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quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

O OUTRO LADO DA HISTÓRIA DO ASSALTO AO SANTA MARIA


Para o capitão Henrique Galvão, o assalto ao Santa Maria foi uma vitória. Para o comandante Jorge Soutomaior, um fracasso. José António Barreiros traduziu o relato de Soutomaior. O resultado, diz, é um livro que dá uma visão diferente daquela operação
Chama-se Eu Roubei o Santa Maria – relato de uma aventura real. É uma visão diferente do que se passou entre a madrugada de 22 de Janeiro e o dia 2 de Fevereiro de 1961, quando o paquete Santa Maria foi tomado por ex-combatentes galegos da Guerra Civil de Espanha e dissidentes do Estado Novo. O advogado José António Barreiros traduziu o relato escrito em 1972 pelo comandante Jorge Soutomaior, herói na Guerra Civil espanhola, que conta a sua versão dos bastidores da operação. O livro é lançado na próxima quarta-feira.
Porque decidiu traduzir o livro Eu Roubei o Santa Maria?
Porque esta versão do apresamento do Santa Maria era ignorada, apesar de ter sido escrita em 1972.
Vingava ainda na memória colectiva a narrativa de Henrique Galvão, assente numa lógica de “culto da personalidade”, que esquecia a verdadeira natureza política galaico-portuguesa do Directório Revolucionário Ibérico de Libertação (DRIL) e fazia tábua rasa das contradições internas e internacionais do acto. Havia que abrir caminho ao outro lado da História. Os historiadores que digam onde está a verdade.
Que papel teve o comandante galego na tomada do Santa Maria?
Soutomaior, oficial de Marinha, foi o responsável pela operação militar de tomada do navio e condução do mesmo, sendo Henrique Galvão o dirigente político. Do ataque resultou a funesta morte do piloto Nascimento Costa e ferimentos em outros oficiais. Salazar tentou que o acto fosse considerado como pirataria, mas acabou por ser reconhecido pelos EUA como um acto de beligerância legítima, tendo o Brasil dado asilo político aos ocupantes do navio.
Quem era Jorge Soutomaior?
Jorge Soutomaior é o nome de guerra de um galego, herói na Guerra Civil espanhola do lado republicano. Chamava-se José Hernández Vázquez. Nasceu em 1904. Refugiado na Venezuela, formou com o professor Velo Mosquera um movimento de libertação da Galiza.É nesse quadro que pactuam com o general Humberto Delgado, em Caracas, e fundam o Directório Revolucionário Ibérico de Libertação, movimento que visava criar uma Ibéria livre das ditaduras peninsulares. Morreu no final dos anos oitenta.
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Diz que o relato de Soutomaior dá uma versão diferente da história do Santa Maria. Pode concretizar?
Há substanciais diferenças. Por um lado, conta a origem do DRIL, o papel dos galegos neste movimento, a sua participação na tomada do barco. Depois, porque detalha os conflitos ideológicos e de personalidade entre Soutomaior e José Velo com Henrique Galvão, que Soutomaior considera um traidor à causa, e com Humberto Delgado. Além disso, este livro explica também o papel desempenhado pelos norte-americanos e os brasileiros no desfecho da operação, nomeadamente no campo do apoio que estes países deram à luta anticolonialista. O ataque ao Santa Maria inseriu-se não só na luta contra as ditaduras ibéricas mas também na luta contra o colonialismo. E aqui os portugueses não tinham a mesma visão das coisas. A tese de Galvão é a de que do assalto resultou uma vitória. Para Soutomaior, no entanto, foi um fracasso. Para o capitão, foi um acto de heroicidade lusitana, para o comandante, um esforço frustrado de um colectivo galaico-português.
As origens políticas de Delgado e Galvão e de Velo e Soutomaior auguravam um relacionamento difícil?
Os detractores de Delgado e Galvão apodaram-nos de “fascistas dissidentes”, por serem figuras directamente ligadas ao Estado Novo e às suas instituições, enquanto Velo e Soutomaior têm um passado de luta no campo republicano e antifranquista. Além disso, os galegos são pela independência das colónias como forma de se alcançar subsequentemente a democracia na Península Ibérica, ao passo que Delgado e Galvão entendem que as colónias fazem parte do “património histórico” de Portugal.
Jornal de Notícias
Pode associar-se a tomada do paquete ao início da guerra colonial em Angola, no dia 4 de Fevereiro de 1961?
Pode. Um dos sentidos estratégicos da operação seria o rumo a Angola, onde a situação estava preparada. Em que medida haverá em tudo isto mão americana, eis a questão. A Marinha dos EUA, mau grado a radiogoniometria, só localizou o Santa Mariaquatro dias depois, permitindo que fosse uma plataforma de propaganda mundial contra a política colonial de Salazar.
O arranque da insurgência em Angola decorre de apoios americanos, antes de a URSS se comprometer, através de Cuba, no esforço de guerra civil que levaria à independência de Angola. Sucede que o DRIL era um movimento de galegos apoiado pelo regime cubano de Fidel Castro, de ascendência galega. Eis nisto as contradições estratégicas da operação e, afinal, da história da “descolonização exemplar”.
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Abordagem ao paquete

