José Saramagonós cegos, puxo um fio que me aparece solto.Devagar o liberto, de medo que se desfaça entre os dedos.É um fio longo, verde e azul, com cheiro de limos,e tem a macieza quente do lodo vivo.---------------------------------------------É um rio.Corre-me nas mãos, agora molhadas.Toda a água me passa entre as palmas abertas, e derepente não sei se as águas nascem de mim, ou para mim fluem.Continuo a puxar, não já memória apenas, mas o próprio corpo do rio.Sobre a minha pele navegam barcos, e sou também osbarcos e o céu que os cobre e os altos choupos quevagarosamente deslizam sobre a película luminosa dos olhos.Nadam-me peixes no sangue e oscilam entre duaságuas como os apelos imprecisos da memória.Sinto a força dos braços e a vara que os prolonga.Ao fundo do rio e de mim, desce como um lento efirme pulsar do coração.Agora o céu está mais perto e mudou de cor.É todo ele verde e sonoro porque de ramo em ramo---------------------------------------acorda o canto das aves.E quando num largo espaço o barco se detém, o meucorpo despido brilha debaixo do sol, entre oesplendor maior que acende a superfície das águas.Aí se fundem numa só verdade as lembranças confusasda memória e o vulto subitamente anunciado do futuro.Uma ave sem nome desce donde não sei e vai pousarcalada sobre a proa rigorosa do barco.Imóvel, espero que toda a água se banhe de azul e queas aves digam nos ramos por que são altos oschoupos e rumorosas as suas folhas.Então, corpo de barco e de rio na dimensão do homem,sigo adiante para o fulvo remanso que as espadasverticais circundam.Aí, três palmos enterrarei a minha vara até à pedra viva.Haverá o grande silêncio primordial quando as mãos se-----------------------------------------------juntarem às mãos.Depois saberei tudo.
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