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domingo, 29 de maio de 2016

A manif do Dr. Alvarenga


Os meninos fardados, com os seus blazers cinzentos e gravatinhas laranja, entram no colégio. À entrada, um livro de pedra aberto com brasões em relevo tenta dar ao colégio uma patine de tradição secular. Em frente, o busto imponente de João Alvarenga, “fundador e diretor” da Didálvi. O que verá no vídeo de apresentação deste colégio de Barcelos, que se pode encontrar facilmente na internet, levará o leitor a querer passar férias nesta instituição de ensino. Uma xaropada de lugares comuns, sempre acompanhada por enormes elogios ao “Dr. João Alvarenga”, faz de banda sonora a imagens de meninos a dedicar-se à esgrima, ao ténis, ao hipismo, ao golfe, ao rapel. Mais do que a qualidade educativa, dá-se à classe média um cheirinho da vida dos ricos. Afinal de contas, a ilusória promessa de acesso ao clube dos privilegiados — apesar de melhores nos exames, os alunos dos colégios privados têm piores resultados na Universidade que os do público — é um dos atrativos de muitos destes colégios. O vídeo explica que algumas destas atividades são na “Quinta Alvarenga”, propriedade do diretor. Não diz que são pagas à parte. O que, para ser rentável, torna pouco verosímil a conversa da escola de meninos pobres com acesso a coisas extraordinárias. A Didálvi, como muitos destes colégios, arranja maneira de selecionar os alunos que vêm com contrato de associação, indo muitas vezes buscá-los para lá da área geográfica que lhe estaria destinada. E o Estado, que tem escolas a cair aos bocados, como o Liceu Camões, subsidia colégios privados mesmo para quem tem condições para pagar hipismo e golfe como atividades extracurriculares.
Muitos dos alunos e pais da Didálvi irão à manifestação de amanhã. Mas no raio de cinco a nove quilómetros de distância do colégio há duas escolas secundárias, três escolas básicas e uma básica e secundária. Todas públicas. A Escola Secundária de Barcelos foi requalificada e, sem fazer seleção de alunos, está, para quem liga aos rankings, nas primeiras 150 em mais de 632 escolas. A Alcaides de Faria, ainda mais próxima, ficou em 166º. E têm vagas. Vai-se poupar, com a não abertura de novas turmas subsidiadas no Didálvi, um milhão e meio no próximo ano e mais de três milhões a partir do ano seguinte.
O dr. João Alvarenga, com direito a busto na escola da “cooperativa”, não é apenas mais um candidato a comendador à procura de lucros no Estado. Foi, até há poucos meses, presidente da associação que lidera a “revolta amarela” (AEEP) e dirige a confederação que funciona como grupo de pressão para a subsidiação pública das escolas privadas (nome de código: “liberdade de escolha”).
Dizia João Alvarenga, na SIC Notícias, em 2007, quando foram distribuídos computadores Magalhães em escolas públicas: “Não é despejando dinheiro sobre o sistema, não é despejando computadores sobre o sistema que se vai fazer com que ele funcione.” Mas depois explicava, claro está, que em vez de “despejar dinheiro” na escola pública o importante era o Estado financiar a “liberdade de opção”. Em vez de dar condições à escola pública era preciso subsidiar a dele, para que a dele tivesse computadores e a pública ficasse com a ardósia. Penso que chegou a altura de não despejar mais dinheiro no negócio do “Dr. João Alvarenga” e tratar de resolver os problemas das escolas que são de todos e para todos.

Daniel Oliveira
Jornal Expresso

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