Nos 90 anos de golpe do 28 de Maio, trago aqui as memórias de Humberto Delgado sobre o assunto:
«Já referi o estado de desorganização e o colapso moral que afectava o Exército. Não admira, portanto, que os oficiais subalternos – alma e coração do movimento – tivessem tido grande dificuldade em encontrar um general disposto a chefiá-lo na tentativa de derrube do governo [de António Maria da Silva]. Acabaram por encontrar esse chefe no general Gomes da Costa.
Da muito católica cidade de Braga, o general Gomes da Costa fez a sua proclamação ao País. Redigida em termos sóbrios, dizia o seguinte:
“A Nação quer um governo nacional militar rodeado das melhores competências, para restituir à administração do Estado a disciplina e a honradez que há muito perdeu. Empenho a minha honra de soldado na realização de tão nobre e justo propósito.
Não quer a Nação uma ditadura de políticos irresponsáveis como a que tem havido até agora; que um governo forte que, tendo por missão salvar a Pátria. Concentre em si todos os poderes para, na hora própria, os restituir a uma verdadeira representação nacional, ciosa de todas as liberdades, representação que não será de quadrilhas políticas mas dos interesses reais, vivos e permanentes de Portugal.
Entre todos os corpos da Nação em ruínas é o Exército o único com autoridade moral e força material para consubstanciar em si a unidade de uma pátria que não quer morrer.
À frente do Exército português, pois, unido na mesma aspiração de redenção patriótica, proclamo o interesse nacional contra a acção nefasta dos políticos e dos partidos, e ofereço à Pátria enferma um governo forte, capaz de opor aos inimigos internos o mesmo heróico combate que o Exército deve aos inimigos externos.
Viva a Pátria!
Viva a República!
General Gomes da Costa”
Entretanto, o governo do Partido Democrático demitiu-se. (…) A 30 de Maio, Bernardino Machado, presidente da República, convidou o comandante Mendes Cabeçadas a formar governo. (…) A guerra fria entre Gomes da Costa e Mendes Cabeçadas começava. (…) No dia 31 de Maio o presidente da República demitia-se. (…) A 12 de Junho de 1926, Gomes da Costa anunciava novo movimento militar, desta vez para afastar Mendes Cabeçadas, que tentou resistir, mas como lhe faltassem apoios, foi corrido a 17 de Junho. Este foi o primeiro golpe de Estado. O segundo foi a 9 de Julho. Gomes da Costa não possuía a cultura e o equilíbrio necessários para tais funções, tendo sido escolhido apenas pela sua capacidade militar. Assim, acabou por ser exilado para os Açores a 11 de Julho e dez dias mais tarde foi promovido a marechal. (…)
A 30 de Setembro de 1927 foi criada a União Nacional, começando assim o domínio do partido único. (…) Quanto ao Dr. Salazar (…) voltará de novo à cena ao assumir o verdadeiro poder, a 28 de Abril de 1928, quando aceita a pasta das Finanças com a condição de serem previamente submetidas à sua autorização todas as despesas do Estado.»
(Memórias de Humberto Delgado, D. Quixote, 1991, pp 60-69)
O resto sabemos bem como foi …
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