A indigitação de Artur Santos Silva para a presidência da Fundação Calouste Gulbenkian suscitou uma onda de euforia na sociedade civil em geral e em muitos meios intelectuais.
Foram cantadas hossanas às qualidades de banqueiro e à sua actividade em meios culturais, preconizando um futuro radioso ao novo líder e grande sucessor de Rui Vilar, à frente dos destinos da Fundação Gulbenkian.
Não duvidamos das suas apetências enquanto banqueiro. O BPI de que foi fundador e é presidente, muito lhe deve. Lembre-se o salto de leão que essa instituição bancária deu quando, sob a sua batuta, foi encarregue de avaliar o Banco de Fomento e preparar a privatização e tão bem o fez que acabou por ser o BPI a ficar na posse dessa instituição.
Quanto às suas intervenções nas áreas culturais são variegadas. De Serralves à Casa da Música, da Fundação Gulbenkian ao Porto Capital da Cultura, exercendo, ao que dizem, um magistério de influência junto dos privados ganhando-os para a causa cultural pública. Embora se saiba quão mitigada é, em proporção com a intervenção do Estado, a participação dos privados nessas instituições, o que nada os coíbe de reclamarem posições de destaque enormemente desporprocionadas nas suas gerências, quando cotejadas com a percentagem de cabedais que entregam para brunir com solarina cultural os seus brasões. A história recente da Casa da Música, os tambores que fizeram rufar na comunicação social, são um conto de encantar e não esquecer. Ainda no outro dia, fazendo fé nos meios de comunicação social, por intervenção directa do Dr. Artur Santos Silva, Serralves escapou ao anunciado corte de 30% que o Secretário de Estado da Cultura, obtida a aprovação do Ministro que o tutela, Pedro Passos Coelho, a todas as transferências para as Fundações em que o Estado participa. O que deveria provocar indignações nos meios ligados à cultura, quando se conhece que, no ano corrente, um visitante de Serralves custava ao Estado quase mais 4,5 vezes mais que um visitante do Museu de Arte Antiga.
A mais recente intervenção do Dr. Artur Santos Silva, presidente nomeado da Comissão para o Centenário da República, veio revelar um ângulo da sua personalidade verdadeiramente inquietante. Abriu a Comissão um concurso para a feitura da medalha comemorativa do Centenário da República. Foi nomeado um júri, constituído por personalidades com créditos firmados na área das artes visuais. Júri presidido pela historiadora Raquel Henriques da Silva, que entre outras relevantes actividades relacionadas com as artes visuais, foi directora do Instituto dos Museus e era membro efectivo da Comissão para as Comemorações do Centenário da República. Concorreram quatorze projectos. Foram seleccionados três e entre esses três a medalha submetida a concurso sob o pseudónimo de  Adre recebeu o voto unanime do júri conforme se pode ler na acta final.
Oculto sob o pseudónimo estava o escultor João Duarte, professor na FBAUL, e um dos medalhistas contemporâneos mais destacados a nível internacional. De nada lhe valeram os seus créditos firmados enquanto artista, o seu extenso currículo, a sua vasta galeria de premiações em toda a parte do mundo, para enfrentar o refinado gosto imperial republicano e laico do Dr. Artur Santos Silva.
A sequência dos sucessos após a decisão do júri é exemplar. A Casa da Moeda fez o primeiro protótipo e levou-o ao presidente da Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República, Artur Santos Silva, momento a partir do qual o processo parou, garante João Duarte. O escultor contactou por carta registada a Casa da Moeda, a comissão e o júri. A presidente de júri não respondeu, bem como a comissão. “A única resposta recebida foi da Casa da Moeda dizendo que não voltou a receber indicações para que a medalha fosse editada”, explicou o escultor publicamente durante o colóquio “A República e a sua expressão simbólica, antes e depois da Revolução de 5 de Outubro de 1910” no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, na tarde de sábado, 29 de Janeiro. Acrescentou que recebeu 1700 euros por ter sido o vencedor do concurso e quando percebeu que a medalha não tinha sido ainda editada chegou a oferecer-se para devolver o dinheiro de forma a garantir a edição da peça, o que mesmo assim não aconteceu.
Essa gente quando tem o poder, mesmo que esse poder deva ser democraticamente partilhado, sentem-se ungidos pelo poder e pela cor do dinheiro, mesmo quando o dinheiro não é deles mas de todos os contribuintes.Um tique inquietante que as hossanas da euforia cultural com a sua nomeação obliteraram mas não apagam.