DO ‘SANTA MARIA’ PARA O MUNDO O “MAIOR COMÍCIO” ANTI-SALAZAR

Há 56 anos, não havia redes sociais, mas a tomada de um paquete com 600 passageiros e 350 tripulantes por um punhado de 23 revolucionários mal armados teve o efeito de um comício à escala planetária: a comunidade internacional virou as costas a Salazar.
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“Se não foi outra coisa”, o assalto ao paquete português “Santa Maria”, na madrugada de 22 de Janeiro de 1961, no mar das Caraíbas “foi o maior comício do mundo contra Salazar, foi um comício à escala planetária, foi um sufrágio mundial à credibilidade do regime fascista”. Camilo Mortágua, então com 27 anos, foi um dos 12 exilados políticos portugueses em Caracas, Venezuela, a embarcar na aventura do Directório Revolucionário Ibérico de Libertação (DRIL). Com 11 espanhóis, idealizaram apossar-se do navio, rumar à ilha de Fernando Pó, apoderar-se de uma canhoneira e de armas da guarnição militar espanhola, apontar a Luanda, assumir o poder na colónia portuguesa, instalar um governo provisório e irradiar a sublevação armada contra as ditaduras peninsulares.
Liderados pelo capitão Henrique Galvão, importante quadro dissidente do regime e delegado plenipotenciário do general Humberto Delgado (outro dissidente, depois de ter ocupado destacados cargos), derrotado na farsa das eleições presidenciais de 1958,  os revolucionários acabariam por ver frustrados os seus objectivos. Mas não completamente os políticos imediatos. “Pretendia-se uma operação com impacto”, conta Mortágua [ler entrevista]. E teve: a “Operação Dulcineia” – em alusão à quimérica dama do D. Quixote (“D. Quixote de la Mancha”) de Cervantes – convocou a imediata atenção dos média de todo o Mundo, que se precipitaram a enviar repórteres.
Com os jornais do país submetidos a férrea censura e manipulados pelas notas oficiosas do Governo, apenas os estrangeiros podiam narrar o acontecimento (a primeira captura de um navio por razões políticas, como viria a sê-lo o desvio de um avião da TAP 11 meses depois) e  colocar na agenda internacional a ditadura. Foi através da cadeia de televisão norte-americana NBC que Galvão, que partilhava a liderança da operação com o comandante “Jorge Soutomaior” (nome de guerra do galego José Hernánez Vasquez, ex-combatente comunista na Guerra Civil de Espanha), invocou a condição de combatente político e neutralizou a arma diplomática de Salazar. Acusando os revolucionários de pirataria, o ditador pretendia que os aliados na NATO, com a frota norte-americana no Atlântico à frente, recapturassem o paquete. França e Holanda não reagiram; a Inglaterra desistiu face à pressão trabalhista. Só os Estados Unidos se fizeram ao mar, com cinco vasos de guerra e uma esquadrilha de aviões.
A esquadra aeronaval dos EUA localizou o “Santa Maria” cinco dias após a aventura começar.  O barco zarpara no dia 20 do porto venezuelano de La Guaira, com destino a Miami. Dissimulada entre os 600 passageiros seguia uma parte do comando revolucionário; a outra embarcou clandestinamente e acoitou-se com armas. Três outros homens, Galvão entre eles, entrariam no dia seguinte em Curaçao.
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A acção foi desencadeada cerca da 1.10 horas do dia 22. Foi rápida – coisa de dez ou 15 minutos. Na tomada da ponte de comando, um oficial de bordo é morto e outro gravemente ferido. O desembarque humanitário de feridos, no dia 23, na ilha de Santa Lucia – decisão controversa na liderança –  foi fatal: denunciou a presença do navio, atrasando a navegação para África.
Só no dia 25 foi avistado, mas não abordado. Galvão insistiu com os EUA que se tratava de um acto político e não de pirataria vulgar. John Kennedy, recentemente eleito, cede. Entre 27 e 31 de Janeiro, decorrem conversações entre os líderes do comando e o contra-almirante Allen Smith, em representação dos EUA, atentas à alteração política no Brasil: hostil aos revolucionários, o presidente cessante, Kubitchek de Oliveira, seria substituído no dia 1 de Fevereiro por Jânio Quadros, democrata amigo de Delgado. No dia 2, o navio chega a Recife e os revolucionários recebem asilo político.
Mas já nada será como dantes. “O governo fascista de Salazar está menos seguro no poder do que julga”, sentencia o clandestino “Avante!”, classificando a operação do “Santa Maria” como “uma séria derrota” e anunciando “um novo período de ascenso revolucionário”. E 1961 foi muito agitado


centrodeestudosportugues1.wordpress.com

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