de abstracções provavelmente de cariz geométrico que nunca dará a conhecer. A interdisciplinaridade entre a arquitectura, a pintura e a escultura, afirmada no 1º Congresso nacional dos Arquitectos Portugueses, dá-lhe oportunidade de obras suas serem integradas nas escolas primárias de Vale Escuro e de Campolide, na Fábrica Secil no Outão, no Café Gelo, no Café Central das Caldas da Rainha. Obras que anunciam um artista.
A prática artística é exigente. Requer trabalho, trabalho continuado. Procura conciliar isso com uma intensa actividade política e também com as paixões da vida que o levam a casar com a sua colega de pintura, Margarida Tengarrinha. Escasseia o tempo para tanta actividade. Não quer perder a mão e o conhecimento da arte. Trabalha com os modelos que lhe estão próximos, o pai, a irmã, os amigos. Trabalha com materiais pobres: o barro, o gesso. Risca papel com grafite e carvão. Pinta com aguarelas e guaches. Isto enquanto vai dedicando cada vez mais tempo à actividade política onde lhe são reconhecidas invulgares capacidades de organizador. O seu prestígio nos meios intelectuais é imenso.
É um homem que quer ser artista e a quem não era difícil prever um lugar destacado nesse universo, um homem que é um artista de quem nunca se saberá o artista que teria sido, porque a sua alma de artista não permite que o seu olhar se desvie do seu país vergado à tirania do fascismo e por ser incapaz de alienar a sua função social e o seu sentido de pertença às massas populares.
Opta pela luta política. Entra na clandestinidade. Sabe que vai abandonar qualquer possibilidade de ter tempo para aprofundar a prática das artes. O que irá realizar a partir desse momento está sujeito ao contingente, às urgências militantes. Distante ficava o tempo em que observava e reflectia sobre as obras de Matisse ou Chagall que claramente fulguram em muitos dos seus desenhos. Os tiros que assassinaram o homem, o combatente antifascista são os mesmos que, antes de terem sido disparados, tinham cortado cerce uma carreira artística que se adivinhava promissora, que merecera o incentivo de várias críticas e premiações mas que ficara trancada quando, por funda convicção e opção assumida, meteu a chave para abrir a porta da clandestinidade a mesma que lhe fechava o acesso a uma vida normal dentro da anormalidade quotidiana que se vivia em Portugal.
A sua capacidade de intervenção e de organização distinguem-se tanto na política como nas artes. É um dos organizadores das Exposições Gerais de Artes Plásticas, numa Sociedade Nacional de Belas-Artes, recuperada pelos artistas democratas. Nessa altura Dias Coelho, que tinha começado por frequentar o curso de arquitectura, muda de rumo e inscreve-se em escultura, numa escola que continua dramaticamente parada no tempo.
Faz inúmeros desenhos preparatórios de esculturas que também começam a soltar-se das suas mãos. O desenho sai fácil. O traço é de grande clareza. O seu acentuado realismo deixa, no entanto transparecer o conhecimento e a prática de abstracções provavelmente de cariz geométrico que nunca dará a conhecer. A interdisciplinaridade entre a arquitectura, a pintura e a escultura, afirmada no 1º Congresso nacional dos Arquitectos Portugueses, dá-lhe oportunidade de obras suas serem integradas nas escolas primárias de Vale Escuro e de Campolide, na Fábrica Secil no Outão, no Café Gelo, no Café Central das Caldas da Rainha. Obras que anunciam um artista.
A prática artística é exigente. Requer trabalho, trabalho continuado. Procura conciliar isso com uma intensa actividade política e também com as paixões da vida que o levam a casar com a sua colega de pintura, Margarida Tengarrinha. Escasseia o tempo para tanta actividade. Não quer perder a mão e o conhecimento da arte. Trabalha com os modelos que lhe estão próximos, o pai, a irmã, os amigos. Trabalha com materiais pobres: o barro, o gesso. Risca papel com grafite e carvão. Pinta com aguarelas e guaches. Isto enquanto vai dedicando cada vez mais tempo à actividade política onde lhe são reconhecidas invulgares capacidades de organizador. O seu prestígio nos meios intelectuais é imenso.
É um homem que quer ser artista e a quem não era difícil prever um lugar destacado nesse universo, um homem que é um artista de quem nunca se saberá o artista que teria sido, porque a sua alma de artista não permite que o seu olhar se desvie do seu país vergado à tirania do fascismo e por ser incapaz de alienar a sua função social e o seu sentido de pertença às massas populares.
Opta pela luta política. Entra na clandestinidade. Sabe que vai abandonar qualquer possibilidade de ter tempo para aprofundar a prática das artes. O que irá realizar a partir desse momento está sujeito ao contingente, às urgências militantes. Distante ficava o tempo em que observava e reflectia sobre as obras de Matisse ou Chagall que claramente fulguram em muitos dos seus desenhos. Os tiros que assassinaram o homem, o combatente antifascista são os mesmos que, antes de terem sido disparados, tinham cortado cerce uma carreira artística que se adivinhava promissora, que merecera o incentivo de várias críticas e premiações mas que ficara trancada quando, por funda convicção e opção assumida, meteu a chave para abrir a porta da clandestinidade a mesma que lhe fechava o acesso a uma vida normal dentro da anormalidade quotidiana que se vivia em Portugal.
Hoje, neste ano de 2011, passam cinquenta anos sobre o dia 19 de Dezembro em que um homem com três metros de altura foi assassinado a sangue frio, morrendo com ele um artista de quem nunca se viria a saber a altura.
blog Praça do Bocage
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